“Benzinho” traz retrato afetuoso sobre relações familiares e se beneficia de carisma do elenco

Erick Rodrigues
Pipoca & Projetor
Published in
4 min readNov 12, 2018

Quando se fala na criação de filhos, o mais comum é ouvir que os pais devem prepará-los para o mundo e saber a hora de “cortar” o cordão umbilical. Nem todos, no entanto, conseguem fazer isso facilmente, como é o caso de Irene (Karine Teles), a protagonista de “Benzinho”, longa do diretor Gustavo Pizzi sobre a rotina de uma família que é afetada pela expectativa da partida do filho mais velho.

Na história, Irene se desdobra para desempenhar os papéis de mãe, esposa, irmã, empreendedora, aluna, amiga e todos mais que surgirem ao longo de dias atribulados. A principal atividade da protagonista é cuidar dos quatro filhos, todos cheios de energia e demandando atenções específicas, especialmente os gêmeos mais novos, Fabiano (Arthur Teles Pizzi) e Matheus (Francisco Teles Pizzi). Já Rodrigo (Luan Teles) e Fernando (Konstantinos Sarris), os adolescentes da casa, ajudam a mãe nas tarefas do dia a dia e se dedicam aos próprios interesses, respectivamente, a música e o esporte.

A rotina familiar é alterada quando Fernando, goleiro em um time de handebol, recebe um convite para jogar e, consequentemente, estudar na Alemanha. A grande oportunidade, no entanto, não anima a todos e deixa Irene extremamente desconfortável com a possibilidade de ver o filho partindo para o mundo, ainda mais em um período tão curto, uma vez que ele tem pouco mais de um mês para acertar todos os detalhes para a viagem.

Em meio aos preparativos, a protagonista ainda lida com a expectativa com a festa de formatura, quando vai receber o tão sonhado diploma de ensino médio; as dificuldades do marido, Klaus (Otávio Müller), em conseguir um negócio promissor para investir; e com os problemas da irmã Sônia (Adriana Esteves), que passa a morar com ela depois de abandonar o marido violento.

Com tantas obrigações e desafios, que ainda envolvem a busca por um emprego formal, Irene absorve calada todos os impactos do dia a dia, especialmente os sentimentos provocados pela dificuldade em “cortar” o cordão umbilical de Fernando e deixá-lo seguir o caminho dele. A angústia provoca reações diversas, como orgulho, nostalgia, tristeza, medo e ciúme, todas elas sempre amparadas por um amor imenso a um de seus “benzinhos”, forma carinhosa como chama os filhos.

Com roteiro assinado por Pizzi e Karina, que foram casados, “Benzinho” apresenta ao espectador, essencialmente, uma história sobre afeto. Esse é o sentimento que move o núcleo familiar e permeia todas as relações apresentadas na trama, sejam elas entre irmãos, cunhados, casais e amigos. De uma forma muito inteligente, uma história extremamente simples ganha força e torna quem assiste parte das ações daqueles personagens, usando, para isso, diálogos naturais e muito bem estruturados, que sempre refletem com clareza as intenções por trás das palavras.

A construção da personagem central é um dos pontos altos do longa. Irene absorve todos os impactos daquele núcleo familiar, imersa na rotina desgastante do cuidado com os filhos, nas preocupações em terminar os estudos e ter um emprego fixo, no apoio incondicional à irmã e em ser uma “âncora” para os desejos pouco realistas do marido. É o anúncio da partida do filho mais velho, no entanto, que serve para “implodir” todos esses sentimentos dentro dela. Para retratar isso, roteiro e direção usam metáforas, efeitos sonoros e visuais muito precisos, que dão a dimensão das contradições daquela mãe, que ama na mesma medida em que se sente ameaçada pelo abandono.

Para um resultado final tão satisfatório, “Benzinho” tem, talvez como principal qualidade, o elenco. Bem entrosados e cientes de cada função na história, os atores contribuem imensamente para que as intenções do roteiro sejam atingidas. Além do desempenho arrebatador de Karine Teles, que conquista o espectador na primeira sequência, merecem destaque os trabalhos de Otávio Müller e Adriana Esteves, ótimos como o marido que mergulha em ilusões em nome do bem-estar familiar e a irmã vítima de violência doméstica. O elenco infanto-juvenil também é crucial, especialmente na construção de empatia e atmosfera natural do filme.

Sucesso em festivais, como no de Gramado e Sundance, “Benzinho” é um retrato afetuoso sobre as relações familiares, que provoca um extremo bem-estar sentimental no espectador, especialmente em um mundo tão cheio de ódio e intolerância. Com uma história bem construída e o trabalho certeiro de um elenco carismático, o filme é uma bela opção de entretenimento para quem procura leveza, reflexão, empatia e, sobretudo, exemplos de afeto.

BENZINHO

COTAÇÃO: ★★★★ (ótimo)

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