Del Toro faz de “O Beco do Pesadelo” uma fábula sobre a monstruosidade do ser humano

Erick Rodrigues
Pipoca & Projetor
Published in
3 min readFeb 8, 2022
Divulgação/Searchlight Pictures

A paixão de Guillermo del Toro pelo cinema é um elemento importante da filmografia do cineasta. As histórias que conta e a forma de filmá-las são provas incontestáveis de que, para o mexicano, aquilo é mais do que uma carreira. O diretor demonstra esse olhar apaixonado estilizando referências e prestando homenagens a clássicos e gêneros marcantes. “O Beco do Pesadelo”, em cartaz nos cinemas, além de não fugir a esse hábito, também retoma uma temática que passou a caracterizar os trabalhos mais recentes de del Toro : a monstruosidade do ser humano.

No novo filme do cineasta, o protagonista é Stanton Carlisle (Bradley Cooper), um homem que chega a um circo tentando recomeçar. Ali, ninguém se importa com o passado dele e nem mesmo o personagem tem a intenção de revelar algum detalhe da vida que levou até aquele momento. Não demora para que ele ganhe a simpatia de Clem (Willem Dafoe), o responsável por um número que explora homens considerados selvagens.

Durante o período no circo, Carlisle se aproxima de Zeena (Toni Collette), que faz leitura de cartas e truques de vidência; e de Pete (David Strathairn), que ensina a ele números de ilusionismo e mentalismo. Mesmo orientando o personagem sobre como enganar a plateia, os dois são claros em relação a limites que não devem ser ultrapassados.

Seguro da capacidade de criar espetáculos e conquistar plateias, Carlisle convence Molly (Rooney Mara) a partir com ele em busca de sucesso. O tempo passa e, alguns anos depois, o casal lota casas de espetáculo e vive de maneira confortável. Em um dos shows, o ilusionista é desafiado pela psiquiatra Lilith Ritter (Cate Blanchett) e enxerga a possibilidade de, ao lado dela, explorar os truques para conseguir ainda mais dinheiro.

Divulgação/Searchlight Pictures

Assistir “O Beco do Pesadelo” é uma experiência que pode ser comparada a um mergulho na mente de del Toro. A forma como ele constrói a narrativa e pensa cada imagem mescla o terror clássico, o cinema noir e uma inclinação para as fábulas. Fica evidente que tudo isso foi absorvido e transformado em repertório pelo diretor, nada daquilo é mera cópia. São referências da paixão que o mexicano tem pelo cinema e que foram incorporadas e transformadas pela personalidade artística dele.

Além de toda essa construção rica de universo, del Toro usa o tom fabular para voltar a uma temática que aparece, de outras formas, em trabalhos anteriores do cineasta, como “O Labirinto do Fauno” e “A Forma da Água”. A jornada de Carlisle mostra que a miséria humana mora nas atitudes, ambições e fraquezas, não nas imperfeições de aparência, diferenças ou transtornos. Levantamos tochas para perseguir ou explorar “monstros”, mas os monstros somos nós.

O elenco do longa merece todos os elogios, a começar por Bradley Cooper e Cate Blanchett, que estabelecem uma parceria marcada por interesse, desejo e traição. Toni Collette, Willem Dafoe, Richard Jenkins e David Strathairn têm ótimos desempenhos. Trilha sonora, fotografia e direção de arte também devem ser destacados.

Del Toro faz de “O Beco do Pesadelo” uma fábula sobre a monstruosidade do ser humano, aquela que nada tem a ver com aparência. Para isso, o diretor não economiza nas referências e acrescenta personalidade a elas, o que resulta em uma estética e narrativa muito particulares, características que deixam em evidência, especialmente, uma profunda paixão pelo cinema.

O BECO DO PESADELO

ONDE: nos cinemas

COTAÇÃO: ★★★★ (ótimo)

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