Dez filmes que provam que o cinema brasileiro não é feito apenas de violência e palavrões

Erick Rodrigues
Pipoca & Projetor
Published in
8 min readJun 26, 2019

O Dia do Cinema Brasileiro foi comemorado na semana passada e, além de servir para homenagear a produção cinematográfica nacional, também lembrou que nossos filmes ainda são marcados por estigmas e preconceitos de parte do público que deveria aplaudi-lo. A data foi tema de reportagens e programas de rádio e TV, mas isso acabou permitindo que muitas pessoas resgatassem ideias ultrapassadas e julgamentos injustos sobre a sétima arte brasileira.

Virou quase um lugar-comum dizer que o cinema nacional é sustentado por violência gratuita, palavrões indiscriminados e apelações sexuais. Só que essas características nem de perto correspondem à realidade da nossa produção. Mas, se é assim, por que muitas pessoas classificam os filmes brasileiros dessa forma?

Primeiro, falando mais especificamente em relação à violência, é importante lembrar que o cinema nacional ainda busca uma consolidação como indústria e sempre viveu de ciclos, formados por produções que, de certa forma, seguiam um mesmo gênero ou temática. Esse é o caso dos filmes que retratam uma rotina violenta que ronda os brasileiros, especialmente aqueles das periferias. Longas como “Cidade de Deus”, “Tropa de Elite” e outros acabaram ganhando relevância pois, mais do que só mostrar violência, retrataram fatos comuns às vidas de muitos brasileiros. Os sucessos estimularam o mercado e tiraram do papel outras produções desse quase gênero, que ganhou o nome de “favela movie”.

Em relação à exploração do sexo nos filmes nacionais, esse estigma foi carimbado por conta das pornochanchadas, gênero que começou a ser produzido entre o fim da década de 60 e ao longo dos anos 70. Influenciadas pela liberação dos costumes, essas obras eram alvos constantes da crítica, que considerava esses longas apelativos, e também serviam para certa contestação à censura imposta pela ditadura militar. Parte da fama que a produção brasileira carrega até hoje, inclusive, é uma herança desse regime, que impunha severas restrições e analisava sem critérios cenas que são facilmente vistas na novela das nove.

Como é possível perceber, fases da cinematografia brasileira determinaram alguns preconceitos e estigmas que o público carrega. Essas percepções, no entanto, não são nada justas, especialmente se considerarmos os últimos 25 anos de produção nacional, que apresentou obras mais diversas e histórias que merecem ser valorizadas pelos espectadores, ainda que parte deles tenha apenas raras oportunidades para ver longas brasileiros. Mas, isso é uma questão mercadológica, que não é o foco desse texto.

Pensando nesses estigmas, resolvi listar dez filmes nacionais que provam que o nosso cinema é muito mais do que violência, sexo e palavrões, que, aliás, podem ser vistos em produções do mundo todo. Para escolher os longas abaixo, levei em consideração produções mais contemporâneas e procurei evitar clássicos como “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, de Glauber Rocha, e “Vidas Secas”, de Nelson Pereira dos Santos, para mostrar que a qualidade não se restringe a esses casos. Vamos aos filmes:

- Depois Daquele Baile (2006)

Baseado na peça de teatro de Rogério Falabella, “Depois Daquele Baile” é um filme extremamente simples e, por isso mesmo, transborda humanidade. A história de um triângulo amoroso da terceira idade, protagonizado pelos atores Irene Ravache, Marcos Caruso e Lima Duarte, é muito sensível ao mostrar que os personagens valorizam a amizade acima de tudo, mesmo diante de uma disputa romântica. Focando na rotina do trio central, o longa ainda mostra como pessoas solitárias podem criar laços e se transformarem em verdadeiras famílias. Com um simpático sotaque mineiro, “Depois Daquele Baile” traz diversas sequências emocionantes, que valorizam o afeto entre as pessoas. O filme só tem esse resultado por conta do elenco divertido e entregue à simplicidade da trama.

- 2 Coelhos (2012)

O diretor e roteirista Afonso Poyart conseguiu criar uma trama de ação inteligente e surpreendente, partindo de elementos bem brasileiros. Temas comuns à cinematografia nacional, como violência e corrupção, são abordados com frescor e sagacidade em “2 Coelhos”, que mostra um homem cansado de injustiças e que planeja uma forma de confrontar criminosos e corruptos. A história surpreende o espectador ao mostrar que, além de impressões superficiais, o protagonista tem intenções escondidas com esse plano. Ágeis, a direção e montagem do longa contribuem para trazer novidade e interesse à trama, que ainda insere outros gêneros ao filme, como a animação. O elenco, encabeçado por Fernando Alves Pinto, Caco Ciocler e Alessandra Negrini, faz bonito.

- O Auto da Compadecida (2000)

A história de Chicó (Selton Mello) e João Grilo (Matheus Nachtergaele), escrita por Ariano Suassuna e dirigida por Guel Arraes, se transformou rapidamente em um clássico do cinema nacional. Uma das obras que melhor retrata algumas características brasileiras, a trama mostra a dupla de protagonistas enganando os patrões e autoridades religiosas locais até que um ataque de cangaceiros faz com que os personagens se vejam em um julgamento para decidir se vão passar a eternidade no céu ou no inferno. Além da direção de Arraes e do texto adaptado da peça teatral de Suassuna, o elenco é fundamental para o sucesso do longa. Nachtergaele e Selton Mello são acompanhados por Denise Fraga, Diogo Vilela, Lima Duarte, Rogério Cardoso, Marco Nanini e Fernanda Montenegro.

- Central do Brasil (1998)

Poucos filmes olharam tão profundamente para o interior do país como “Central do Brasil”, ainda que, inicialmente, o drama sobre a relação entre Dora (Fernanda Montenegro) e Josué (Vinícius de Oliveira) foque em aspectos mais sentimentais. A ex-professora que escreve cartas na mais famosa estação de trem do Rio de Janeiro vive solitária e encontra afeto no menino que fica órfão de mãe e tem o desejo de encontrar o pai, no Nordeste. Na viagem pelo país, o filme de Walter Salles acaba revelando detalhes e até os rostos de uma parcela da população brasileira muito rica, mas constantemente esquecida. Fernanda Montenegro tem um desempenho arrebatador, que emociona a cada olhar e gesto da dura personagem, que vai, aos poucos, cedendo ao amor pelo menino.

- Que Horas Ela Volta? (2015)

O filme de Anna Muylaert fez sucesso dentro e fora do Brasil apresentando a simplicidade da empregada doméstica Val (Regina Casé), que abriu mãe de criar a filha no Nordeste para vir a São Paulo ganhar a vida. Trabalhando na casa de uma família de classe alta, Val ajuda na criação de um menino e, muitas vezes, acaba até assumindo as funções de mãe. Anos mais tarde, quando recebe a filha Jéssica (Camila Márdila) na casa dos patrões, a protagonista acaba no meio de um confronto de universos, que expõe diferenças sociais e uma hipocrisia na relação de patrões e empregados, que são apontados como “quase da família”, mas são tratados como diferentes por atitudes dos empregadores. Um drama carismático que gera muita reflexão.

- Boi Neon (2015)

O drama do diretor e roteirista Gabriel Mascaro é surpreendente, não por viradas do roteiro ou a revelação de segredos dos personagens. “Boi Neon” impressiona por desconstruir estereótipos associados aos brasileiros com sutileza e profundidade. A trama usa a tradição das vaquejadas, no Nordeste, para questionar a figura de “macho” exigida dos homens pela sociedade. Isso é feito através de Iremar (Juliano Cazarré), um vaqueiro que, mesmo em um ambiente bruto, tem o sonho de trabalhar como estilista. O desejo de viver da moda também acaba questionando outro estereótipo: o de que os profissionais da área são sempre homossexuais. Ao mergulhar naquela rotina dos vaqueiros, “Boi Neon” mostra que rótulos definem as pessoas de forma muito pobre e critica olhares preconceituosos sobre determinadas escolhas de vida.

- O Lobo Atrás da Porta (2013)

O gênero de suspense ainda tem poucos representantes no cinema brasileiro, mas um dos melhores, sem sombra de dúvidas, é “O Lobo Atrás da Porta”. O primeiro filme do diretor Fernando Coimbra surpreende com um thriller instigante sobre o desaparecimento de uma criança. Mostrando os acontecimentos fora da ordem cronológica, o longa investiga os aspectos que envolvem um casal de classe média e um relacionamento extraconjugal. A revelação sobre o sumiço da menina choca e mostra como inocentes podem ser vítimas da maldade de alguns, ainda que não tenham nada a ver com os fatos. Um dos grandes méritos do filme é a atuação de Leandra Leal, que cria uma personagem fria e, ao mesmo tempo, passional sem cair em caricaturas.

- Aquarius (2016)

Figura clássica do cinema brasileiro, já tendo protagonizado “Gabriela” e “Dona Flor e Seus Dois Maridos”, Sônia Braga tem em “Aquarius”, na minha opinião, a melhor personagem da carreira. A atriz vive uma mulher que embarca em uma batalha para continuar morando em um prédio praticamente vazio e alvo do assédio de uma construtora. A ideia dos empresários, que enfrenta a resistência da protagonista, é demolir o antigo edifício Aquarius para dar lugar a um novo empreendimento, sem considerar as memórias que estão nas paredes do lugar. O diretor Klebber Mendonça Filho revela uma sensibilidade ímpar na retratação dessa mulher madura, cheia de questões e conflitos sobre as lembranças e o futuro.

- O Palhaço (2011)

Dirigido e protagonizado por Selton Mello, “O Palhaço” é um exemplo a ser seguido quando a intenção é criar um produto cultural sofisticado e popular ao mesmo tempo. Com muita delicadeza, o filme mostra a rotina de um circo, especialmente de uma dupla de palhaços. Só que um deles, vivido por Mello, sente necessidade de realizar sonhos fora daquele universo. Apesar do tema suscitar alegria, “O Palhaço” carrega uma poética melancolia por se aprofundar no íntimo do protagonista e das figuras que o cercam. Além do belo desempenho de Selton Mello, o longa também prestigia o talento de Paulo José, que empresta carisma e leveza ao viver outro palhaço do circo.

- O Homem que Copiava (2003)

Lázaro Ramos vive um operador de fotocopiadora que se apaixona por uma vizinha, mas não tem coração de se aproximar dela. Ao melhor estilo “Janela Indiscreta”, clássico de Alfred Hitchcock, o protagonista acompanha a rotina da jovem, conhecendo os hábitos e gostos dela até ter coragem de se apresentar. Para conseguir essa aproximação, o personagem acaba se transformando em um falsificador de dinheiro, o que o leva, inclusive, a cometer atos mais graves. Rápido e espirituoso, sem forçar a barra, o roteiro de “O Homem que Copiava” prende o espectador na rotina daqueles personagens, que parecem viver em uma panela de pressão prestes a explodir.

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