“Elvis” evita tradicional resumo e apresenta narrativa que vibra no ritmo de um astro

Erick Rodrigues
Pipoca & Projetor
Published in
3 min readAug 23, 2022
Divulgação/Warner

Mais do que desafiadora, também é ingrata a tarefa de criar um filme biográfico a partir de momentos selecionados com o intuito de resumir a existência de uma figura. Fatalmente, ficam de foram muitos acontecimentos e experiências que poderiam aprofundar a compreensão sobre aquele personagem. Talvez seja exatamente por isso que Baz Luhrmann nem tenta fazer de “Elvis” um resumo da trajetória do cantor Elvis Presley. Ao invés disso, o diretor e roteirista escolhe um caminho menos tradicional e mais vibrante.

Como condensar, em pouco mais de duas horas e meia, a história de um cantor que, até hoje, se mostra maior do que a vida, uma vez que há quem acredite que a morte dele foi uma encenação? Luhrmann responde a essa pergunta, primeiro, com o entendimento sobre o tamanho do personagem que tem nas mãos, do ícone. Essa compreensão esclarece o quão pretensiosa e injusta seria a ideia de espremer essa existência no tempo de um filme.

Depois, na hora de pensar na organização de tantos acontecimentos em uma narrativa, para evitar o habitual resumo, o diretor percebe que o melhor caminho é o de envolver o espectador na mesma vibração do artista. Essa opção faz de “Elvis” um filme recortado, frenético, exagerado, pulsante, dramático e inebriante. Em suma, um espetáculo.

Dividido em ascensão, inquietação e declínio, o roteiro é construído a partir do ponto de vista do empresário de Elvis (Austin Butler), coronel Tom Parker (Tom Hanks). Mesmo com essa separação por fases perceptível, a narrativa foge da cronologia sobrepondo os acontecimentos e apresentando-os conforme a necessidade de conexão dos eventos. É assim que vemos a influência da cultura negra norte-americana no trabalho do cantor; a resistência às tentativas de enquadrá-lo em convenções; e o desejo, por vezes dolorido, de explorar a plenitude de um talento infinitamente maior do que qualquer palco.

“Elvis” também explora o fascínio provocado pela personalidade do cantor, que causava nas plateias sensações que misturavam o sagrado e o profano. A potência da voz e os movimentos, em especial os do quadril, eram apreciados como dons sagrados e, ao mesmo tempo e intensidade, estimulavam o desejo sexual a ponto de provocar gritos de êxtase do público sem a necessidade de qualquer contato físico.

Divulgação/Warner

Ainda que responsável por impulsionar a carreira de Elvis, a influência de Tom Parker também foi a causa da derrocada do artista. O filme detalha como as artimanhas do empresário para explorar todos os ganhos financeiros que o talento do cantor poderiam proporcionar levaram ao colapso uma alma que precisava dar maior vazão à criatividade e força musical contidas nela.

Habituado a extravagâncias, Baz Luhrmann parece conter o impulso faraônico que sempre demonstrou ter por já contar com elementos suficientes, ligados à personalidade do cantor, para preencher esse espetáculo. Os exageros estéticos e na forma de filmar condizem com o artista e nenhum detalhe é afetado além da conta.

Para fazer jus a uma figura tão icônica, só uma interpretação à altura e Austin Butler não deixa por menos. Mais do que preparo, o ator também demonstra extrema sensibilidade para recriar feições e movimentos. Tamanha é a entrega que o resultado é quase sobrenatural. O mesmo, no entanto, não se pode dizer de Tom Hanks, que, mais uma vez, flerta com a canastrice. É bem verdade cabe a ele um tipo que carrega uma aura de folclore, porém, ceder sem hesitar à opção pela caricatura enfraquece o papel. Acaba sendo um Tom Hanks no “piloto automático” e escorado pela caracterização.

“Elvis” é um grande trabalho de Baz Luhrmann, que demonstra inteligência ao nem tentar fazer um apanhado de uma vida como a de Elvis Presley. Ao invés disso, o diretor prefere criar um espetáculo frenético e arrebatador, um filme que vibra no ritmo de um astro capaz de unir, pela voz e o requebrado, sacralidade e volúpia.

ELVIS

ONDE: nos cinemas

COTAÇÃO: ★★★★ (ótimo)

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