“Eternos” é boa experiência da Marvel em universo que precisa de personalidade

Erick Rodrigues
Pipoca & Projetor
Published in
4 min readJan 19, 2022
Divulgação/Marvel Studios

Mesmo não inventando a roda em termos de história e construção de personagens, a Marvel soube organizar e até modernizar elementos narrativos para criar um universo cinematográfico compartilhado que não só mobiliza milhões de espectadores mundo afora, como também apresenta inúmeras possibilidades de continuidade. Vez ou outra, procurando novos ingredientes, o estúdio busca diretores que tragam personalidades diferentes aos projetos.

Quando foi anunciado para a direção de “Eternos”, o nome da chinesa Chloé Zhao provocou algum estranhamento, afinal, até aquele momento, a cineasta tinha uma carreira mais autoral e de narrativas contemplativas, distantes da ação que se espera de um filme de super-heróis. Para muitos, o incômodo continuou após a estreia do longa, que, agora, está disponível no catálogo do Disney+.

Em “Eternos”, somos apresentados a um grupo de seres que foi enviado à Terra para proteger os humanos desde os primórdios da civilização, há mais de cinco mil anos. Instruídos por Arishem, uma espécie de deus dos Celestiais, e liderados por Ajak (Salma Hayek), eles recebem a missão de defender o planeta de criaturas conhecidas como Deviantes, porém, são proibidos de interferir nos conflitos provocados pelos próprios terráqueos, como as guerras.

Depois de séculos de lutas contra os Deviantes, os Eternos se separam para viver entre os humanos enquanto aguardam que Arishem diga que eles podem voltar para o planeta de onde vieram. Só que Sersi (Gemma Chan), uma das integrantes do grupo, descobre que as criaturas que ameaçam a Terra não foram extintas, como eles imaginavam, e parte em uma jornada para reunir os companheiros novamente.

De fato, “Eternos” não é um filme convencional de super-heróis, mas isso não é necessariamente ruim. Mesmo que tenha desagradado alguns fãs da Marvel, o longa funciona como uma experiência narrativa interessante para o universo do estúdio. Isso porque, ao invés da habitual ação do gênero, visível e barulhenta, os conflitos aqui são internos, eles se dão a partir de uma introspecção dos personagens.

Divulgação/Marvel Studios

Em determinado momento da trama, os Eternos passam a questionar as ordens de Arishem e os planos de Ajak, o que gera dilemas sobre abandonar ou não a crença no propósito dos Celestiais. Essa questão é agravada quando eles precisam escolher entre deixar os humanos serem extintos ou salvá-los e, assim, arriscar uma missão que é justificada como uma continuidade do universo.

É bem verdade que os filmes tradicionais da Marvel também trazem dilemas e conflitos pessoais, mas, de uma forma ou de outra, eles sempre acabam incorporados a algum vilão ou ação externa, recursos que são visuais para o público. Em “Eternos”, o movimento acontece dentro dos personagens, que estão sempre questionando eles mesmos sobre escolhas, fé, livre arbítrio e coletividade. O roteiro aposta, ainda, em caminhos mais complexos para os heróis. Ikaris (Richard Madden), Duende (Lia McHugh) e Kingo (Kumail Nanjiani) tomam decisões pouco comuns aos heróis, menos altruístas e mais questionáveis.

Essa proposta interessante, no entanto, não chega ao espectador com a força que poderia ter. Talvez pela quantidade de personagens que estão sendo apresentados, a potência desses dilemas acaba diluída, não impactando tanto quem assiste. Os muitos conflitos internos distanciam mais o público do que criam conexões. O fato de ser uma história de grupo também cria a sensação de que os personagens são mal apresentados e que faltam informações e profundidade para justificá-los.

Esteticamente, “Eternos” é um filme da Chloé Zhao do início ao fim. Ainda que a diretora não esteja trabalhando com a habitual parceria do diretor de fotografia Joshua James Richards, ela leva muito das experiências dos longas anteriores para a colaboração com Ben Davis, o responsável pela cinematografia na produção. Juntos, eles chegam a uma bela iluminação indireta, que remete a efeitos naturais. A cineasta também não abre mão de uma câmera mais fechada, que valoriza o detalhe e colabora com a introspecção dos personagens.

“Eternos” está longe de ser perfeito e o estranhamento com a proposta é compreensível. Foge do modelo tradicional dos filmes de super-heróis, é mais lento, tem a estética mais apurada e aposta em conflitos internos dos personagens. No fim das contas, é uma boa experiência dentro de um universo que precisa investir em personalidade para surpreender e não oferecer apenas o que os espectadores já esperam do estúdio.

ETERNOS

ONDE: Disney+

COTAÇÃO: ★★★ (bom)

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