“Moonlight” mescla sensibilidade e força em rica construção de personagens

Erick Rodrigues
Pipoca & Projetor
Published in
3 min readFeb 26, 2017

Do que é feito um bom personagem? De complexidade, nuances, contradições, dúvidas, inseguranças, enfim, de substância. Não sei se essa é uma boa definição, mas é o que fica quando paro para pensar nos personagens de “Moonlight — Sob a Luz do Luar”, filme indicado a oito Oscars que, com maestria, constrói tipos ricos, fascinantes e extremamente críveis, em uma história forte e, ao mesmo tempo, sensivelmente humana.

Dirigido e escrito por Barry Jenkins, a partir da obra de Tarell Alvin McCraney, o longa se passa em três períodos diferentes da vida de Chiron. Na primeira fase, ainda menino, o personagem é vivido Alex R, Hibbert e vive sob os cuidados da mãe, Paula (Naomie Harris), uma usuária de drogas. Constantemente perseguido pelos outros garotos do colégio, em uma das vezes em que tem que se esconder para não apanhar, Chiron conhece Juan (Mahershala Ali), um traficante que acaba ajudando o garoto e, aos poucos, acaba preenchendo uma lacuna paterna na vida do garoto.

Aos poucos, apesar de certa resistência da mãe, Chiron e Juan acabam fortalecendo seus laços, a ponto de o menino passar a frequentar a casa do traficante, casado com Teresa (Janelle Monáe). Suprindo a ausência de Paula, afetada pelo consumo de drogas, é Juan quem está lá para amparar e esclarecer ao garoto as primeiras questões sobre a implicância dos demais garotos e a relação disso com sua sexualidade.

Em um segundo momento, o adolescente Chiron (agora Ashton Sanders) passa a enfrentar um bullying mais violento dos colegas. É nesse período da vida, também, que ele começa a sentir os primeiros sinais de atração pelo amigo Kevin (Jharrel Jerome), apesar de ambos ainda não saberem lidar com aquele sentimento e um deles, inclusive, ser mais influenciado pelas inseguranças e dúvidas da adolescência.

Separados por circunstâncias da vida, na terceira parte do filme, Chiron (Trevante Rhodes) e Kevin (Andre Holland), cada um influenciado pelo caminho que escolheu, acabam se reencontrando e, mesmo que de forma implícita, colocam “na mesa” todos os assuntos inacabados.

A maior qualidade de “Moonlight”, acredito eu, é a construção de personagens tão sólidos e complexos, afetados e contrapostos por questões extremamente reais como preconceito, aceitação e a busca por autoconhecimento. A trama desenha esses personagens de uma forma muito intensa e profunda. Cada um deles deixa a nítida sensação de serem compostos por camadas e camadas de sentimentos dos mais variados.

Isso não seria possível sem um roteiro sólido, que constrói uma narrativa delicada e, ao mesmo tempo, forte. Sem excessos, a divisão em três fases é muito eficaz para exaltar as questões, tanto raciais como em relação a sexualidade, vividas pelo personagem em cada período da vida. Também é admirável como o roteiro coloca muitos dos temas sem nem ao menos dizê-los. Em vários momentos, “Moonlight” grita, usando apenas insinuações e silêncios.

Para enriquecer ainda mais seu texto (ou a ausência dele), Jenkins contribui com uma direção inspirada, com belos enquadramentos e sequências. A fotografia também é espetacular.

O elenco é bastante coeso e cada um deixa uma marca importante na história. Todos os intérpretes de Chiron conseguem uma unidade interessante, mas a atuação contida de Trevante Rhodes é a que mais chama atenção. Naomie Harris, como a mãe do protagonista, nunca esteve tão bem e mereceu a indicação ao Oscar pelo papel. E, o que dizer de Mahershala Ali? Emprestando uma humanidade e um complexidade fora do comum ao personagem, ele se torna uma presença forte durante todo o filme, mesmo estando fisicamente apenas na primeira fase.

Estabelecendo a concorrência mais acirrada com o favorito “La La Land” ao Oscar de melhor filme, “Moonlight — Sob a Luz do Luar”, como poucos, conseguiu criar uma história madura e humana, que mescla sensibilidade e força nas proporções corretas. Mais do que isso, o filme tem como principal qualidade a construção sólida de personagens, que parecem estar ao lado do espectador de tão reais.

MOONLIGHT — SOB A LUZ DO LUAR

COTAÇÃO: ótimo

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