“Mulan” busca identidade própria e repete falha da Disney em versões live-action

Erick Rodrigues
Pipoca & Projetor
Published in
4 min readDec 7, 2020
Divulgação/Disney

Empenhada em transformar animações clássicas em filmes live-action, a Disney continua esbarrando em um problema que impede o estúdio de emplacar um projeto que tenha a mesma força do original: a incapacidade de replicar nas novas versões o carisma e a conexão que os desenhos tiveram com o público. Com “Mulan”, recém-lançado na plataforma de streaming Disney+, não é diferente. O longa, no entanto, se beneficia de alguns acertos que o distinguem de equívocos como “O Rei Leão” e “Cinderela”.

Tendo como base a animação lançada em 1998, “Mulan” resgata a história da heroína que contraria costumes para proteger o pai da guerra. A nova versão começa apresentando Hua Mulan ainda criança, quando a personagem revela ímpeto e energia diferentes das outras garotas da aldeia. Isso faz com que o pai (Tzi Ma) tente controlar a personalidade da filha.

Já mais velha, Mulan (Yifei Liu) é testada pela casamenteira da aldeia para mostrar que consegue arranjar um casamento que traga honra à família. A jovem acaba humilhada por não corresponder às expectativas, mas a crise dura pouco com a chegada de um novo problema: um decreto do imperador (Jet Li) exige que um homem de cada núcleo familiar se apresente para lutar contra os Rourans, que provocam conflitos e mortes por toda a China.

Decidida a proteger o pai, um homem maduro com problemas de locomoção, Mulan rouba a armadura, a espada e o cavalo do pai para se apresentar ao exército e engrossar as filas de guerreiros imperiais. Fingindo ser um homem, a protagonista passa por todos os treinamentos e é colocada no combate contra Böri Khan (Jason Scott Lee), líder dos Rourans. Ele conta com a ajuda de Xianniang (Li Gong), uma feiticeira que tem os próprios interesses nessa guerra.

Ao contrário de outras versões live-action que reproduzem as animações originais ipsis litteris, “Mulan” acerta ao buscar uma voz que permita ao longa construir uma identidade própria, ao mesmo tempo em que preserva algumas referências. Isso fica claro na escolha da produção em fortalecer o discurso feminista e de valorização de identidade presente na história, que era bem mais suave na animação. O resultado é positivo e dialoga bem com questões atuais relevantes.

Tirando a questão do lucro, principal fator para fazer a Disney apostar nesses projetos de live-action, não faz sentido repetir enredos das clássicas animações do estúdio se não houver a intenção de contribuir com elementos que enriqueçam o material que já existe. Nesse sentido, “Mulan” é um acerto por propor novidades e não tentar ser apenas uma cópia do original.

Divulgação/Disney

Se, por um lado, a Disney avança na fórmula de recriar seus clássicos, por outro continua batendo na trave para replicar o carisma dos originais. Mais uma vez, o estúdio não consegue criar um produto que se conecte aos espectadores da mesma forma que as animações. Essa distância fica evidente na construção dos personagens e conflitos, mais artificiais e frios do que nos desenhos.

“Mulan” também apresenta um descompasso entre o tom da história e a estética adotada pela produção. O longa é mais sério do que os outros projetos do gênero, que, de alguma forma, tentam reproduzir o humor das animações originais. Essa escolha, diga-se de passagem, é acertada, mas parece não combinar com exagerados efeitos, cenários e figurinos.

É preciso destacar que esses exageros que destoam do contexto não são constantes. De uma forma geral, a versão live-action de “Mulan” tem uma boa ambientação e bonitas imagens. As coreografias das lutas remetem a fábulas de artes marciais, como os filmes “O Tigre e o Dragão” e “O Clã das Adagas Voadoras”, mesmo não atingindo o nível de qualidade dessas referências.

“Mulan” tem, ainda, personagens mal explorados, que poderiam contribuir mais com a força do filme e com a proposta de trazer novos elementos a uma história conhecida. Um desses exemplos é Xianniang, criada para ser uma espécie de outro lado da moeda da protagonista. Com muito potencial, a feiticeira acaba restrita a um recurso que apenas impulsiona a jornada da heroína.

Repetindo a dificuldade de outras versões live-action em recriar o carisma dos originais, “Mulan” acaba sendo um projeto mediado graças à tentativa de construir uma identidade que a diferencie da animação de 1998. Tinha poucas expectativas sobre essa versão e, confesso, gostei mais do que esperava, o que não disfarça a limitação da Disney em agregar valores a essas novas versões.

MULAN

ONDE: Disney+

COTAÇÃO: ★★ (regular)

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