“No Ritmo do Coração” coleciona clichês em roteiro previsível e carente de emoções genuínas

Erick Rodrigues
Pipoca & Projetor
Published in
3 min readMar 31, 2022
Divulgação/Apple TV+

Não dá para dizer que a vitória de “No Ritmo do Coração”, da diretora Sian Heder, no Oscar 2022, tenha sido uma surpresa. Frequentemente apontado como um filme que tem “a cara da Academia”, o longa fez um movimento progressivo para conquistar o favoritismo dos votantes.

Além da campanha de promoção feita pela Apple TV+, serviço de streaming responsável pela produção, e do cumprimento do calendário protocolar de eventos da Academia, o longa foi conquistando troféus importantes no período que antecedeu a cerimônia, como o SAG de melhor elenco e o prêmio do Sindicato dos Produtores.

Essa escalada gradual deu resultado e conseguiu derrubar o filme que teve o maior número de indicações, “Ataque dos Cães”, da Netflix, apontado, inicialmente, como favorito ao prêmio. No que se refere a qualidade, um abismo separa essas duas obras. Enquanto o filme de Jane Campion é cheio de sutilezas, “No Ritmo do Coração” é descaradamente uma produção que aposta todas as fichas em clichês que servem de atalho para conquistar a empatia do público.

No longa, Ruby (Emilia Jones) é uma jovem de 17 anos que trabalha com a família em uma cooperativa de pesca. Os pais, Frank (Troy Kotsur) e Jackie (Marlee Matlin), e o irmão, Leo (Daniel Durant), são surdos, o que confere à garota a responsabilidade de ser o elo entre aquele núcleo e o mundo, já que ela é a única ouvinte ali.

Entre as funções que a garota desempenha no trabalho, está a de ficar atenta à comunicação via rádio que é feita com o barco da família. Ela, por vezes, também assume a tarefa de negociar o preço dos peixes e impedir que os pais sejam ludibriados. Por esse envolvimento, a jovem deixa de cogitar a faculdade para continuar cumprindo com as obrigações do núcleo familiar, que não tem condições financeiras de contratar alguém para substituí-la.

Depois que entra para o coral da escola, tentando atrair a atenção de Miles (Ferdia Walsh-Peelo), Ruby descobre ter uma bela voz e toma gosto pela rotina de ensaios. Incentivada pelo professor Bernardo (Eugenio Derbez), ela decide tentar estudar música, mas encontra a resistência dos pais, que precisam dela para alavancar os negócios.

Divulgação/Apple TV+

Não dá para negar a importância da proposta de “No Ritmo do Coração”, que coloca um núcleo de atores surdos no centro de uma história que levanta questões importantes, como a inclusão e a força do afeto para a aproximação de realidades diferentes. O longa, no entanto, tem um roteiro todo sustentado por clichês, que tornam a narrativa extremamente previsível.

A adolescente com dificuldades de se enturmar; o interesse amoroso por um garoto popular; os constrangimentos pelas atitudes dos pais amalucados; o incentivo e os conflitos com o mentor; os obstáculos que confrontam sonho e realidade. A fórmula batida que a escritora e roteirista usa para estruturar o filme até tem eficiência para encurtar o caminho que leva ao coração do espectador, mas prevalece uma sensação de artificialidade da emoção.

A direção e os elementos de pós-produção, como a trilha sonora, contribuem para essa percepção de que foi seguida uma cartilha do que é mais fácil e até piegas para capturar o coração do público. Faltam, no entanto, complexidades, nuances e emoções genuínas, aquelas que arrebatam mesmo.

Não há muito o que dizer sobre o elenco, que tem um trabalho muito correto dentro das limitações que os clichês impõem à obra. Os melhores são Troy Kotsur, vencedor do Oscar de ator coadjuvante neste ano, e Marlee Matlin, que vivem os pais da protagonista.

Não é difícil entender os motivos que fizeram “No Ritmo do Coração” levar o Oscar de melhor filme, superando obras cinematográficas bem mais expressivas. A coleção de clichês que sustenta o longa pode ter ajudado a conquistar os votos da Academia, mas, certamente, é mais um caso de produção bonitinha, premiada e da qual poucos vão se lembrar no futuro.

NO RITMO DO CORAÇÃO

ONDE: Amazon Prime Video

COTAÇÃO: ★★ (regular)

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