“Soul” provoca catarse com reflexões adultas e filosóficas

Erick Rodrigues
Pipoca & Projetor
Published in
4 min readDec 29, 2020
Divulgação/Pixar

Acho que podemos concordar que não é de hoje que a Pixar, estúdio de animação da Disney, desenvolve histórias para adultos. “Toy Story”, “Divertida Mente” e “Up — Altas Aventuras”, apenas para citar alguns títulos, são obras que apresentam temas e reflexões que vão além do simples objetivo de entreter crianças e são capazes de mobilizar os pensamentos dos espectadores mais maduros. Nenhum dos filmes já feitos pelo estúdio conseguiu ir tão fundo na proposta de mexer com o público quanto “Soul”, longa que, por conta da pandemia, chegou direto ao Disney+.

Depois de dar forma a conceitos de futuro e da mente humana, a Pixar utiliza a nova animação para explorar um campo mais etéreo. Em “Soul”, acompanhamos um dia da vida de Joel Gardner (voz de Jamie Foxx), músico que dá aula de música para crianças de um escola de Nova York. Atuando na função de forma temporária até aquele momento, o professor recebe uma proposta para ser efetivado, mas teme que o emprego o afaste do sonho de viver da própria arte e ser reconhecido como um grande artista.

No dia em que recebe a proposta de trabalho, Joel também se depara com o que considera ser a grande chance para uma carreira artística de sucesso. O músico é chamado para tocar no quarteto de uma renomada saxofonista, mas a oportunidade fica ameaçada depois que ele sofre um acidente e passa por uma espécie de experiência extracorpórea.

Enquanto o corpo de Joel recebe todos os cuidados em um hospital, a alma do músico é direcionada para uma luz que a levaria para o Além-Vida. Resistente a esse destino, o protagonista desafia questões burocráticas do outro plano para voltar à Terra e usufruir da tão sonhada oportunidade de sucesso. Nesse caminho, ele acaba esbarrando em 22 (voz de Tina Fey), uma alma que despreza a ideia de desenvolver uma vida mundana.

É incrível como “Soul” consegue dar corpo e construir uma história a partir de elementos tão abstratos, como alma e plano espiritual. A equipe de animação, comandada pelo diretor Peter Docter, constrói formas tão harmônicas para retratação de espaços e personagens que o espectador acaba o filme com a plena certeza de que o início e o fim da vida têm aquela aparência.

Divulgação/Pixar

Há tempos a Pixar se apresenta como um estúdio de animação que faz filmes para todas as idades, com enredos equilibrados que podem ser absorvidos, ainda que de maneiras diferentes, por crianças e adultos. “Soul” continua por esse caminho, mas deixa a impressão de que essa é uma obra que acaba fazendo mais sentido ao público maduro, dadas as reflexões filosóficas propostas.

Fazendo o espectador ir do riso ao choro com uma facilidade absurda, “Soul” levanta questões profundas sobre propósitos, o sentido de uma vida e a obsessão humana por tudo que nos afasta do real significado da nossa existência. Nas buscas desenfreadas que promovemos, seja por sucesso, dinheiro ou outros tantos desejos, não paramos para perceber o valor de momentos que consideramos banais e, nisso, deixamos a vida passar.

A animação também mostra como o ser humano acaba reduzindo a própria existência às aptidões profissionais e se frustra constantemente ao percorrer o caminho que traçou. A materialização da ideia de “almas perdidas” foi o que mais me impressionou em “Soul”. A retratação do conceito de uma essência carregada e que embarca em uma jornada de busca por aquilo que é menos importante é muito forte e funciona bem para a comunicação com o espectador.

Confrontado por todas essas questões, que são embaladas pelo ritmo do jazz, o espectador tem a possibilidade de passar por uma catarse, que traz as emoções à superfície e faz uma espécie de lavagem de alma, que expurga todos os sentimentos que nos perturbam e nos desviam do verdadeiro sentido da existência humana.

Eu diria que “Soul” é muito mais do que cinema. A animação também é uma espécie de purificação, mesmo que momentânea, para almas que estão sempre carregadas por ideias e objetivos que nos distanciam do que realmente importa em uma vida. As crianças vão adorar, mas são os adultos que vão encontrar identificação, emoção e força para seguir adiante.

SOUL

ONDE: Disney+

COTAÇÃO: ★★★★★ (excelente)

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