“Spencer” e a princesa forçada a se curvar

Erick Rodrigues
Pipoca & Projetor
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3 min readFeb 2, 2022
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Dirigindo o próprio carro e sem a equipe de segurança, a princesa Diana (Kristen Stewart) faz uma parada em um café para pedir informações. Busca a direção de Sandringham House, residência onde a família real britânica passaria o Natal. Ela continua pela estrada e só encontra o caminho depois de avistar um espantalho em um terreno no qual costumava brincar quando criança.

Essa sequência, uma das primeiras de “Spencer”, filme do diretor Pablo Larraín, adianta o que o espectador vai ver nas quase duas horas seguintes. “Como fui me perder no lugar em que costumava brincar?”, questiona Diana ao ver o espantalho vestido com um casado que era do pai dela. É possível fazer uma analogia entre essa desorientação geográfica e a sensação de desajuste que a princesa sentia vivendo no núcleo familiar dos Windsor.

Antes de casar com o príncipe Charles, herdeiro da Coroa britânica, Diana já pertencia à nobreza e, portanto, estava familiarizada com a etiqueta e os hábitos da realeza. Mas, depois da união, ela percebe que, de alguma forma, não faz parte daquele mundo que, a todo custo, tentava subjugá-la.

A história de “Spencer” acontece durante três dias de estadia na propriedade da família real. Ali, em meio a refeições, retratos e exercícios de tiro, Diana sofre constantes pressões, algumas delas veladas, para se curvar à rotina da Coroa. A princesa é forçada, por exemplo, a seguir tradições inúteis, como ganhar cerca de um quilo ao final daquele período para provar que aproveitou o Natal.

Outra forma de enquadrá-la naquele mundo é o casamento com Charles (Jack Farthing), uma relação nitidamente infeliz para ambos. Mesmo assim, visando evitar escândalos e qualquer prejuízo à imagem da monarquia, arranjos são feitos para preservar a união, mesmo que isso signifique um convívio marcado por mágoas e indiferença.

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A angústia da princesa durante a reunião familiar faz “Spencer” parecer, em muitos momentos, um terror psicológico. Sufocada, Diana sente-se constantemente vigiada, tem pesadelos e se apega a lembranças ou pessoas de confiança para sentir-se minimamente segura naquele ambiente tão hostil.

O roteiro do filme deixa claro que, além das tradições e valores da monarquia britânica, há uma questão de poder. A família real é uma instituição que deixa claro que não existe nada acima dela. Impedir Diana de se vestir como desejava ou costurar as cortinas do quarto da princesa, para não atrair a atenção de fotógrafos, são demonstrações de força para anular a personalidade dela. Quando ela reage a essas ações, um novo ciclo de disputas se inicia.

É preciso reconhecer o ótimo trabalho de Kristen Stewart no longa. Transmitindo todo o desajuste e as angústias da princesa, a atriz mostra maturidade e sinaliza estar pronta para fazer escolhas mais interessantes na carreira. O desempenho merece ser indicado aos prêmios da temporada e qualquer lista que ignorar o nome dela estará cometendo uma injustiça.

Com uma narrativa que cria sensações de tensão, isolamento e até de claustrofobia, “Spencer” é, antes de tudo, um filme sobre demonstrações de poder. Valendo-se de tradições e austeridade, uma instituição que quer continuar parecendo inabalável não poupa esforços para fazer uma princesa se curvar. O que muitos enxergavam como um conto de fadas, na verdade, era uma história de terror.

SPENCER

ONDE: nos cinemas

COTAÇÃO: ★★★★ (ótimo)

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