“Três Anúncios Para um Crime” reflete tempos extremos e se agiganta com Frances McDormand

Erick Rodrigues
Pipoca & Projetor
Published in
3 min readJan 10, 2018

Na vida real e virtual, vivemos tempos extremos, tempos em que as pessoas encontram formas para “vomitar” seus ódios, raivas e preconceitos. Tempos em que parece fundamental polarizar todas as discussões. Só há o bem e o mal, aquele que está certo e o que está errado. Diante desse cenário, ainda não tinha surgido um filme que falasse de forma tão eficaz sobre esse momento de tensão e extremismos. Essa lacuna foi preenchida com “Três Anúncios Para um Crime”, indicado do Globo de Ouro e já citado entre as prováveis produções que estarão no Oscar.

É bem verdade que o longa, escrito e dirigido por Martin McDonagh, não fala necessariamente sobre esse tema, mas é impressionante como a produção dialoga com o mundo que está fora da tela. Na obra, a raiva é o combustível que move Mildred Hayes (Frances McDormand) uma mulher que vive a tristeza de conviver com a ausência da filha adolescente, morta e estuprada em uma estrada de pouco movimento em uma pequena cidade no Missouri.

Revoltada com a falta de informações e empenho na investigação sobre o crime, Mildred decide alugar, por um ano, três outdoors localizados na estrada em que o crime foi cometido e usar as estruturas para cobrar as autoridades locais por uma resolução sobre o caso. A atitude radical provoca reações contrárias na cidade, especialmente de pessoas que tomam partido do delegado Bill Willoughby (Woody Harrelson), muito querido pelos moradores.

Movida pelo sentimento de impunidade, Mildred não se arrepende da iniciativa e nem mesmo se sensibiliza quando descobre que Willoughby está com câncer. A principal reação contrária aos outdoors vem do policial Dixon (Sam Rockwell), um homem de condutas condenáveis que se dedica a ações para tentar fazer com que a protagonista desista dos anúncios.

Com um roteiro formado por diálogos profundos, “Três Anúncios Para um Crime” concentra, em um microcosmos, temas muito atuais, como as demonstrações públicas de raiva e o extremismo das sociedades. Através da colocação dos anúncios nos outdoors, o filme mostra como pontos e opiniões extremas podem surgir em um instante, tirando um grupo de pessoas de uma aparente pacificidade para levar esses indivíduos a reações de tensão e violência.

A história também se dedica a mostrar como reações intempestivas e passionais, orientadas pela raiva, podem desencadear um incontrolável efeito dominó, que pode afetar, inclusive, pessoas que não estão diretamente envolvidas nas discussões. Diante de um tema tão forte, o filme consegue transitar, ainda, por situações absurdas e de humor negro, sempre com inteligência. O longa também foge dos conceitos óbvios do maniqueísmo, criando personagens complexos que transitam por uma “zona cinzenta”.

O discurso de “Três Anúncios Para um Crime”, com toda certeza, só encontra essa força porque, na maior parte do tempo, depende da atuação de Francis McDormand. Contida e, ao mesmo tempo, intensa, a atriz transmite toda a raiva e frustração da personagem com poucos gestos. A dor da mãe que perdeu a filha fica quase palpável na tela, seja pelos olhares ou discursos inflamados de Mildred. Se alguém tinha dúvidas sobre o talento de Francis, se dá conta, logo nos primeiros momentos do filme, de que está diante de uma atriz grandiosa, que agiganta a produção.

Através das atitudes de Mildred e das transformações provocadas naquela sociedade a partir dessas ações, “Três Anúncios Para um Crime” parece ter um visão completa e profunda sobre o mundo de hoje e quer propor um diálogo com as pessoas sobre a raiva e os extremismos que nos rodeiam, mesmo que, diretamente, não esteja falando sobre isso. Evito classificar filmes como “excelentes”, mas confesso que não encontrei pontos negativos para dizer que ele é menos do que isso.

TRÊS ANÚNCIOS PARA UM CRIME

DATA DE LANÇAMENTO: 15 de fevereiro de 2018

COTAÇÃO: ★★★★★ (excelente)

--

--