“Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo” é um dos filmes mais malucos e geniais já lançados

Erick Rodrigues
Pipoca & Projetor
Published in
3 min readJun 28, 2022
Divulgação/A24

Uma indústria como Hollywood investe a maior parte do tempo e dos recursos no que imagina ser mais seguro e rentável. Por isso, se multiplicam os projetos que repetem fórmulas, resgatam sucessos e preenchem as telas com pirotecnias e sons potentes. Esses investimentos mantêm, é bem verdade, a engrenagem em funcionamento, porém, muitas vezes, esse foco acaba desestimulando a criação.

“Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo”, filme escrito e dirigido por Daniel Scheinert e Daniel Kwan, evidencia o valor do talento e da inventividade em meio a essa produção pasteurizada. O longa começa mostrando a rotina sobrecarregada de Evelyn (Michelle Yeoh), uma imigrante chinesa às voltas com a lavanderia da família, uma auditoria nos impostos, os cuidados com o pai e as demandas constantes do marido e da filha.

Durante uma reunião com Deidre (Jamie Lee Curtis), auditora da Receita Federal, Evelyn descobre a existência de múltiplas realidades e que todas elas estão ameaçadas por Jobu Tupaki, uma criatura poderosa que viaja entre universos. Resistente no início, a protagonista passa a acessar conhecimentos e técnicas que podem ajudá-la a cumprir a missão de impedir que esse mal destrua o multiverso.

Ainda que a ficção seja um campo que permita tudo, é preciso coragem para apostar todas fichas e mergulhar fundo em uma proposta ousada como a de “Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo”. Scheinert e Kwan, em momento algum hesitam ou colocam em cheque as muitas ideias malucas que usam para construir a história, despudor que é fundamental para que o público embarque e aproveite totalmente a experiência.

A narrativa frenética e cheia de revelações, tanto para Evelyn quanto para o público, resolve muito bem a forma como o multiverso é apresentado e, ao mesmo tempo, abraça o absurdo, tornando-o crível. Para saltar entre realidades, por exemplo, os personagens precisam executar ações como mascar chiclete, dizer “eu te amo” ou cortar os dedos com papel. Para os diretores, quanto mais inusitado, melhor.

Divulgação/A24

Além de toda a ousadia, que também se reflete na estética e na maneira como os diretores filmam, “Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo” também encontra espaço para ser profundo e reflexivo. A trajetória de vida de um ser humano é feita de escolhas, porém, muitas vezes, é comum imaginarmos o que teria acontecido se tivéssemos seguido caminhos diferentes.

Evelyn tinha muitos sonhos quando jovem e acabou insatisfeita com os rumos que tomou. Além de imaginar como tudo poderia ter sido, ela também passa a ignorar aquilo que conquistou. O longa ainda nos faz pensar sobre como estamos perdidos nessa vida e somos ignorantes, mesmo tentando fazer parecer o contrário.

Na mesma velocidade da narrativa, quem assiste ao filme tem a possibilidade de viver muitas sensações misturadas. O divertimento proporcionado pelas cenas absurdas e de ação se embaralha com a emoção dos momentos dramáticos e o espectador que lide com toda essa agradável confusão. Algumas sequências são especiais, como o silencioso diálogo (é isso mesmo) entre duas pedras e a conversa franca de versões de Evelyn e do marido em um beco, que lembra muito “Amor à Flor da Pele”, de Wong Kar-Wai.

Interpretando a protagonista, Michelle Yeoh ganha a oportunidade de utilizar toda a bagagem que adquiriu na carreira para viver inúmeras versões de uma mesma personagem. A atriz transita entre o drama e a comédia com muita delicadeza e consistência. Vale destacar, também, os trabalhos de Stephanie Hsu, Ke Huy Quan, James Hong e Jamie Lee Curtis.

Em cartaz nos cinemas, “Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo” é um dos filmes mais malucos e geniais que o cinema já produziu. É preciso louvar a inventividade e a ousadia de propostas como essa, que também buscam consistência e não se perdem nas próprias loucuras. As repetições e fórmulas podem trazer dinheiro para a indústria, mas é a criatividade que traz viço e renova o interesse em ver boas histórias nas telas.

TUDO EM TODO LUGAR AO MESMO TEMPO

ONDE: nos cinemas

COTAÇÃO: ★★★★★ (excelente)

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