“Val”: as dores e delícias de uma vida

Erick Rodrigues
Pipoca & Projetor
Published in
3 min readSep 23, 2021
Divulgação/Amazon Prime Video

Na música “Dom de Iludir”, Caetano Veloso diz que “cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é”. Ainda que não deva, o ser humano costuma julgar o próximo e, muitas vezes, os alvos desses julgamentos são os artistas, os famosos. Idealizamos, projetamos nossos desejos, julgamos a partir dos nossos preconceitos e frustrações. No entanto, apenas eles podem saber dos próprios pensamentos, anseios e experiências. Em “Val”, documentário disponível no Amazon Prime Video, o ator Val Kilmer resolve compartilhar com o público esse olhar privilegiado, o único capaz de dimensionar realmente as glórias e os percalços da vida dele.

Não demorou para Val Kilmer se transformar em uma estrela em Hollywood. Depois do primeiro papel em “Top Secret!: Superconfidencial”, filme de 1984, estourou em “Top Gun — Ases Indomáveis”, ao lado de Tom Cruise. Esse êxito levou o ator a outros trabalhos marcantes na indústria do cinema, como em “The Doors”, em que viveu o cantor Jim Morrison. Kilmer também foi o rosto por trás da máscara do Homem-Morcego em “Batman Eternamente”, de 1995, ainda que essa não seja uma boa recordação para ele.

O documentário, no entanto, não é um mero passeio pelos sucessos no currículo do ator. Em “Val”, o espectador tem a oportunidade de entrar em contato com um lado mais conflituoso da carreira de Kilmer. Inquieto e buscando sempre uma valorização do ofício, ele aparece em cenas de bastidores e em reflexões atuais questionando a profundidade de obras, o desempenho de diretores e o próprio desejo de investir em projetos que agregassem algo a ele e ao público. A diminuição dos convites para atuar em Hollywood, nos anos 2000, e o investimento no teatro também aparecem no filme.

Bons registros dos bastidores dos trabalhos de Kilmer foram feitos por ele mesmo. Sempre carregando uma câmera, hábito que adquiriu com o irmão, o ator filmou momentos de descontração, desabafos e cenas que dificilmente entrariam em making offs dos estúdios. Essa característica também marcou a vida pessoal do artista, que procurou eternizar boa parte da convivência com a família em imagens. Todo esse material dá ao documentário uma força, uma riqueza, que faz toda a diferença no resultado final.

Divulgação/Amazon Prime Video

São as opiniões e os sentimentos de Kilmer que guiam o espectador no documentário, mas a voz que narra os acontecimentos não é a do ator. Sofrendo com os efeitos do tratamento de um câncer na garganta, o artista deixa a narração a cargo do filho Jack, que empresta um tom de afetividade para contar a trajetória do pai. Kilmer faz esforços pontuais para falar, mas nem precisaria, porque as palavras lidas por Jack parecem honestas, inteiras e pouco preocupadas com vaidade.

A doença do ator e a forma como ela impactou diretamente na vida dele, afinal, a voz é um instrumento de trabalho para os atores, rendem momentos muito delicados ao documentário. Também têm muita força as reflexões que Kilmer faz sobre Hollywood, um mundo de aparências e ilusões, e a realidade.

“Val” leva ao espectador as belezas de uma carreira de sucesso, do amor da família e das lembranças afetivas de Val Kilmer, e, na mesma proporção, destaca a melancolia das perdas, as frustrações com a trajetória profissional e os impactos de uma doença. São muitos os que podem julgar uma vida, mas há apenas uma visão que pode dimensionar verdadeiramente as dores e delícias de uma existência. Quando ela é compartilhada com outras pessoas de forma tão honesta e desprendida de ego, como nesse documentário, o resultado é emocionante e toca fundo.

VAL

ONDE: Amazon Prime Video

COTAÇÃO: ★★★★ (ótimo)

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