“Veneza” e os sonhos que superam distâncias

Erick Rodrigues
Pipoca & Projetor
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3 min readNov 3, 2021
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Não é preciso subir em um avião e enfrentar horas de voo para conhecer algum canto do mundo. O poder do sonho e da imaginação é capaz de transpor qualquer barreira ou distância para fazer com que alguém realize o desejo de estar em outro lugar. Em “Veneza”, filme dirigido por Miguel Falabella, uma fantasia compartilhada e a força de uma crença levam uma personagem a conquistar a paz que ela tanto necessitava.

Na história, que é baseada na peça argentina de Jorge Accame, Gringa (Carmen Maura) é dona de um bordel, mas já não consegue administrar a casa por conta da saúde frágil. Cega, a personagem escapa com frequência da vigilância de todos dizendo que precisa ir a Veneza, na Itália. O desejo é encontrar Giacomo (Magno Bandarz), um amor do passado que não terminou nada bem.

Preocupada com a saúde da dona do bordel, Rita (Dira Paes), uma das prostitutas da casa, promete levar Gringa a Veneza para realizar o sonho de rever Giacomo e acertas as contas com o passado. Só há um problema: ninguém tem dinheiro. A solução vem de Tonho (Eduardo Moscovis), que foi criado ali após a morte da mãe. Depois de assistir a um espetáculo de circo, ele acredita que é possível trazer Veneza até Gringa utilizando apenas o talento da trupe circense e o poder do crença.

A força que conduz a trama de “Veneza” é o sonho. Vendo o desejo quase incontrolável de Gringa, os moradores do bordel também passam a sonhar com aquela viagem e é a força dessa fantasia compartilhada que supera a distância e acalma o coração da protagonista. Sem conseguir ver, Gringa usa a imaginação para construir a chegada ao aeroporto, a espera no avião, o passeio de gôndola e, por fim, o esperado reencontro com Giacomo. Será que ela foi inocente ou escolheu acreditar na ilusão fabricada? Na verdade, não importa, porque o sonho foi possível de qualquer maneira.

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Em “Veneza”, os sonhos funcionam como um alívio a uma realidade dura, aos arrependimentos, às frustrações, à inércia. Mesmo assim, há momentos em que a vida real se impõe e isso aparece na história de Madalena (Carol Castro), a prostituta que quer recomeçar em São Paulo. Ela planeja uma fuga com Julio (Caio Manhente), que também sonha com uma vida melhor longe da repressão do pai, mas a violência e o preconceito não permitem a concretização desse desejo.

No roteiro, Falabella reforça algumas das características mais marcantes da trajetória dele como criador de histórias, a começar pela predileção por tipos bem marcados e personagens que, de alguma forma, são excluídos, colocados à margem da sociedade. O olhar lúdico do roteirista e diretor aparece tanto na forma de construir a trama como no jeito de filmar. Outra qualidade é a sagacidade dos diálogos, que evidenciam a verve cômica e ácida do artista.

A adaptação do texto para o cinema escolhe não eliminar a estrutura teatral sobre a qual a história é construída. Se, por um lado, isso contribui para o aspecto lúdico do longa, por outro, resulta em pouco movimento, o que pode incomodar espectadores que não simpatizam com essa dinâmica. Em relação ao elenco, merecem destaque os trabalhos de Dira Paes, Eduardo Moscovis, Caio Manhente e Carmen Maura, intensa na pele de Gringa.

“Veneza” inspira a nunca subestimar o poder de um sonho. É a força em uma crença ou desejo que leva longe, supera distâncias aparentemente intransponíveis. Nem sempre, é verdade, a fantasia faz esquecer a realidade, mas ajuda muito a enfrentá-la, impulsionando a seguir em frente. Sonhar com uma vida melhor, com liberdade ou com as águas que cortam uma cidade flutuante nunca vai ser uma causa perdida.

VENEZA

ONDE: Star +

COTAÇÃO: ★★★ (bom)

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