Marielle, presente!

Tatyana Elia
piracema
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2 min readMar 18, 2018

A tempestade que se formou no Rio de Janeiro não carregava água pra lavar a alma, as gotas que caiam eram pesadas como a própria dor que crescia no grito sufocado de todos nós, com o assassinato covarde de Marielle.

A manhã seguinte não hesitou em raiar o sol, o calor típico do Rio de Janeiro não cedeu espaço, esquentou forte, febre dos fios de cabelo aos pés de cada carioca. Sabe o que acontece com o milho quando a panela esquenta? Ele pula! e foi isso que o calor provocou na quinta feira que se seguiu. Pipocas pularam para mostrar que a panela não pode conter todo esse milho quente!

O centro do Rio estava tomado, de mulheres principalmente, se espalhavam pela rua vestindo preto. O olhar carregado de uma dor que a gente não consegue dar um lugar e que fica ali transbordando, o tipo de sentimento que poderia até nos paralisar, se não fosse o calor. As vozes em coro não ecoavam o que era esperado, era outro tom, uma frequência feminina que gritava. De longe dava pra ouvir gritos, como onda invadindo a areia, nosso corpo reagia antes mesmo de termos consciência das palavras, os arrepios no pelo chegavam antes do próprio som.
Não era só a beleza da multidão, um sentimento acolhedor em meio a tanto dor também se fazia presente, um tipo de participação envolvia cada aspecto daquela caminhada. Não era eu ou ela, éramos nós!

Em meio a comoção, um rapaz que vendia bebidas deixou virar 2 isopores cheios de gelo e garrafas cheias enquanto o ato se movia, foi o tempo de dar por mim e já estávamos em 8 ali abaixados, catando e conversando, em menos de 20 segundos aquele carrinho estava pronto pra continuar o curso junto a manifestação e os sorrisos não se desmanchavam dos rostos, era contagiante, todos faziam parte de uma rede maior que a dor.

Uma força outra se fez ali, uma dinâmica viva de fazer rede se fazia no mais simples sorriso entre esbarrões significava que aquela brutalidade pela qual fomos levados as ruas e executou o corpo de Marielle não pôde assassinar o que ela acreditava.

O Rio é quente e nós somos filhos desse calor, o calor que movimenta, aquece e esquenta não vai congelar frente ao medo.

Nenhum minuto de luto, mas uma vida inteira de luta.

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Tatyana Elia
piracema

@psi.tatyanaelia, psicóloga social apaixonada por histórias e o poder da narrativa em criar conexões. Roteirista e apresentadora do podcast @psiquecritica