A vida e seu eterno mal estar

Sandro Aragão
Pirata Cultural
Published in
4 min readMar 25, 2019

2018: ano de Oxóssi e Oxum. Ano da justiça, em que toda verdade virá a tona sem deixar pedra sobre pedra.

Se de fato essa crença for verídica, o que a vida me destinou como verdade foi uma grande sensação de mal estar durante o ano de 2018. E o mais irônico é que quase tudo que planejei para conseguir no ano passado se realizou: terminei a graduação, passei no mestrado, não tive grandes problemas financeiros. Infelizmente, só não consegui um emprego e ir morar só. Mas então, porque os meus sentimentos não acompanharam o bem estar das minhas realizações?

Fotografia de José Ailson Nascimento — Instagram: instagram.com/um_ze

Essa é uma pergunta que venho me fazendo desde o início do ano que passou, e que se potencializou com o início das aulas do mestrado. Inicialmente comecei a achar que pudesse ser questões referente a academia: a maior parte das pessoas que fazem pós-graduação ficam com a saúde mental abalada. Porém, parece que esse sentimento vem de outro lugar.

Mas, é claro, não quero que esse texto seja apenas um desabafo. Minha intenção é que ele ecoe em pessoas que possam carregar o mesmo sentimento que eu.

Bem, uns meses atrás, enquanto descia a timeline do Facebook, li uma postagem de um amigo:

“2018 foi/tá sendo um ano em que eu perdi o controle dos meus estudos, da minha vida. Fiz mudanças inesperadas na cabeça, na moradia, fui impelido a tomar decisões importantíssimas, e até dolorosas, em curtos espaços de tempo. Foi o ano em que eu mais chorei em cima de textos teóricos porque não tava/tô conseguindo entender. Enfrentei professor racista, colega de classe homofóbico, diretor racista, pai (…). […] Bom, é foda porque o sistema de ensino, amigos, professores, colegas de classe e grupos de estudo não estão nem aí pra tudo isso. Deixa eu escrever esse artigo aqui, só queria desabafar inutilmente mesmo.”

Ter lido essa postagem de M.R. me fez pensar em como esse meu sentimento não é algo individual, apesar de parecer. E talvez pareça porque nesse período da minha vida esse mal estar esteja ecoando de forma mais potente, ao contrário de anos passados. E, claro, de uma forma que eu não esteja sabendo lidar. Isso, inclusive, me lembra uma fala que sempre tive: não me sinto uma pessoa feliz. Sempre tive a sensação de ser muito mais simpático ao sentimento de tristeza. E isso nunca me fez mal. Na realidade, me movia. O fato de ser feliz para mim não era sinônimo de estar bem ou mal, mas simplesmente de carregar um sentimento no peito que não é o que a maior parte das pessoas, aparentemente, querem carregar. E tá tudo bem com isso. Porém, agora, o sentimento não é o de tristeza, é o de não estar bem com a minha vida, mesmo que nos parâmetros “comuns” ela esteja seguindo bem.

Há uns anos atrás eu li um artigo do Michael Hobbes — que você pode conferir clicando aqui — que falava sobre a “epidemia” da solidão gay. Em seu texto ele comenta como nós, gays, apesar de sairmos do armário, continuamos carregando-o pela vida inteira. Ou seja, convivemos sempre com uma tensão social que os héteros não experienciam. Pensando no que M.R. postou, refleti sobre como esse fator pode influenciar nesse sentimento de uma realização incompleta, ou na persistência de um mal estar diante da vida, mesmo com todas as conquistas, principalmente se pensarmos que o ano passado foi um momento em que nosso futuro como minoria estava em jogo na corrida presidencial — e, de forma parcial, perdemos. Todo esse quadro nos faz ter mais incertezas, e não há realização que dê base sólida para que nos sintamos seguros o suficiente a ponto de que a angústia sobre o nosso futuro nos dê alguma trégua.

Outra questão que passou por mim foi o quanto esse mal estar pode está ligado a uma questão de classe. Como eu havia dito, tinha terminado a faculdade e passado no mestrado. Ou seja, conquistei coisas que qualquer pessoa de classe média estaria bem e confortável consigo mesma. Porém, ao meu ver, havia um agravante: eu não tinha conseguido um emprego.

Mas por que me veio isso à cabeça? Então, no início desse ano eu fui contratado por uma escola, e, coincidentemente, a angústia abrandou. Eu não sei o quão claro é para as outras pessoas e/ou até mesmo para nós que pertencemos a uma classe social mais baixa, mas o emprego, antes de qualquer outra realização, é uma das conquistas mais importante, pois é ele que nos permitirá se manter e sobreviver, e é também ele que nos dará condição de dar continuidade, de forma mais digna, aos estudos — inclusive, foi assim a minha graduação inteira: enfrentei, durante mais da metade da universidade, uma dupla jornada.

Mas, então, o que é preciso para evitar esse mal estar? Essa, infelizmente, é uma resposta que eu ainda não tenho. 2018 passou, essa sensação melhorou, e eu continuo seguindo sem saber quanto tempo continuarei me sentindo mais calmo. Porém, uma coisa é certa, é bom se cercar de pessoas que estejam dispostas a te ouvir nesses momentos, que sejam empáticas a essas questões. Isso ajuda a nos sentirmos mais confortáveis. Outro movimento importante é estar sempre atento e crítico a si mesmo, às nossas sensações; e entender que esse sentimento irá, provavelmente, permear toda nossa existência. Isso não fará o sentimento negativo desaparecer, mas nos permitirá lidar melhor com ele. E, por hora, é isso que importa.

2019: ano regido por Ogum e Nanã Buruquê. O primeiro irá cobrar as injustiças e o segundo trará reflexões. Será um ano de cobrança, mas dessa vez teremos também a calmaria.

Que assim seja.

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Sandro Aragão
Pirata Cultural

Professor de Língua Portuguesa, doutorando em Teoria Literária, fotógrafo e mais algumas coisas que não dá para dizer em 160 caracteres.