Caio Prado reivindica seu espaço na música popular com “Incendeia”

Em entrevista, cantor fala sobre o novo disco, a indústria musical e Elza Soares.

Antonia Moreira
Pirata Cultural
4 min readDec 1, 2017

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foto: Rafo Coelho | DaChuva

A arte no Brasil resiste em meio ao caos em que nos encontramos, e é em nomes como Caio Prado, 26, que vemos esperança para seguir em frente. Carioca, cantor e compositor, Caio estudou música na Escola de Música Villa Lobos e compõe desde pequeno. Descobriu o sucesso com a canção “Não recomendado”, hino de resistência no Brasil contemporâneo.

A composição chamou a atenção de nomes grandes como Elza Soares e Ney Matogrosso, e Elza está, inclusive, interpretando a música em seus shows, após ter sido impactada ao ouvi-la “foi a notícia do meu ano ter Elza Soares cantando Não Recomendado”, diz animado, em entrevista por telefone na última semana.

O trio

A canção também foi inspiração para o nome do trio Não recomendados, que Caio participa com Diego Moraes e Daniel Chaudon, que já falamos por aqui. O projeto busca quebrar padrões de gênero e questionar a sociedade brasileira por meio de performances ousadas e letras enfáticas quando o assunto é diversidade.

O trio lançou, recentemente, o clipe de “Não Recomendado”, com uma roupagem nova e contestações sociais e inspirações artísticas, como na obra “Parangolés” de Hélio Oiticica, muito ligada à emancipação do espectador em relação a aura mítica da obra de arte. O trio busca dar liberdade a quem os ouve.

“O Não Recomendado tem um valor didático, popular muito grande, e também é uma oportunidade para mostrar nossas facetas populares. Por que a gente vem do popular, mas como fazemos músicas, somos compositores e buscamos sonoridades novas, às vezes acabamos taxados num lugar indie, mais underground, mas o trio juntos tem um valor didático, que alcança do mais jovem até o mais velho, muito importante para o que estamos vivendo hoje”.

Novo álbum e indústria musical

Performático, poeta e firme em seus ideais, Caio irá lançar em janeiro do próximo ano o sucessor de “Variável Eloquente” (2014), o disco “Incendeia”.

O primeiro single “É Proibido Estacionar na Merda”, revelado no início de novembro, é um trap baiano gostoso que mistura sintetizadores e berimbaus, remetendo às raízes africanas, sem alienar-se ao que está tocando nas rádios e nos celulares dos jovens de hoje “O disco tem a sonoridade de 2017 no sentido de estar em um lugar de trap, de rap, mais eletrônico, que eu também sou apaixonado”.

“Me orgulho bastante, tem um conteúdo bastante poético, assim como o primeiro disco, mas a base instrumental tem mais o groove, tentamos voltar às matizes griot, matizes africanas pra esse disco, levando em consideração tudo o que você tem de ritmo” afirma sobre o disco, que conta com produção de Alê Siqueira (Elza Soares, Tribalistas).

“Incendeia” é, mais uma vez, uma produção independente de grandes gravadoras, que remete ao que vem acontecendo na indústria: grandes nomes descobertos por nichos antes sem voz, mas sedentos por luz ao sol, como a meteórica ascensão de Pabllo Vittar.

“As gravadoras não tem atendido nossas necessidades, até porque as gravadoras do ponto de vista da MPB estão falidas. As grandes gravadoras tem dinheiro para a indústria do que está sendo vendido, o sertanejo, o pop mais pop”. Caio faz parte da onda que usa a internet e os meios de streaming pra chegar até as pessoas, sem intermediários autoritários “O que estamos fazendo é mais à margem, na curva da música, um trabalho completamente autoral, um trabalho pensando em novas óticas e novas possiblidades”.

Essa liberdade permite que o projeto se posicione politicamente, como vimos no primeiro single, além de inspirar livremente em artistas negros do passado e também contemporâneos, construindo uma identidade negra forte. Gilberto Gil, Milton Nascimento e Tim Mais são as grandes referências nacionais, e em termos de artistas estrangeiros Caio afirma ter ouvido muito Lauryn Hill, Curty Mayfield e Beyoncé “É um misto do que estamos ouvindo agora, buscando esse soul music, a música negra, voltar à essas matizes, pois o primeiro disco é um recorte, uma compilação, um disco de câmara, com cordas que acaba soando como uma ligação da música de câmara com a música popular brasileira.

Um gostinho do que está por vir.

Sobre projetos futuros, Caio está extremamente animado e diz que o Não Recomendados não vai diminuir o ritmo, mesmo com álbuns solos dos integrantes do grupo vindo aí “o Não recomendados é um trabalho atemporal, sempre levando em consideração o individualidade de cada um, é por isso que dá certo. A gente faz esse misto de agendas, essa logística toda, pra que os projetos de cada um caminhem bem juntos”.

Ele é também prudente sobre a composição que está fazendo para o novo álbum de Elza Soares, pedida pela cantora após conhecer “Não Recomendado”, pois a canção ainda será avaliada pela veterana “O juliano, diretor artístico da Elza, me ligou e disse que ela estava muito impactada com não recomendado, e que ela vai gravar um disco novo e que queria muito gravar não recomendado mas não pôde porque será um disco de inéditas”. Podemos esperar dele mais resistência e muito tapa na cara do conservadorismo no ano que vem, e já alguma coisa em dezembro, quando promete lançar o segundo single de “Incendeia”.

Encerro a entrevista declarando a esperança de vê-lo se apresentando em Campinas, que Caio emenda nostálgico me contando sobre o Não Recomendados ter começado suas performances aqui, informação que eu não havia levantando. Quem sabe num SESC ou casa por aí em 2018, os campineiros estão preparados pra você, só venha com sua força pra nos inspirar.

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Antonia Moreira
Pirata Cultural

Bixa travesty em demolição. Redatora e produtora cultural.