Carregar a Própria Mudança

Ander Simões
Pirata Cultural
Published in
4 min readMar 31, 2020
Photo by Rithikha Rajamohan on Unsplash

É necessário compreender que a nossa história de vida molda o que somos. Não se pode fugir de si mesmo. Fugir de si mesmo é uma violência.

É preciso olhar para nossa história com carinho. Reconhecer nossas dores e as embalar no colo. Ter consciência de que a nossa trajetória de vida nos conduziu ao ponto onde nos encontramos agora. Isso não é apregoar o caráter fatídico de “se assim sou, assim serei!”. Não, não é isso. Devemos buscar constantemente a transformação daqueles aspectos que carecem de uma evolução. Os defeitos, a forma de se posicionar ante a vida, os pensamentos, as atitudes e ações, precisam ser medidas racionalmente para se poder chegar à conclusão do que e o quê é necessário transformar. Mas a transformação não pode ocorrer de forma que viole o que se é, que viole aquilo que foi construído ao longo de uma trajetória de vida, mediante nossas experiências, aprendizados, erros, traumas, dores…

Algumas das respostas para nossa forma de se posicionar no mundo e responder às situações da vida, podem ser encontradas ainda na infância, através de um processo consciente de retomada das feridas não cicatrizadas; não para as fazer doer ainda mais (embora seja inevitável dar-se de encontro com essas dores), mas para problematizar tais questões, compreender suas origens e o quanto elas correspondem à nossa forma de ver e se posicionar no mundo. O problema, é que na maior parte das vezes é muito difícil acessar questões tão longínquas para se tomar uma reflexão consciente e direcionada que nos auxilie na reformulação daquilo que somos. Caso seja possível o acesso consciente destas questões, através de processos e mecanismos externos que objetivem o voltar-se para dentro, ótimo! Caso não exista essa possibilidade de forma plena e consciente, devemos ao menos tentar nos “olhar de fora”, muitas vezes com o auxílio de um olhar alheio para transformar aquilo que já não serve mais. Às vezes precisamos de um “olhar de fora” para que possamos enxergar a nós mesmos.

Existem diversos caminhos que nos apontam para o descobrimento das origens do que encontra-se arraigado e manifesto no íntimo do Ser e projetado no mundo através de nossas palavras, pensamentos e atitudes; cabe a cada um e cada uma descobrir e escolher qual melhor caminho que lhe sirva então.

A causa do sofrimento, na maior parte das vezes, deve-se ao fato de olharmos para o passado atribuindo um peso a mais àquilo que se tem para carregar. Assim fica difícil de suportar! Devemos tomar consciência de todos os nós que nos afligem e que teimam em não desatar, mas não se apegar ao sofrimento pelo que passou. O resultado da busca incessante pelo novo, conduzirá ao percorrer de um outro caminho, porém, desde que se permita desvencilhar-se de todas as amarras que aprisionam ao passado.

Para se deixar conduzir pela trilha ainda não percorrida, é necessário a libertação de todas as prisões, do corpo e da mente, sem medo de dar as mãos ao Invisível e se deixar levar pela nova estrada. Assim como as palavras só se fazem manifestar quando postas para fora de si, o mesmo acontece com a mudança daquilo que se almeja. Para atribuir novo significado a nossa existência, para se pôr em um novo caminho a seguir, é necessário que o corpo se ponha por inteiro nessa nova estrada. Mas não apenas isso. É necessário que os primeiros movimentos do corpo sejam de deslocamento, não de inércia, através da ação de prostrar-se ao chão.

O peso da história vivida e da trajetória até então, acompanhará todos os nossos passos, e disso não há como fugir. Portanto, é necessário que se aprenda a carregar o peso, pois ele é inerente ao seu portador e portadora. O que não se pode é apegar-se a ele a tal ponto, que o mesmo torne-se demasiadamente pesado, fazendo-nos sucumbir ao chão. Não atribuamos demasiado peso às circunstâncias que apertam o peito! Não façamos tempestade do que pode ser apenas garoa fina!

O entendimento da própria história e das circunstâncias que propiciaram a moldura de um jeito característico de ser, não traz como benefício apenas a transformação para um melhor convívio para consigo; traz também a possibilidade de ser um canal potencializador da mudança que se almeja na sociedade, no mundo. A transformação, digo, evolução, reverbera no jeito de olhar o mundo, as pessoas, os acontecimentos… A evolução refletida no olhar ilumina uma nova consciência. A evolução do Ser e manifesta no estar, ilumina as relações e os atos de se dar… para se dar, doar.

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Ander Simões
Pirata Cultural

Diretor, produtor, ator, cineasta e roteirista. | Twitter e Instagram: @andersimoes_ | Site: andersimoes.com