Considerações sobre o movimento LGBT

Notas para iniciar uma discussão

Nathan Gonçalves
Pirata Cultural
3 min readAug 30, 2018

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Parada do Orgulho LGBT de São Paulo (fonte)

Existem alguns elementos que considero importantes para iniciar uma discussão acerca do que chamamos de movimento LGBT no nosso país. Cada um desses tópicos são bem amplos — podendo facilmente, cada um, virar um texto próprio. Mas, neste espaço, meu propósito é introduzir algumas notas que podem auxiliar quem queira participar ou entender esse debate.

1- Do movimento

O movimento LGBT no Brasil não é um movimento unificado nem possui lideranças a nível nacional, apesar da história e importância de movimentos como o Grupo Gay da Bahia (GGB) e a Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT). Para sermos mais exatos deveríamos falar de movimentos LGBT, visto que são vários espalhados pelo país, geralmente com atuação local, focalizada ou regional e com orientações diversas. São esses movimentos — em sua maioria pequenos e com imensas dificuldades financeiras— que fazem a complicada tarefa de pôr em discussão os direitos das pessoas LGBT.

2- Do espectro político

Como foi dito, esses movimentos LGBT seguem orientações diversas, embora seja fato de que as organizações, partidos e coletivos de esquerda se mostrem como referência na luta pelo reconhecimento dos direitos dessa população, nacional e internacionalmente. Entretanto, os direitos das pessoas LGBT são direitos humanos, pauta que não deve ser monopolizada por nenhum espectro político já que dizem respeito à liberdade e à democracia. (Mas é verdade que uma sociedade em que os direitos humanos sejam uma pauta de todos os espectros políticos, tais como o crescimento econômico e o combate a corrupção, parece bem distante).

3- Da (falta de) representação da sigla

Além disso, os movimentos LGBT nem sempre se aproximam de outros movimentos sociais, feministas e antirracistas. Historicamente, movimentos LGBT não têm dado conta de representar a sigla (sigla esta que está em disputa), muitas vezes sendo apenas um movimento de homens cis gays. Lésbicas e pessoas trans nem sempre possuem a devida representação e protagonismo, o que acarreta na criação de movimentos identitários próprios (o que, para alguns desses homens cis gays, “divide” o movimento, onde cabe o questionamento: como é possível dividir um movimento que não é unificado?), e as pessoas bissexuais são invisibilizadas dentro dos movimentos.

4- Da relação com o Estado

Os movimentos LGBT, em sua maioria, não tem ligações com o poder estatal nem fazem uso de dinheiro público. Esses movimentos nascem exatamente porque o Estado não cria iniciativas eficazes de trabalhar com essa temática, fazendo com que, em todo o país, pessoas organizem-se para realizar o trabalho que o Estado não realiza. Esses movimentos podem ter diferentes atribuições em relação ao Governo: críticos, propositivos, consultivos, fiscalizadores. Entretanto, a manutenção de um movimento ativo e atuante requer recursos, e no Brasil a maior parte desses recursos vem de parcerias com o Estado, editais e doações de pessoas físicas. Como a pauta LGBT ainda é muito criticada no país, apoiá-la pode ser um risco para a iniciativa privada, e num momento de crise poucos querem assumir esse risco. O mesmo acontece com governos, que em tempos de “defesa da família”, muitas vezes não querem sua imagem ligada a essa população.

5- Do apoio das grandes marcas

O “apoio”, ou a visibilidade, que grandes empresas dão à pauta (Globo, Skoll, Coca-Cola) não quer dizer que essas empresas assumiram a defesa dos direitos LGBT. Antes de mais nada, elas estão em consonância com a pauta capitalista neoliberal que, como sugere o filósofo Byung-Chul Han, não reprime, mas seduz. Uma sociedade de slogans sobre liberdade individual e “seja você mesmo”. Ao invés de levarmos as discussões de gênero e sexualidade para um grau mais aprofundado e amplo de debate, aceitamos passivamente que “a luta está ganha”, “o mundo está mudando a nosso favor”, e esvaziamos as trincheiras de combate. O que as grandes empresas visam é esse apassivamento dos movimentos LGBT já que, se buscarmos com profundidade as causas para a desigualdade de gênero e a repressão de sexualidades divergentes, o que podemos encontrar pode sugerir uma crítica ao próprio sistema sociopolítico vigente...

Como disse anteriormente, cada um desses tópicos é bem mais amplo do que aqui apresentado, mas esses apontamentos feitos constituem saberes que considero necessários para adentrar as discussões que permeiam a pauta LGBT no Brasil.

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Nathan Gonçalves
Pirata Cultural

Sobrevivendo à quarentena com jogos, desenhos e histórias em quadrinhos. Mais textos disponíveis em: https://bosquecultural.blogspot.com/