“Da recessão econômica à depressão psicológica”

Comentários ao artigo de Leonardo Boff no Brasil de Fato, de 7 de julho de 2017

Nathan Gonçalves
Pirata Cultural
3 min readJun 21, 2019

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(fonte)

Ainda que Boff tenha escrito o artigo que dá título a esse texto em 2017, no contexto pós-golpe, ele se faz assustadoramente atual. Isso porque a crise econômica se aprofunda, as formas de sociabilidade se deterioram, a violência está numa escala crescente que, sem uma mudança de rumos, nos levará à barbárie.

Leonardo Boff começa o artigo brilhantemente trazendo dois conceitos fundamentais, crise e caos. A crise é a linha entre a falência e a oportunidade, é um momento em que os que insistem em métodos ultrapassados caem e os que trazem o novo ou se renovam sobem. Caos é o início e o fim de tudo. Aquilo que antecede e sucede toda ordem.

No Brasil (de 2017 e o atual), o contexto de crise (econômica) leva o país ao caos. A crise gera desemprego, que gera trabalho informal/instável e violência urbana. Para sobreviver nesse contexto vale tudo. Surgem novos golpes, novas fraudes, novas formas de fazer a velha corrupção. Se não tomarmos a iniciativa para uma nova ordem, nos restará a barbárie. (Tivemos uma amostra dela na crise que atingiu o Espírito Santo no início daquele ano).

“Atualmente vigora a oportunidade de fechar o ciclo de um tipo de política que nos vem desde a colônia, fundado na conciliação entre si das classes abastadas e sempre de costas para o povo, hoje atualizada pelo presidencialismo de coalizão. Parece que este modelo de fazer política e de organizar o Estado, controlado por estas classes e que implica grandes negociatas e muita corrupção, não pode ser levado avante. (…) No entanto, o golpe parlamentar foi dado por estas classes no interesse de prolongar esta ordem que garantiria seus privilégios, no propósito de desmantelar os avanços sociais das classes populares emergentes e alinhar-se à lógica do Grande Capital em escala mundial, hegemonizado pelos USA. ”

A velha lógica de tudo mudar pra nada mudar. Trocar políticos corruptos por outros tão corruptos quanto. Mudar as leis trabalhistas antiquadas por outras mais antiquadas. Alterar o sistema de previdência que é de difícil acesso para um mais difícil ainda. E manter nossa grande nação alinhada aos interesses das mesmas potências globais que nos subjugam.

E, da senda de avanços e aprofundamento da participação e justiça social que vínhamos conquistando, o Brasil, comandado por uma elite incompetente e retrógrada, segue estagnado, senão regredindo.

Hoje, vemos que Boff não poderia estar mais certo. O suicídio cresce entre adolescentes no Brasil. Isso tem seu fundamento social: em contextos de crise, a juventude, as crianças e os idosos são os mais afetados. Os jovens crescem sem perspectivas de futuro. Nas redes sociais, páginas voltadas a esse público crescem com conteúdo voltado ao pessimismo, às tendências suicidas, à romantização do sofrimento.

A propaganda de ascensão pelo trabalho vai caindo por terra, o sonho dos jovens de conseguir empregos melhores e ganhar mais do que seus pais é uma narrativa que vai ficando pra trás. Conseguir um emprego com alguma estabilidade já está bom demais. O sonho de ser concursado então fica cada vez mais distante diante de um desgoverno que aparelhou o Estado para destruir o Estado.

Uma onda de indignação, de tristeza e de desamparo está se abatendo sobre quase todos nós. Da recessão econômica estamos passando à depressão psicológica.

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Nathan Gonçalves
Pirata Cultural

Sobrevivendo à quarentena com jogos, desenhos e histórias em quadrinhos. Mais textos disponíveis em: https://bosquecultural.blogspot.com/