Estamos falhando miseravelmente com o suicídio

Larissa Cascaldi
Pirata Cultural
Published in
4 min readJun 11, 2018

Estamos falhando miseravelmente. A estilista Kate Spade e o famoso chef Anthony Bourdain se suicidaram essa semana. Também recentemente tivemos casos no Colégio Dom Pedro II, o que abriu precedentes para que esse tema gradativamente deixe de ser tabu na mídia. Alerto novamente para o fato de que estamos falhando miseravelmente. Se você demorou 40 segundos para ler as linhas acima, pode acreditar que perdemos pelo menos mais uma pessoa. E a estatística não é minha: é da Organização Mundial da Saúde. [1]

Aliás, falando nela, o Atlas da Saúde Mental de 2017 alertou para o fato de que a fronteira entre doenças mentais e suicídio vem diminuindo a cada dia. Isso significa que, se antes o suicídio estava ali, distante, e longe das nossas realidades — hoje ele está terminando de dobrar a esquina e chegando cada vez mais perto da nossa rua.

O Atlas também traz outro dado interessante: “Em países de renda média e baixa, os gastos governamentais com saúde mental são inferiores a 1 dólar per capita. Em nações pobres, o número de trabalhadores na área é considerado insuficiente: dois profissionais por cada 100 mil habitantes. Em nações de renda alta, o indicador chega a mais de 70 por 100 mil habitantes, e os investimentos são da ordem de mais de 80 dólares per capita.” [2]. Chocante né? O quote é da ONU.

Mas eu não vim aqui para falar de políticas públicas de prevenção de suicídio. Não porque eu não acho que isso seja relevante — obviamente é — mas simplesmente porque eu quero falar de algo mais palpável. Tem ouvido as notícias sobre suicídio? Então me diz, caro leitor, o que você tem feito a respeito da situação?

Notícias sobre suicídio te impactam de alguma forma ou apenas desaparecem no seu feed com o rolar de um dedo?

Se você for o artista por trás dessa foto, me procure para eu dar os devidos créditos

Porque sério, com o perdão da repetição: estamos falhando, sim, miseravelmente. Estamos falhando na nossa falta de empatia diária, de olhar para o outro com um pouco mais de compaixão. Sabe aquela história de que ninguém sabe a batalha que o outro está enfrentando? Por mais frase de efeito-auto-ajuda-tumblr que seja: ela é real. Uma resposta atravessada, uma palavra mal colocada, uma entonação mais exacerbada é o suficiente para 30 mil gatilhos diferentes. Vai saber como o outro lida com a dor! Você sabe? Ao que parecem existem mil maneiras que não cabem ser exemplificadas aqui.

Erramos miseravelmente quando transformamos a dor do outro em frescura, em picuinha, em “mimimi”. E o discuso da vitimização? Talvez potenciais suicidas não se tornassem vítimas se não tivessem suas dores banalizadas o tempo todo.

Também erramos miseravelmente quando criticamos sem dó nem piedade a única série que se propôs a falar abertamente sobre isso. O famigerado 13 reasons why é bom porque conseguiu colocar na tv a dor de um potencial suicida. Talvez se pararmos de olhar para paletas de cores, fotografias ou em maneiras melhores de se abordar o tema, a gente tenha tempo para sentir a dor de Hannah Backery na série. Porque na realidade, é esse o objetivo: olhar para o potencial suicida e para o suicida em si. Você olha? Mas com olhar humano, para além de um objeto de estudo.

Pouco me interessa agora o que aconteceu para chegarmos a essa situação: em que o suicídio se tornou uma epidemia silenciosa e global. Certamente essa investigação será útil para formularmos políticas públicas e formas de prevenção, mas por ora minha pergunta é: o que podemos fazer para sair daqui?

Talvez se formos corajosos o suficiente para olhar para quem está ao nosso lado, para repensar nossas ações, nosso modo de falar, ou até mesmo promover os canais de ajuda, a gente consiga pelo menos fazer uma partezinha minúscula nesse enorme quebra cabeças. Recuperar um pouquinho da nossa humanidade talvez seja o caminho mais óbvio — e também mais difícil — que possamos percorrer.

Você já olhou para a pessoa que está do seu lado hoje? Mas olhando de verdade. Cada pessoa tem uma história, suas cicatrizes e anseios e por mais senso comum que seja falar tudo isso, eu preciso dizer que reconhecer isso talvez seja um bom começo. Se falar que precisamos relembrar como ser humanos com relação aos outros é senso comum, então eu me atrevo a pedir para que todos sigam esse senso comum. Que esse possa se tornar o nosso difícil exercício diário, mas que no final, quem sabe faça com que nós ajudemos a retirar as pedras de alguém que está prestes a afundar?

Olhe ao seu redor. Eu vou olhar também. E juntos seremos um tiquinho só mais gentis uns com os outros.

E se você precisa de ajuda, não deixe de ligar para o 188 ou acessar o chat do Centro de Valorização da Vida. Por mais que as vezes demore um pouquinho, vale muito a pena a ligação. Ou se você quiser ajudar no CVV, são 4 horas semanais de voluntariado. Você encontra mais informações no site.

[1] OMS. https://nacoesunidas.org/oms-suicidio-e-responsavel-por-um…/
[2] ONU. https://nacoesunidas.org/investimento-em-saude-mental-cres…/

Gostou desse texto? Deixe suas palmas (elas vão de 1 a 50) ❤
Siga a Pirata aqui, no Facebook e no Twitter.

Seja também um de nossos colaboradores, só clicar aqui. Vamos amar sua companhia.

--

--

Larissa Cascaldi
Pirata Cultural

Uma jornalista observando o mundo, colecionando aprendizados.