INTELECTUALIDADE DAS MULHERES NEGRAS E O AVANÇO NO PODER POLÍTICO

Coral
Pirata Cultural
Published in
5 min readJan 10, 2019

A leitura como forma de resistência.

Saudações, quilombo virtual!

Continuando a saga de textos abordando as formas de resistência política na rotina, hoje resolvi falar sobre a importância do empoderamento intelectual de mulheres negras, recondicionamento e roteiro de avanço.

Três termos que parecem distintos mas que constituem a articulação de uma resistência bastante significativa; adiante irei explicar .

Minha leitura escolhida para o início desse ano foi Beatriz Nascimento. Uma das primeiras intelectuais negras (e nordestinas), injustamente invisibilizada pelo academicismo branco, que discutia sobre pontos importantes como a posição da mulher negra dentro do feminismo, os aspectos da cultura negra, e também fez autocríticas importantes ao movimento negro e seus mecanismo de ação.

Beatriz Nascimento

No texto que ousei mergulhar, Beatriz discutia a ausência de referências intelectuais com perspectivas fora da bolha da branquitude e como isso afeta os passos políticos da luta antirracista.

Se pararmos um pouco para refletir, os primeiros referenciais de intelectualidade que temos desde o ensino médio e até mesmo na academia, são em sua maioria brancos. É só pensar nos teóricos da filosofia, psicologia, ciências jurídicas, sociais, e nas ciências exatas, para notar como somos programados a não conhecer outras visões de tais ciências, e principalmente se forem produzidas por mulheres negras.

Claro que a autora aprofunda seus argumentos para justificar a invisibilidade das mulheres negras nos espaços de intelectualidade, mas os que mais me chamaram atenção, estavam relacionados a difícil conciliação entre a sobrevivência e a produção de conhecimento, e a constante sexualização nesses ambientes. Coisa que me tocou bastante…

Quantas pretas vivem atrás de seu corre para pagar a faculdade ou custear o mínimo para a sobrevivência em uma Federal? Quantas são assediadas e erotizadas na universidade? Quantas precisam cuidar de filhos enquanto estudam? Quantas precisam se submeter a trabalhos exploradores e humilhantes e nem têm tempo para ler? Quantas não podem ter a escolha de estudar porque o trabalho para sobreviver é a única escolha possível?

Beatriz diz em seu texto que:

“Podemos considerar que a invisibilidade
da mulher negra no espaço acadêmico também se consolida porque o seu outro (homem
branco, mulher branca ou homem negro) não a vê nesse ambiente e nem mesmo trilhando esse itinerário intelectual ”

Recentemente assisti o documentário Anita, dirigido pela Freida Lee Mock, onde a advogada Anita Hill conta sobre os assédios e humilhações que sofreu dividindo o espaço no senado com 14 homens, além disso temos o caso de Marielle, que foi silenciada injustamente na política brasileira, deixando nítido como a todo tempo o sistema branco não aceita a intelectualidade e poder vindo de mulheres negras.

A dupla jornada trabalho-estudo, aliado a um esgotamento fruto da falta de representatividade nesses espaços, e a incessante erotização dos homens (brancos e negros) diante da figura da “nega inteligente” acabam contribuindo com os mecanismos estruturais da academia branca e colonizadora, que nos faz rotular como intelectual a figura europeia que está na universidade, desconsiderando a voz e escrita política de tantas mulheres incríveis fora dela.

Nossa grade curricular raramente traz a leitura de uma autora negra, assim como não vemos representatividade da ciência dessas mulheres como têm os superestimados autores europeus.

Nessa parte a autora chega a ser crítica (e eu particularmente concordo) ao dizer que a maioria de nós, que milita pelo empoderamento negro, somos entorpecidos pela cultura e pela religiosidade, que são dois aspectos importantes para afirmação de nossa identidade, mas que é preciso avançar dessa fase, para a fase de empoderamento intelectual.

Quando ela fala de empoderamento intelectual, deixa claro como precisamos produzir conhecimento, e absorver conhecimento. E não da forma que a academia cobra, e sim recondicionando nossos referenciais e buscando dialogar de alguma forma no nosso ciclo de convivência.

Seja na música, na poesia, na literatura, no cinema, na arte, o que Beatriz propõe é que toda expressão negra seja considerada e produzida. E claro que ela se torna específica ao propor esse empoderamento seja feito através da leitura, que é honestamente difícil para nós que somos acostumados com o modelo precário de educação e como a transmissão de conhecimento pela oralidade.

É aqui onde eu entro com o meu plano de ação que costumo chamar de roteiro de avanço.

Certamente ninguém põe toda bibliografia da negritude na cabeça de uma hora pra outra, e principalmente tendo outros corres para administrar. É por isso que em 2019 decidi programar minhas leituras em passos equilibrados. Sem pressa por acabar rápido, sem estabelecer metas de páginas, apenas sendo honesta com meus limites e deixando um espaço todas as tardes na minha agenda de tarefas para a leitura. Pelo celular em pdf ou em livro físico, o importante é refletir ao menos uma frase de um texto produzido por uma intelectual negra, e ao final do dia somar a reflexão da leitura, com o meus próprios dilemas diários.

Com isso posso me empoderar intelectualmente, rompendo com a estrutura que põe mulheres negras longe da produção e absorção de conhecimento, e ainda trago para fora dos muros da universidade as reflexões que normalmente ficam limitadas a congressos e eventos lá dentro.

Que é fácil e prático não é, pois se trata de uma ação política, que te faz nadar contra as correntezas racistas.

Por isso destaco a importância de conhecer seus limites diários e uma certa disciplina. No meu caso, sempre ando com uma agendinha sem linhas onde listo todas as minhas tarefas diárias, inclusive as leituras, e tento programar meu cérebro a segui-las a risca, e claro, me recompenso sempre ao final do dia, para valorizar o meu progresso, seja ele da dimensão que for.

Além disso, busco fortalecer a produção de conhecimento feito por mulheres negras que estão fora da academia, erguendo sua voz politicamente transformando todas as suas experiências dentro da nossa sociedade racista em arte, música, poesia, fotografia, ou até mesmo em um simples stories; a ideia é valorizar as expressões de mulheres negras que vivenciam a luta na prática.

Tenho vivido a experiência do recondicionamento intelectual que Beatriz Nascimento propõe e recomendo a todxs essa maravilhosa e expansiva forma de resistência política e de crescimento.

Pra quem se interessar em iniciar o processo, indico algumas autoras como a própria Beatriz Nascimento, Bell Hocks, Angela Davis, Djamila Ribeiro, Audre Lorde, Lélia Gonzáles, Sueli Carneiro, Giovana Xavier, Bione Poeta, e se você tiver alguma indicação, deixa nos comentários.

Que nossa voz tenha cada vez mais poder, que nossa visão esteja descolonizada e que possamos entrar em campo intelectualmente avançados.

Axé!

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