Linn da Quebrada e a ressignificação do desejo

“Eu to bonita? — Tá engraçada — me arrumei tanto pra ser aplaudida, mas até agora só deram risada…”

Antonia Moreira
Pirata Cultural
4 min readOct 9, 2017

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Demorei para entender que alguns corpos são menos desejados do que os outros, isso pois há uma estrutura na sociedade que deslegitima determinados corpos e constrói desejos orientados para outros em específico. Quando me dei conta dessa diferença, percebi também que o meu corpo era um dos rejeitados, mas mais do que me lamentar por isso, busco ressignificar essa dor em algo único e para meu prazer.

Linn da Quebrada, bicha travesti, preta da quebrada, filha de empregada doméstica é um dos ícones que são referência para mim hoje nesse processo e, com certeza, para toda uma geração que sofre por nunca se encontrar na mídia. Com “Pajubá”, seu primeiro álbum de estúdio, Linn traz uma linguagem travesti, negra, favelada e africana para a música, misturando sons legitimamente brasileiros como o funk, o rap, com a eletrônica e ritmos vindos das religiões de matriz africana.

Como bem define a cantora:

“Pajubá é linguagem de resistência, construída a partir da inserção de palavras e expressões de origem africanas ocidentais. É usada principalmente por travestis e grande parte da comunidade TLGB. Eu chamo esse álbum de Pajubá porque pra mim ele é construção de linguagem. É invenção. É ato de nomear. De dar nome aos boys. É mais uma vez resistência.”

O álbum faz parte da construção de um novo imaginário, descentralizando o “macho” das relações, colocando-o de lado. As produções musicais, no geral, apelam para o homem e seu falo, desde o romance até o funk explícito. Mas onde fica a representatividade de grupos excluídos?

Até hoje a travesti, a bicha preta afeminada, o pobre e favelado foram motivo de riso, coadjuvantes da própria história. E a toda uma população que é assim (tem muita gente!), as opções de vivência eram limitadas. Felizmente estamos vivendo um boom, principalmente na música, de expressões queer que legitimam outros corpos e experiências de vida, visto pelas próprias participações em “Pajubá” de mulher Pepita, Glória Groove e Liniker.

Todas as músicas do álbum vêm com um vídeo, nosso próprio Lemonade tupiniquim

O que está acontecendo na música é um claro contraponto e movimento de resistência ao conservadorismo que assola o Brasil e o mundo. Não podemos nos esquecer de que há apenas alguns dias uma exposição com histórias LGBTQ de mais de 85 artistas foi barrada — mais de uma vez — em museus por pressão de grupos reacionários como o MBL, e prefeitos com rabo preso com a ala conservadora e religiosa desse país, como Nelson Marchezan (PSDB — Porto Alegre), Marcelo Crivella (PRB — Rio de Janeiro) e João Dória (PSDB — São Paulo).

A ressignificação do corpo feminino

“As músicas tratam de questões ligadas ao feminino porque eu percebia que, quanto mais marcas do feminino eu trazia no meu corpo, mais isso me ligava à solidão, ao erro, a um corpo preterido. Faço música a fim de criar forças para sustentar esse feminino. Faço música para reinventar no meu próprio imaginário uma outra possibilidade de potência que existe nos corpos feminilizados.” Linn em entrevista ao HuffPost Brasil.

Linn fala de uma verdade que me toca profundamente. Acho que a última vez que fui tão atingido por músicas foi em “Born This Way”, da Lady Gaga, que cantou sobre o que eu precisava ouvir em minha adolescência. Agora Linn canta sobre o eu preciso ouvir enquanto gay adulto, dono do meu corpo e do meu prazer e único capaz de procurar aquilo que me satisfaz. Se já ouvi de amigos gays que “você está feminina hein, vai virar travesti?”, hoje não me escondo mais no medo da rejeição, pois não preciso desses machos para me sentir desejado.

“Nem vem com esse papo de que feminina tu não come, quem disse que linda assim eu vou querer dar meu cu pra homem?”

O que mais me anima em Linn e em todo esse movimento é a urgência de estabelecer laços e um ao outro se cuidar, se fortalecer. “Pajubá” foi feito através de um financiamento coletivo, e fica aí a prova (mais uma) de que há espaço para falar para àqueles que estão à margem. Pois na margem tem muito amor, audácia e coragem, e o mundo não pode nos calar.

É claro que Linn não foi o primeiro a questionar esses padrões (Dzi Croquettes, Jorge Lafond), mas ela o faz em um momento único, onde parece que estamos vivendo em 1970 e as liberdades individuais estão extremamente ameaçadas.

À isso, apenas obrigado Linn.

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Antonia Moreira
Pirata Cultural

Bixa travesty em demolição. Redatora e produtora cultural.