Nota de outros tempos #1
Pouca inquietude resiste ao jeito meigo do teu sorriso, esta malcriadez criada pelo avançar da minha idade ligeiramente se apazígua quando vem de açoite as lembranças dos beijos molhados, braços mordidos e das noites estreladas em que ficávamos deitados no chão do nosso castelo destelhado. A cadeira era um botijão de gás, a cama uma esteira posta no meio da sala, inexistia mesa e qualquer regulador de temperatura. Nas noites mais frias éramos o cobertor um do outro, você se aninhava em meu abraço enquanto enrolava meus dedos nas ondulações dos seus cachos.
Amanhecíamos com os cantos afinados da vizinhança de pássaros e ao som do bravo trabalho do João de Barro, após quatro dias já haviam se tornado nossos despertadores naturais, levantávamos da esteira espantando a preguiça matinal e preparávamos o desjejum, após saciados por comida para o estômago, tornávamos a deitar com intuito de matar a outra fome que ainda persistia, sedentos um do outro fazíamos amor. O seu olhar castanho encontrando o negro dos meus olhos através das frestas da esteira que separava o improvisado quarto da ainda mais improvisada cozinha, interrogava sobre o porquê da vida e eu não mais triste poeta, somente dizia: Alegria, meu amor, Alegria! Esse deve ser o sentido da vida.
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