O capitalismo se apropria dos movimentos sociais?

Vamos mais uma vez falar sobre novas narrativas?

Antonia Moreira
Pirata Cultural
3 min readDec 12, 2017

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Painel em SP, capital.

Se teve uma campanha publicitária recente que me impactou esse ano foi “Absolutas”, da Absolut Vodka, com a Linn da Quebrada e o duo As Bahias e a Cozinha Mineira.

A marca sueca de vodca faz há décadas campanhas com artistas emergentes, associando o produto à arte de resistência em momentos conservadores. E, desta vez, escolheu três cantoras LGBT’s na versão brasileira do projeto.

Campanha feita pelo Andy Warhol, em um momento que a “Pop Art” era extremamente criticada.

No Brasil, a promoção teve um planejamento de mídia intenso: site em parceria com a revista Vice, conteúdo no BuzzFeed, anúncios no YouTube, festa com show das artistas, single lançado em parceria entre elas (um recorte de músicas do último álbum da Linn, “Pajubá”) e até um mural belíssimo no minhocão, em São Paulo).

O grande diferencial dessa campanha é sua ousadia.

Ao contrário das campanhas que causaram rebuliço nas redes sociais nos últimos anos, como a do dia dos namorados do Boticário, com casais gays brancos e bonitões, a publicidade da Absolut foi, de fato, inclusiva ao apresentar a minoria mais excluída do LGBT: o T, de pessoas trans.

A Avon deu um passo nesse sentido, ao contratar a cantora Candy Mel para uma de suas campanhas.

Apesar disso, a publicidade ainda precisa, e muito, diversificar seu leque de narrativas LGBT’s.

“Absolutas” é uma maravilha nessa tendência, por ter um conteúdo didático fortíssimo, e uma ampla estratégia de mídia, que a tornou presente no público jovem, mais aberto às mudanças necessárias em nossa sociedade.

É uma campanha que foge do embranquecimento e higienização que a publicidade tradicional muitas vezes traz para seus projetos. Sem colocar casais que não representam a maioria da população LGBT, ou o que a maioria da população LGBT pensa, quer e deseja sobre a vida nesse país.

Estamos diante de um campanha com real potencial de mudança, no sentido de dar espaço a pessoas marginalizadas.

Uma galera amou claro, e teve os reacionários que odiaram. Uma pena é que insistem em negar esses avanços, com a retórica do “o capitalismo se apropria dos movimentos sociais”.

Sim, isso é verdade. O capitalismo é feroz. Para mim, por exemplo, a Absolut é um produto caro e distante da minha realidade. Ainda é, mas agora possui um posicionamento muito mais favorável a minha visão de mundo.

Me tornei um cliente em potencial.

E isso, de todo, não é ruim. A publicidade, como forma de comunicação social, produz repertório na sociedade, gera identificação, e caminha junto às transformações sociais, a fim de vender (óbvio).

Só não podemos esquecer que faz parte de todo um contexto e, como tal, tem sua importância na inserção de novas narrativas ao imaginário popular.

Humanizando pessoas, saca?

A publicidade usa a bricolagem, isto é, o recorte de diversas referências, imagens, citações, pessoas, com o intuito de transmitir mensagens de auto impacto para o público alvo. E não é ótimo que o público LGBT esteja incluído nessas narrativas e para essas narrativas?

É um passo, pequeno mas significativo, que retira essas pessoas da margem.

Além disso, dá a oportunidade de artistas independentes como Linn, Assucena e Raquel receberem grana para seus projetos, para levarem mais música a todo o país e o mundo. Todo mundo sai ganhando.

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Antonia Moreira
Pirata Cultural

Bixa travesty em demolição. Redatora e produtora cultural.