O Fio de Ariadne — O homem e o labirinto incógnito do mundo.

Alberto Luiz
Pirata Cultural
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7 min readMar 20, 2020

No desvio de algum rincão do universo inundado pelo fogo de inumeráveis sistemas solares, houve uma vez um planeta no qual os animais inteligentes inventaram o conhecimento. Este foi o minuto mais soberbo e mais mentiroso da história universal, mas foi apenas um minuto. Depois de alguns suspiros da natureza, o planeta congelou-se e os animais inteligentes tiveram de morrer.
— Friedrich Nietzsche¹

L’acronimo ARIADNE, che sta per Advanced Research Infrastructure for Archaeological Dataset Networking in Europe

Oconhecimento humano é antropomórfico. Observamos o mundo e para além dele as luzes reluzentes de outros mundos distantes, e, ao mesmo tempo que investigamos, expressamos o desejo herdado por nossos ancestrais na savana: curvar tudo que estiver ao nosso alcance, torna-lo à nossa imagem e semelhança. Nietzsche já havia diagnosticado a gênese do desejo de converter o desconhecido em deuses, e o cotidiano em homens através da cultura.

Há uma tautologia nessa reflexão é verdade: Todo pensamento do homem é pensamento de homem. Não podemos pensar para além da própria contigência da espécie. Como Também suspeitou Schopenhauer: o limite do mundo para o homem é o limite dos sentidos. E por Conseguinte: o limite dos sentidos se expressa no rudmento da linguagem. Essas duas ferramentas estão em uma profunda dialética entre o ímpeto de conhecer e o mistério irredutível do mundo. O mundo se apresenta como um labirinto que abriga o inominável, o mistério, o indescritível. É diante da vastidão dos fenômenos que desenvolvemos ferramentas e métodos para nos guiar dentro desse labirinto antes insondável; Na ponta desse Fio de Ariadne encontramos a filosofia, a base racional e metodológica que nutre a ciência e com o passar dos milenio revelaria como elas são imprescindíveis para o êxito de explorar o labirinto.

Há 70 mil anos, os organismos pertencentes à especie Homo Sapiens começaram a formar estruturas ainda mais elaboradas chamadas culturas. O desenvolvimento subsequente dessas culturas humanas é denominada historia. — Yuval Harari²

Estava a alguns dias limpando minha pequena biblioteca e me deparei com dois exemplares de distintos autores e temas não diretamente ligados, mas no grande esquema das coisas conectados como partes do fio que vai se estendendo da “porta” ao centro do desconhecido. Duas breves historias, dois projetos de divulgação cientifica que conectam o passado e abre indicadores para o futuro que me chamaram atenção e me fizeram pensar sobre esse fio que nos direciona em um movimento dialético de passado e presente.

(Art by Henry Bugalho, 30 de mai. de 2016) Sapiens — Uma Breve História da Humanidade

Sapiens — Uma Breve História da Humanidade, do historiador israelense Yuval Noah Harari e Uma Breve História do Tempo: do Big Bang aos Buracos Negros, do Professor Stephen Hawking pontuam ao que me parece uma bela síntese mesmo que de áreas diferentes do conhecimento reconstituem a luz da racionalidade e do método o caminho pelo que nos era desconhecido.

A resposta mais comum é que a nossa linguagem é incrivelmente versátil. Podemos conectar uma série limitada de sons e sinais para produzir um número infinito de frases, cada uma delas com um significado diferente. Podemos, assim, consimir, armazenar e comunicar uma quantidade extraordinaria de informações sobre o mundo à nossa volta. — Yuval Harari

Uma Breve História Do Tempo by Stephen Hawking

Não é novidade que a instabilidade faz parte da história do planeta. Seja por fenômenos naturais, seja por fenômenos políticos a humanidade experimentou até hoje, menos momentos de paz e estabilidade do que momentos de caos e incerteza. E, hoje sabemos que esses fenômenos hostis são interpretados quase que corriqueiramente como sombras caóticas e indecifráveis. A metáfora do labirinto cabe como uma luva para essa sensação mística que remonta a ira divina, ou as conspirações subterrâneas que ronda o imaginário dos povos.

Teseu precisa entrar nesse labirinto e desbrava-lo. As probabilidades estavam conspirando contra ele, e o seu êxito era improvável. O que seria de um único homem contra os corredores escuros do grande labirinto de Creta, e além dos caminhos controversos do labirinto, o herói deveria enfrentar o monstro faminto que habitava o centro da estrutura. Em meio a incerteza percebemos que Teseu não é o real herói do mito. Quem possibilita o êxito é Ariadne. Ela tece um fio, e esse fio é o guia por entre os corredores do labirinto. Aqui como uma metáfora para nosso tempo: a ciência é nosso fio de Ariadne.

A maioria das pessoas acharia um tanto ridicula a imagem de nosso universo como uma torre infinita de tartarugas, mas por que acreditamos saber mais do que isso? O que sabemos sobre o universo, e como sabemos? de onde ele veio e para onde está indo? O universo teve um começo? Se teve, o que aconteceu antes? Qual a natureza do tempo? Um dia ele vai chegar ao fim? Podemos voltar no tempo? Avanços recentes na física, em parte possibilitados por novas tecnologias fantásticas, sugerem respostas a algumas dessas questões tão antigas.
— Stephen Hawking³

Se nossa caminhada como espécie em direção ao desconhecido iniciou com nossa arvore cognitiva. Esse passo cognitivo nos arrancou da insignificância e anonimato para a escada vertical de superação de outros hominídeos e das próprias limitações. Dominamos o fogo, controlamos a agricultura, desenvolvemos métodos mais eficazes de conservação de alimentos e de proteção. A hostilidade do mundo sempre esteve a nossa porta, mas através de nossos signos e símbolos conseguimos driblar com eficiência esses problemas. Harari desenha com maestria a evolução da sociedade e as ferramentas cognitivas desenvolvidas para um controle mais efetivo da roda da fortuna: religiões, contratos sócias, estado, leis, direitos e outras entidades abstratas que tomaram forma com o desbravar do labirinto escuro do mundo.

Theseus and The Minotaur in The Labyrinth — Edward Burne-Jones

O nosso passado aponta para o presente, pra o refinamento de novas técnicas que sejam suficientes para superação não de problemas naturais do planeta, mas para minimizar os estragos do nosso próprio abuso sobre a savana que um dia nos acolheu como meros hominídeos sem muito o que dizer. Hoje os olhos do desbravador do labirinto se acostumou com a escuridão que o cerca, ele tem uma tocha na mão, e quanto mais ele adentra nos corredores, mas próximo ele sente a urgência de combater o inimigo que o aguarda por entre as paredes escuras. Teseu tinha o minotauro, nós temos outra entidade para combater. Ela não tem forma definida, não tem um timbre vocal reconhecido, ele não porta armas físicas ou é alguma forma animal antropomórfica. O nosso maior inimigo está habitando os discursos e as mentes de alguns entre nós que não acreditam que chegamos onde chegamos na superação de inúmeras dificuldades internas e externas através deste Fio de Ariadne que conhecemos como ciência, ou visse versa.

Dada a atualidade do tema conseguimos com muita infelicidade ouvir os sons dessa criatura grotesca que se alimenta da mediocridade e da ignorância. Em meio a pandemia do Novo Corona Virus, e de milhares de pessoas infectadas, desenvolvendo a Covid-19 doença que ataca o sistema respiratório, ainda entre os velórios das vítimas e as ações dos governos em conter a pandemia o monstro do labirinto grita, ura contra o conhecimento que guia o aventureiro. A ignorância é um monstro terrível. Ele não escolhe idade, ele não escolhe raça ou muito menos classe econômica, ele se alimenta e prolifera onde a mediocridade é dogma e a lógica e o conhecimento é pornográfico.

Entretanto em alguma hora o monstro se depara com os fatos do mundo e não o sabe processar ele está perdido no próprio labirinto, ele teme dar um passo. Ele prefere urrar para confundir, mas a realidade hostil do mundo tem seu papel de segregar os que estão prontos para o embate do monstro louco que tem se alimentado da pouca massa cinzenta de seus infectados. Chega um momento, e o momento é chegado que o fio mostra mais uma vez seu poder, e seu pape.

Bolsonaro reúne ministros e anuncia medidas para a crise da Covid-19

O final do mito de Teseu e Ariadne nós conhecemos bem, ele destrói o monstro e com auxílio do Fio, sai do labirinto carregando a cabeça do monstro. Essa metáfora deseja ter conotações proféticas.

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¹ — NIETZSCHE, F. W. Sobre verdades e mentiras no sentido extra-moral (Obras incompletas). Tradução e notas de Rubens Rodrigues Torres filho. São Paulo: Abril Cultural, 1983.
²— Yuval Noah Harari (2011) Sapiens — Uma Breve História da Humanidade. 29a Edição. Editora Harper.
³ — Stephen W. Hawking. BREVE HISTÓRIA DO TEMPO. DO “BIG BANG” AOS BURACOS NEGROS. Introdução de Carl Sagan. Tradução de Ribeiro da Fonseca.

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Alberto Luiz
Pirata Cultural

Doutorando em filosofia, ouvinte de música indie. Um colecionador de histórias cotidianas. Escrevendo sobre filosofia, arte, e outros devaneios.