O Rap canta a vida em toda a sua contradição

O que o crescimento do Rap ao redor do mundo nos diz sobre a sociedade atual?

Nathan Gonçalves
Pirata Cultural
3 min readJan 14, 2019

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Rodas culturais estão crescendo no Brasil (fonte da imagem)

Se perguntarmos por aí do que se trata o Rap, não será difícil ouvir de que trata-se de um estilo musical de “contestação”, “crítica social” ou “do sistema”, “retrato da vida das classes mais baixas”. E é por aí mesmo que nasceu o Rap, de grupos socialmente marginalizados, bem delimitados em termos de cor e classe social.

Atualmente, entretanto, não é raro ouvir um Rap mais “comercial”, feito por pessoas não-negras e não necessariamente parte das classes mais baixas da sociedade. Há rap nos lugares mais diferentes, seja na Turquia, no Uruguai, na China ou na Rússia. Nessa última, inclusive, ele desencadeia problemas com o governo, que pensa que o governo deve liderá-lo (leia-se controlá-lo, censurá-lo).

Rap da Iacútia, região da Sibéria

Mas o que esse crescimento do Rap, de estilo marginal nos EUA à um dos ritmos mais ouvidos pelos jovens ao redor do mundo, tem a dizer sobre a sociedade atual?

De forma alguma negamos que o Rap continua com sua raiz de contestação. E igualmente concordamos que ele tenha se tornado um estilo mainstream, muitas vezes legitimando os valores da sociedade em que se encontra.

Isso acontece porque a vida na sociedade atual (neoliberal, pós-industrial, de capitalismo tardio) gera sentimentos antagônicos em todos nós. Por um lado, é uma sociedade seduzente, que promete ascensão social através do esforço, do trabalho. Riqueza, sexo, carrões e mansões. Há toda uma indústria cultural nos convencendo de que ter sucesso na vida, “dar certo” na vida, é levar uma vida burguesa.

Para uma outra parcela da população — que talvez até já tenha se iludido com as promessas de ascensão social — a forma de encarar a vida no capitalismo é outra. Se as grandes formas de organização de outrora, com as greves gerais e grandes marchas, são escassas nos dias de hoje, a arte vira a forma de se fazer ouvir num mundo que quer que você repita, mas não fale. Até onde vai essa crítica é algo a ser problematizado.

Um Rap dito “crítico” não necessariamente engloba em sua letra uma crítica da totalidade do sistema. Isso não é uma exclusividade dele, visto que é uma tendência de proteção da ordem social que critiquemos todos os efeitos do sistema (individualismo, competição desenfreada, consumismo, degradação ambiental, pobreza extrema, existência de grupos excluídos do sistema de poder, etc) sem chegar na gênese desses problemas (o modo de produção vigente, onde a riqueza é socialmente produzida, mas é apropriada por uma minoria).

Ainda que aborde temas “recortados” e critique os efeitos ao invés das causas, o Rap vira, como diz Emicida, a voz de quem nunca foi ouvido. O que podemos entender do crescimento desse estilo são as tentativas de uma juventude (confusa? perdida?) de se adaptar à sociedade e comprar seus discursos ideológicos ou contestá-la.

Olhando por essa maneira, o que podemos esperar é que o crescimento do Rap, em suas vertentes raiz ou comercial, vai perdurar. E o crescimento de uma vertente não só não exclui a outra como também pode fortalecê-la.

Quanto mais o Rap vai pro mainstream ser tema de novela da Globo, mais haverão aqueles que lhe apontarão o dedo acusando-o de não ser o verdadeiro Rap. Quanto mais os rappers colocarem o dedo na ferida do sistema, mais este tentará cooptá-lo, oferecendo uma outra alternativa a seus fãs (“gosta de Rap? Ouça então este que é tema do casal tal da nova novela das 8”).

De qualquer forma, o caminhar do Rap segue em frente. As rodas de rima, batalhas do conhecimento e slams refletem uma periferia que se movimenta no Brasil. O que resultará dessa movimentação dependerá dos sujeitos nela envolvidos, envoltos em uma rede ilusória de sedução, embora encarando a crua realidade da vida, que lhes oferece os elementos necessários para derrubar esse véu.

Ah! O seu time campeão, sua escola na avenida
Irmãs e irmãos, talvez numa segunda vinda
O povo não estará ao Deus-dará
Devil wants to take control
Government is a murderer
Only you can sell your soul now

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Nathan Gonçalves
Pirata Cultural

Sobrevivendo à quarentena com jogos, desenhos e histórias em quadrinhos. Mais textos disponíveis em: https://bosquecultural.blogspot.com/