O som e a devoção de Mc Tha

Em entrevista, cantora dá um gostinho de seu primeiro disco e fala sobre sua relação com a Umbanda.

Antonia Moreira
Pirata Cultural
8 min readApr 12, 2018

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Foto: Bia Lima

Definitivamente o Funk está passando por um processo de amadurecimento claro e consistente, mirando um mercado internacional cada vez mais faminto por sons das periferias culturais do mundo e conquistando o público brasileiro. Claro está, também, que Mc Tha é um dos expoentes do Funk que melhor representa esse amadurecimento: um trabalho que explora o Funk, e outros ritmos brasileiros, numa mistura criativa, dançante e inovadora.

Moradora da Cidade Tiradentes, bairro da Zona Leste de São Paulo, Thais da Silva, de 24 anos, começou a cantar aos 15 nos primeiros bailes funk organizados na sua quebrada. De lá pra cá estudou jornalismo, trabalhou em projetos culturais e se aproximou de artistas que a inspiraram a voltar aos palcos, como o grande amigo e cantor Jaloo.

Agora, em 2018, Tha não é mais uma grande promessa para a música brasileira, ela é uma realidade. Usa do ritmo que se consagra no Brasil para levar sua voz ao mundo e ajuda construir a pluralidade que vem definindo o Funk nos últimos anos. “Eu acho incrível a visibilidade que o Funk vem tendo desde o estouro do Funk Ostentação. Sou da época em que cantávamos para nos divertir, encima de caixote, lage, em garagens. E hoje o Funk se tornou fonte de renda para muitos jovens das periferias e movimenta e emprega muita gente além de MC e DJ”, diz em entrevista por e-mail na última semana.

Com singles que datam desde 2014, o primeiro é “Olha Quem Chegou”, Tha conseguiu grande destaque com a faixa “Bonde da Pantera” de 2017, que já conta com 160 mil visualizações, e “Valente” de 2018, que mostra sua capacidade de explorar diferentes facetas da música, e nos fazer mexer o bumbum com qualquer uma!

Produzindo seu primeiro EP, Tha respondeu algumas perguntas que estavam matutando na minha cabeça desde que comecei a acompanha-la nas redes. Confira abaixo:

Tha, tenho te acompanhado nas redes sociais e a religião é um tema constante em suas postagens. De onde vêm seu contanto com a Umbanda?

Eu sou Umbandista! Sou batizada e visto o branco há quase dois anos. Eu e meus irmãos de Santo trabalhamos todos os sábados, religiosamente, atendendo gratuitamente pessoas que vão lá em busca de algum auxílio espiritual.

Embora eu não tenha tido essa vivência dentro de casa, a espiritualidade sempre esteve comigo, desde muito cedo e na minha família também, mas sempre foi um tabu falar de “macumba”, então, por exemplo, só fui saber que minha avó (hoje evangélica de boas) já frequentou um terreiro (que era da irmã dela) quando essa irmã dela morreu e eu passei a frequentar o meu terreiro. Lamento até hoje por ter sabido disso muito tarde, queria que tivesse tido tempo de trocar experiências com a tia-avó rs.

Meu irmão mais velho, que morreu em 2006 em um acidente de moto, passou a frequentar um terreiro pouco antes de morrer, mas não lembro muita coisa, eu era muito nova. Minha mãe e avó frequentam igreja evangélica e ambas tem uma mediunidade incrível. Cresci indo para a igreja Pentecostal com a minha avó, não que eu fosse batizada, eu ia porque minha avó cuidava de mim enquanto minha mãe trabalhava, ia muito passear na Aparecida do Norte com a família do meu pai que é católica e também já fui a sessões espiritas kardecistas.

A Umbanda foi algo que tive que descobrir sozinha, sempre acontecia uns troços estranhos comigo, principalmente em sonhos. Um dia senti que a coisa, que eu não sabia o que era, foi se intensificando e eu pensei: bom, bora cuidar disso. Achei que eu ia terminar em um Centro Espirita mas me encontrei em um Terreiro de Umbanda. Hoje sou a ovelha macumbeira da família! rs

Quando passei a intensificar meu contato com a Umbanda, parecia que eu estava cometendo um crime, parecia que as pessoas iam se afastar de mim e eu ia ser excluída de tudo. Então pensei: “é isso aí, que se afastem mesmo”. E eu me surpreendi quando percebi o quanto as pessoas têm dúvidas sobre o candomblé, sobre a umbanda e o tanto de gente que vive escondendo a sua vivência.

Então eu passei a achar muito importante se assumir mesmo! O evangélico vai na igreja e posta texto, foto, vídeo do culto, canta louvor dentro do ônibus, anda com a bíblia debaixo do braço e nós de religiões afro-brasileiras temos medo de nos posicionarmos, vivemos acuados e nenhum lugar nos representa. Ta errado!

Passei então a desmistificar as coisas. Posto fotos, vídeos, canto ponto, falo sobre e a quantidade de pessoas que se aproximaram ou por curiosidade ou por se identificar, é absurda.

Eu não quero que o mundo todo se torne Umbadista ou Candomblesista, nós só queremos respeito.

Eu faço show na sexta, rolo no chão, mostro o corpo, a bunda, canto coisas sensuais e no outro dia estou de branco trabalhando no terreiro. Ninguém nunca me apontou, olhou torto ou me achou impropria para estar ali.

E de que forma ela [sua espiritualidade] te constrói enquanto artista?

Eu tenho mais firmeza, eu entendo melhor a minha natureza (que a gente vive a vida inteira tentando lutar contra), tenho meus pés no chão. A minha religião não me priva das coisas, não me condena, não me ganhou por me fazer sentir culpada pelos meus erros. Um dia eu estava na assistência (lugar onde os visitantes ficam quando vão ao terreiro) e eu pensei: eu tô aqui todo sábado, já faze 4 meses, poxa, eu quero estar lá com eles, vestindo o branco e ajudando ao próximo também. Ninguém me convidou, ninguém falou que eu precisava lavar meus pecados, me arrepender. Eu simplesmente quis.

Eu faço show na sexta, rolo no chão, mostro o corpo, a bunda, canto coisas sensuais e no outro dia estou de branco trabalhando no terreiro. Ninguém nunca me apontou, olhou torto ou me achou impropria para estar ali. Pelo contrário, recebo conselhos para que nunca eu deixe alguém me apontar pelo que faço e todo mundo torce muito por mim. Outro dia meu irmão de santo e também meu padrinho na Umbanda, que é gay, recebeu flores e conselhos lindos de uma entidade cigana sobre sua orientação sexual. Por não me privar, me faz ter o livre arbítrio para me tornar uma pessoa cada vez melhor e por meu trabalho ser tão palpável, acredito que automaticamente está tudo atrelado.

Tha e seu irmão de santo, Bruno

Você está trabalhando em seu primeiro EP, ele já tem título? Pode comentar em que estágio está? (é que estamos ansiosos!)

Eu já encaminhei algumas faixas para alguns produtores e estamos nesse contato. Eu ainda não defini o nome. Quando todos me entregarem as faixas prontas, quero sentar e ouvir tudo e sentir o que o material pede. Mas gosto muito de “Rito de Passá”, que é o nome de umas das faixas que é muito especial pra mim e também é a mais próxima dessa minha fase religiosa. Fala sobre os altos e baixos da vida e o quanto é bom estar consciente para entender e aceitar cada degrau de aprendizagem com as boas e as más fases.

Essa faixa está endereçada para o TIDE, produtor que já trabalhou comigo em Pra Você. O Tide é um pesquisador nato de música brasileira e da última vez que nos falamos e que mostrei a voz e a vibe, ele me respondeu que a faixa veio a calhar pois ele estava querendo testar uma pesquisa recente dele e que tem tudo a vê com o que propus.

O EP vai ter parcerias sim! Não com cantores, mas com produtores que já trabalharam comigo ou que estão bem próximos nesse momento.

Você subiu em um palco pela primeira vez aos 15 anos, sendo a única MC da sua região na época, uma pioneira. Depois foi cursar jornalismo, e ficou um tempo afastada de novos lançamentos. Esse tempo foi pra se descobrir enquanto artista ou por falta de incentivo e condições pra iniciar uma carreira na música?

Foi porque eu achei que eu estava atrasada. Naquela época o Funk não dava dinheiro, a gente cantava por diversão. Eu repeti um ano da escola e então teve um dia que bateu a bad e eu quis me dedicar aos estudos e voltar a trabalhar. Meu primeiro emprego foi aos 14 anos e minha mãe ficava louca, ela nunca gostou da ideia de eu trabalhar, mas desde nova eu sempre fui aventureira, queria sair, ter meu dinheiro. Nunca achei justo ficar na saia da mãe.

Aos 17 voltei a trabalhar e quando fiz 18 recebi uma proposta de emprego em um projeto social e cultural, o que me deu condições de pagar minha própria faculdade e pouco depois meu aluguel no Centro de SP. Comecei a morar com o Jaloo, que também trabalhava nesse projeto social e cultural, e ele me incentivou muito a voltar a cantar.

Nunca foi falta de incentivo, incentivo eu acho dentro de casa, minha mãe é a maior fã! Sempre foi.

Independentemente da resposta anterior, hoje você é considerada por diversos veículos como uma das promessa musicais do ano, como é lidar com tanta gente sedenta pelo seu trabalho?

Eu lido muito bem com isso. Como eu disse na segunda pergunta: hoje eu tenho mais firmeza, me entendo melhor e principalmente respeito o meu tempo. Acho demais acreditarem com tanta força no que eu faço e isso de uma certa forma é um combustível pra gente não parar. Sinto que as pessoas que me seguem me entendem, sinto uma troca muito boa.

E quem são os nomes por trás da produção de MC Tha?

Eu ainda não tenho uma equipe de produção. Eu vou me virando! Eu que me visto, eu que respondo e-mail quando é preciso, eu que vendo shows. Eu que componho e faço as melodias de todas as músicas. As minhas parcerias mais frequentes são com os produtores musicais.

O Funk tem ganhado o mundo com nomes como Anitta e Kevinho, e tem tudo pra estourar nas paradas internacionais. Como você vê esse movimento de internacionalização de uma parada que surgiu na periferia?

Eu acho incrível a visibilidade que o Funk vem tendo desde o estouro do Funk Ostentação. Sou da época em que cantávamos para nos divertir, encima de caixote, lage, em garagens. E hoje o Funk se tornou fonte de renda para muitos jovens das periferias e movimenta e emprega muita gente além de MC e DJ. É um estilo musical que sobrevive e se reinventa sozinho. Eu acho massa e o Funk tem que ir pra cima mesmo.

Pra finalizar, qual importância você imagina que tem para as novas gerações aí da sua quebrada, com tantos nomes que conseguiram destaque fazendo música?

Eu acho muito relativo, sabe? Pra alguns eu posso ser a heroína e pra outros só mais uma cantando e tentando dar certo na música. Cada um vai sentir meu trabalho de uma forma e não sou eu que tenho que dizer o que eu represento, sabe? Eu nem tenho noção.

Obrigado Tha! ❤

Se curtiu a entrevista deixe suas palmas! 👏

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Antonia Moreira
Pirata Cultural

Bixa travesty em demolição. Redatora e produtora cultural.