Precisamos falar sobre Democracia

O voto e a Liberdade

Vitória
Pirata Cultural
6 min readOct 23, 2018

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Photo by Rafaela Biazi on Unsplash

"Sejam resolutos em não servir e vocês serão livres" (Étienne de La Boétie)

Poderia colocar praticamente todo o Discurso da Servidão Voluntária (1548) aqui, mas seria tão mera cópia. Impressionante é o quanto Étienne de La Boetié, filósofo e humanista francês do século XVI, consegue fazer sentido ainda hoje, neste século.

Em uma de suas mensagens diz: "Digno de espanto, se bem que vulgaríssimo, e tão doloroso
quanto impressionante, é ver milhões de homens a servir,
miseravelmente curvados ao peso do jugo, esmagados não por uma
força muito grande, mas aparentemente dominados e encantados
apenas pelo nome de um só homem cujo poder não deveria assustá-
los, visto que é um só, e cujas qualidades não deveriam prezar porque
os trata desumana e cruelmente".

E como isso traduz nossos tempos... Uma obra que escrita há séculos, num período diferente do nosso, mas não totalmente, é capaz de se fazer presente.

Chega dos contos de fadas. Preparamos nossa prisão. Nossa democracia é trôpega, nossa liberdade está sempre à margem; é um quadro torto, está sempre pendendo, quase caindo.

É assombroso os casos de violência envolvendo apoiadores do candidato à presidência do Brasil, Bolsonaro.

Um homem em Salvador é assassinado à 12 facadas por dizer que votou em determinado partido político. Bolsonaro diz que não se responsabiliza pelo "excesso" cometido por quem vestiu sua camisa.

Mas a camisa que estampa seu rosto, seu número, seu partido é aquela mesma que estampa suas palavras, que discursam ódio, que sobre seus gestos surtem o efeito sobre seus eleitores, que a vestem, aqueles que compactuam com suas ideias e pensamentos intolerantes. Portanto, há responsabilidade, há influência.

E é tão estranho que só agora, depois de dizer que iria fuzilar a "petralhada" toda do Acre, diz que o voto da pessoa que cometeu o "excesso" não deve ser para ele.
Só agora, depois de ter perdido no Nordeste, cita os nordestinos e até usa chapéu de vaqueiro.

Só agora, que está no 2° turno, tenta agir de forma mais pacificadora. Agora que a possibilidade de ganhar é mais visível, pode dizer que não quer o voto da pessoa, que de cometedor de excessos passou para assassino, porque decerto sabe que a rejeição contra o oponente também é grande e muitas pessoas podem anular o voto ou votar em branco, o que o favorece.

Não é o PT, não é a Esquerda nem a Direita, muito menos a Política. É a pessoa. A violência que acontece com quem discorda de Bolsonaro nada mais é que a prática daquilo que ele verbaliza.

Uma facada foi necessária para a grande mídia cobrir um atentado à democracia. Mas doze facadas foram mais que o suficiente para extirpá-la junto a uma vida. Destruídos pela intolerância, ambos: a vida de um homem, o poder de um povo.

Um fanatismo político que adoeceu o país e que com o passar do tempo agravou a situação. É a Servidão Voluntária, de Étienne de La Boétie.

Parece haver um momento em que as pessoas escolhem enlouquecer e tratar como um deus aquele que sorri, fala com ar imponente e promete a resolução de problemas complexos com propostas simplórias e ineficazes.

Presidir um país é guiá-lo da melhor forma para o bem de todos que o habitam.

Se existe relativização de preconceito, apoio à tortura, descaso com as minorias, influência à violência; não haveria de existir candidatura, pois nada nessa sequência é capaz de fazer um bom presidente nem o que deveria ser política; não é questão de impedir que alguém se candidate, é questão de bom senso, porque é necessário ter a sensatez de compreender o caráter acima de qualquer partido e ideologia.

E ainda há quem diga não saber em quem votar, que está com o "c… na mão". E entendo. Há gente que não quer votar em nenhum dos dois candidatos. Mas neste momento crítico do cenário político brasileiro, me sinto obrigada a escrever a frase clichê da qual não gosto: "Votar no menos pior". Porque neste momento é uma necessidade.

Se você não apoia Haddad ou Bolsonaro, por favor, não anule seu voto nem vote em branco. Isso favorece quem está na frente. E você sabe quem obteve um número expressivo de votos no primeiro turno e está nas pesquisas do segundo, não é mesmo? A escolha é livre, mas por tudo que Bolsonaro diz e representa, não é de se esperar que o país melhore.

Se auto-intitula presidente antes da definição da eleição, diz que não aceita resultado das eleições diferente de sua vitória, ensina crianças a fazer gestos com a mão como se estivessem atirando, não aceita um partido diferente do seu, desvaloriza mulheres, negros e a comunidade LGBT.

Um homem público jamais deveria expressar tanto ódio. Ninguém deveria, mas ao vir de uma pessoa influente, tais ações danificam mais e mais nossa sociedade.

E mesmo assim, diante de tudo isso, se diz cristão. Mas não é de hoje que se é usada a palavra de Deus na política para manipular a população, que vê a religião cristã ameaçada ou desrespeitada mesmo em um Estado laico.

Ora, se é laico não há para quê interferir na religiosidade de ninguém. Temer, pela mão do Estado, o impedimento irreal de uma das maiores, se não a maior, religião do mundo é possuir uma fé frouxa.

Ver na crença dos outros um erro ou pecado ou ameaça às próprias crenças religiosas é, além de manter uma fé abalável, julgar o outro e seu livre arbítrio.

Há pessoas xingando petistas, esquerdistas, nordestinos... Pessoas que inclusive se dizem cristãs fervorosas, e contudo parecem não enxergar o julgamento que fazem.

É como bem diz na própria Bíblia: "E por que reparas tu no argueiro que está no olho do teu irmão, e não vês a trave que está no teu olho?" (Mt. Cap. 7; vers. 3).

Por que vê a escolha política de outros como um erro e não percebe o ato violento que é dizimar uma vida, maltratar e humilhar alguém por não pensar de acordo com aquilo que lhe convém?

Uma jovem de 19 anos foi marcada em Porto Alegre com a suástica (símbolo adotado pelo nazismo) por usar um adesivo #Elenão. Segundo a jovem, na segunda-feira (8), três homens a agrediram com socos e com um canivete, usado para desenhar uma suástica em sua barriga. Ela afirma ter sido abordada por causa de uma mochila com as cores LGBT, uma bandeira do movimento e camiseta com a frase “Ele não” — em referência ao movimento de mulheres contra o candidato à Presidência Jair Bolsonaro (PSL).

À medida em que a vitória de Bolsonaro parece estar mais evidente, se tornar um pouco mais possível, mais atitudes como essa começam a acontecer.

Não é mais sobre partido A ou B, qual o melhor e qual o pior. É a incitação do ódio e a falsa sensação de união por um Brasil melhor; que na verdade é apenas a defesa das opiniões intrincadas de uma parcela da população, que usa a imagem do Cristo desprovido de seus ensinamentos ou macula o senso crítico ao dirigir o foco para o partido político oposto sem analisar ambos os presidenciáveis, ou, ainda, tudo isso junto.

É sobre o medo da tirania, de escolhermos a entrega de nossa liberdade; de dar ao tirano a clava para nos bater, as palavras para nos amedrontar e manipular e nos fazer pensar que estaremos seguros sob a promoção do uso de armas de fogo para nos defender num país violento, que precisa mesmo é de uma melhor educação e oportunidades para essa educação, segurança de verdade, saúde de qualidade e tudo aquilo que sabemos que é necessário.

Portanto, repense a democracia. Não entregue seu poder de escolha à barbárie óbvia de deixar a intolerância presidir o país.

Seja você contra ou a favor do PT, se é contra a violência não escolha a violência, não se entregue aos discursos repetitivos e violentos de ataques contra outros partidos políticos, ataque às minorias, propostas que não demonstram eficácia.

Não troque sua liberdade para servir a uma mente fechada em suas próprias convicções e verdades incontestáveis.

Não adianta não votar. Um deles terá que ser presidente. Anular ou votar em branco é deixar de exercer um direito conquistado depois de tanta luta e ao custo de tantas vidas.

Se você sente que não é capaz de escolher o que quer de melhor para o Brasil nesta eleição, não escolha o pior, seja de forma direta ou indireta. Não deixe de exercer seu direito, pois é a sua liberdade e a de todo o povo brasileiro que está em risco. E caso venha a se concretizar os males que tememos com a eleição de Bolsonaro, você que se absteve será tão culpado quanto aquele que votou diretamente nele.

#EleNão

Obrigada por ler.

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Vitória
Pirata Cultural

Algumas coisas eu escrevi e agora nem eu mesma entendo (Este perfil está aposentado por tempo indeterminado)