Racismo x Racismo inverso

Por que não me importo que me chamem de branquela

Vitória
Pirata Cultural
6 min readSep 17, 2018

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Para ser sincera, não sei ao certo como começar, de fato, este texto. Mas há um tempo ouvi a expressão “racismo inverso” e encontrei na internet comentários de gente que dizia conhecer grupos formados por pessoas negras que se dedicavam a atacar pessoas brancas. E isso serviu de demonstração para elucidar a existência de um racismo às avessas.

Entretanto, o problema dessa questão é considerar a própria questão como verdadeiramente presente em nossa sociedade. Ao colocar como racistas as atitudes tais como chamar um branco de “branquelo”, “palmito”, “branco leite”, etc, entende-se por racismo todo e qualquer preconceito e discriminação relacionados à cor da pele, independente de etnia.

Cria-se, portanto, a ideia de racismos: aquele que sempre existiu (um grupo agindo contra uma minoria) e aquele formado por essa minoria. Contudo é falho dividir esse problema; trata-se não apenas de preconceito e discriminação, mas de um problema social de bases históricas.

Pelo o que encontrei, o racismo contra pessoas não-negras se baseia no destaque dado de maneira pejorativa a uma característica física. Dessa forma estaria calcado sob um ponto de vista superficial do que seria uma atitude racista. Pois uma atitude ofensiva nem sempre é racista, porém toda atividade racista é uma grande ofensa.

O que se tem nesses exemplos de racismo reverso são ofensas ou insultos que partem de um caso muito particular, sem um contexto histórico definido para o surgimento de preconceitos raciais nesse sentido, diferentemente do racismo real no Brasil, cuja origem revela um problema estruturado, desde a escravidão, quando negros foram trazidos de seus países por navios negreiros em condições precárias, até os dias de hoje, em que o preconceito racial e a discriminação mostram suas raízes.

A grande diferença entre o racismo e o racismo inverso está na História. Uma pessoa branca não sofre pelos mesmos insultos que uma negra porque não são os mesmos nem são equivalentes. Insultar alguém (levando em consideração a etnia) que pertence a um grupo historicamente detentor do poder é diferente de ofender aquele ou aquela que faz parte de um grupo de pessoas cujos antepassados foram explorados durante séculos e continuaram com seus direitos limitados mesmo depois da abolição da escravatura.

O agir preconceituosamente em relação a um ser humano o qual teve por tanto tempo suas origens reduzidas a uma classe inferior afeta a todos que pertencem a esse grupo, de forma que não apenas uma delas sentem o peso dessa ação. Resumindo: ao falar de um, fala-se de todos.

O racismo ultrapassa a barreira de um “insulto comum”, ele é capaz de destruir a cultura de um povo, suas religiões, suas músicas e a natureza de sua beleza.

‘Teste de imagens’ com profissionais de RH mostra que racismo institucional existe SIM (Razões para Acreditar)

Um exemplo comum é o significado da palavra “macumba”, um instrumento musical, porém tido como uma feitiçaria ou bruxaria. Expressões usadas até sem perceber e outras de má fé mesmo. Associações aos negros, como o cabelo ruim, menos inteligência, entre outros, pululam na mente e orientam a conduta de várias pessoas.

Ao dizer que uma mulher negra “é negra, mas é bonita”, tem-se a ideia de que essas mulheres são normalmente feias. Quando traços finos são o motivo para esse “elogio”, há uma associação às mulheres brancas. E esse foi apenas um exemplo do preconceito que o racismo revela; algo que também se aplica aos homens.

Para entender que o racismo inverso não existe, basta lembrar de situações reais de racismo e fazer um comparativo.

Em 20 de abril de 2018 uma professora da faculdade Cásper Libero foi desligada de sua função após denúncias de estudantes.

Ela teria dito que “Quando fui para a Croácia fazer uma especialização, as pessoas de lá acharam que eu era mulata por ser brasileira. Mas, quando cheguei, eles ficaram desapontados porque eu era ‘normal’”, além de “Eu achei que só tivesse preto na Nigéria”.

Em conversa com alunos que se sentiram ofendidos, teria justificado a inexistência de racismo no Brasil com os dizeres: “a Faculdade Cásper Líbero tem muitos alunos negros e conta com alguns professores negros também”.

E o pior, uma das alunas relatou que a professora tentou tocar em seu cabelo por sempre ter tido o desejo de tocar no cabelo de um negro. É desagradável; principalmente e obviamente para a pessoa que passou por esse constrangimento.

Agora, quantas pessoas brancas tiveram que ouvir esse tipo de coisa de alguém?

Sobre a primeira frase dita pela professora, vê-se o quanto ser branco é considerado normal, como se fosse o padrão. Quanto à segunda delas, não há sentido em achar que só existe preto na Nigéria, não consigo encontrar um contexto em que isso se encaixe e faça sentido.

Além do mais, justificar que o racismo não existe com o exemplo de uma instituição de ensino que possui muitos alunos e alguns professores negros é limitar as questões raciais a um só ponto, fechando os olhos para o que esxiste ao redor.

Há um mundo além disso. E esse lugar é aqui. Isso parece tão óbvio; e é tão óbvio que precisa ser dito. Mais de 50% da população brasileira é negra, dentre elas pouquíssimas são representadas na mídia em relação às pessoas brancas, negros têm menos acesso à educação, adoencem e morrem mais cedo, mulheres negras têm maior probabilidade de serem violentadas e mortas, pessoas negras representam a maior parcela do povo pobre do país e constituem a maior parte da população carcerária.

Há pouca representatividade, pouca visibilidade e acesso à educação de qualidade, muita pobreza e violência.

Não me importo de ser chamada de branquela, palmito ou seja lá qual for o adjetivo que tenha por objetivo ofender minha cor, porque não precisei lidar tão cedo com questões raciais, pois nunca me senti afetada de forma negativa na sociedade por ser branca.

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Apesar de ofensivo, tais adjetivações nunca me causaram danos ao ponto de ser mal atendida em um shopping quando estava na companhia de minha amiga branca, como aconteceu com minha irmã e sua amiga negra. Nessa situação, quem foi mal atendida? A amiga de minha irmã, que ficou em segundo plano.

O racismo reverso é o resultado de uma reflexão pouco ou nada aprofundada em considerar o meio como uma estrutura, e o racismo é o produto de um mundo construido sobre o descaso com a vida humana, sobre a falta de inclusão e respeito às diferenças.

Quando se imagina que pessoas foram trazidas em condições subhumanas para um lugar desconhecido para servirem de escravas e serem tratadas como bicho, torturadas, obrigas a aceitar sua cultura sendo dissolvida e modificada por outro povo, não cabe entender o racismo como um mero insulto.

O preconceito e a discriminação racial contra negros são originados desse conjunto de fatores históricos que desenvolveram o racismo em nossa sociedade. Por isso “branquelo” e “macaco” não são equiparáveis. Ambos podem ser muitos ofensivos, mas um deles é fruto de um verdadeiro desprezo pela vida humana.

É necessário modificar o pensamento limitado do significado de raça, para não acharmos normal que ser branco é um padrão. Para uma vida social útil, todos precisam contribuir. E para as pessoas brancas que me lêem agora tenho a dizer que apenas falarmos “eu não sou racista” é uma maneira muito fácil de nos livrarmos da culpa; incentivar, da melhor forma que puder, outras pessoas a refletirem sobre racismo e sobre raça, inclusive sobre nós, em como podemos contribuir para um mundo mais inclusivo, é deveras importante. Sejamos antes de tudo anti-racistas.

Obrigada por ler.

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Vitória
Pirata Cultural

Algumas coisas eu escrevi e agora nem eu mesma entendo (Este perfil está aposentado por tempo indeterminado)