Teríamos nós medo do amor?

Sandro Aragão
Pirata Cultural
Published in
7 min readAug 28, 2019

“Todo mundo” quer um parceiro, mas quando ele aparece, geralmente, ninguém quer permanecer.

No início do ano eu tive uma conversa com um rapaz, que vinha conhecendo, sobre relações amorosas. Em um de nossos diálogos ele me fez pensar em algumas questões que irei, depois de muitos meses, finalmente expor aqui. Segue um trecho do diálogo que tivemos:

“Essa reciprocidade (que vai além de gostos em comum e transa que encaixa) anda sendo um artigo raro, pois as relações estão muito descartáveis hoje em dia. Não é isso que quero pra mim. Inclusive, por isso tô há tanto tempo solteiro. Mas você tem me feito pensar bastante… Te conhecer tem sido muito bom pra mim também.

Portanto, nada de medos! Vamos deixar rolar.”

Photo by Toimetaja tõlkebüroo on Unsplash

Da mensagem de R., o que mais me prendeu foi o final, onde ele fala para não termos medo e deixar que a relação se desenvolvesse sem receios por nossa parte. Acredito que esse fragmento tenha me tomado mais por me trazer à lembrança algumas de minhas tentativas afetivas entre o meu primeiro e segundo namoro. Elas, as tentativas, foram todas permeadas pelo medo. Recordo de querer me rever apaixonado por alguém, de construir algo, mas quando esse alguém aparecia eu sabotava a relação sem nem mesmo perceber. Foram muitas sessões de terapia conversando sobre essa dificuldade de voltar a me permitir gostar de alguém, de voltar a me permitir ser gostado por outra pessoa. Não sei se esse medo nasceu pelo caos que foi o término e o pós-término da minha primeira relação, por eu ter dificuldade em dar e receber afeto ou pelas referências afetivas que tenho dentro de casa.

Hoje, depois de tanto falar sobre o assunto, me sinto mais aberto para sentir. Porém, apesar de saber lidar melhor com as minhas sensações, ainda não sei dizer de forma objetiva o que suscita esse sentimento. Inclusive, na mesma época, antes mesmo de R. falar sobre esse assunto comigo, fiz a seguinte postagem no Twitter : “dá medo gostar de alguém, né?”. Eu não estava falando do medo que nos paralisa e nos faz fugir, mas sim sobre um medo que vem junto com o novo, com o surgimento de um sentimento no nosso peito que ainda não conhecemos. Esse medo é comum, agora quando junto vem o desejo de fuga, é porque algo não está certo na forma como construímos nossas relações amorosas.

Nesse sentido, a gente pode entrar no que eu realmente quero colocar aqui: vejo sempre amigos/conhecidos falarem sobre o desejo de ter um amor, de construir uma relação, mas quando esse alguém aparece a primeira ação é querer deixar de estar com a pessoa. Como já disse, eu também já passei muito por essa situação — e às vezes ainda passo — , mas o que mais me espanta é não conseguir discorrer de forma clara sobre esse sentimento que aparece frente a “qualquer” um que se mostre simpático a caminhar junto com a gente. Quando isso ocorre, a pergunta que imediatamente me faço é: se está fugindo exatamente do que?

Lembro que depois de relatar diversas vezes essas experiências à minha psicóloga, ela me me fez o seguinte questionamento: Sandro, você gosta de sofrer? Obviamente, disse que não. Mas essa pergunta me gerou uma série de reflexões que ecoam até hoje. Por exemplo: já me questionei diversas vezes se a dor da impossibilidade que as vezes me coloco ao construir algo com alguém não me gera algum tipo de prazer. Já me questionei também se não tem a ver com o fato de acreditar que o amor não foi feito para mim, como se alguns fossem merecedores e outros não. Outra questão que paira às minhas reflexões é se, por algum motivo, eu tenho medo do amor, de construir efetivamente algo sólido e duradouro com alguém — nesse trecho, leia no plural, pois as vezes acredito ser um sentimento coletivo.

Quanto a esse medo, cabe dizer, me lembra uma postagem recente que li no Twitter: “cultura gay é você não estabelecer uma relação com alguém por estar sempre achando que irá encontrar alguém melhor e mais interessante”. Durante muito tempo esse foi um pensamento que se passou pela minha cabeça. Inclusive, parte da motivação do meu primeiro término se deu por conta disso. Mas hoje, um pouco mais velho, fico pensando se essa ideia de estar sempre a espera de “alguém mais interessante” não seja apenas uma forma de camuflar o nosso medo de escolher alguém (porque amar/estar com alguém, antes de qualquer coisa, é uma escolha). Existe, claro, outra leitura — ou uma complementação da primeira — : a ideia de que estar a espera de “alguém melhor” pode se aliar ao pensamento capitalista, já que se deseja consumir sempre o melhor produto (pessoa) do mercado, fazendo com que a construção das relações, bem como as pessoas com quem nos envolvemos, sejam vistas como mercadorias. Não atoa, vira e meche ouvimos a clássica frase (quando não somos nós mesmos quem falamos): “eu estou investindo nessa relação/pessoa”. A palavra “investimento” não aparece nessas situações por acaso. Na verdade ela só confirma a questão do afeto na relação ficar, de alguma forma, em segundo plano, colocando como mais importante o “valor” do individuo a quem se está investindo “afetivamente” (seja lá qual for a régua que mede esse valor). O problema de se criar essa equidade entre relação afetiva e produto é que os sentimentos e as pessoas não têm como ser, e não são, mercadorias. Essa pessoa “melhor”, ou perfeita (o conceito de perfeição é outra questão problemática, mas não entraremos nele), de acordo com esse olhar contaminado pelo capitalismo, nunca vai existir, pois não temos como configurar nosso futuro parceiro, assim como a relação, para que não dê “defeitos”, que não traga problemas — inclusive, as vezes acho que parte da dificuldade que se tem de lidar com conflitos nas relação amorosas venha desse olhar, já que vejo muitos dos meus amigos/conhecidos “descartarem” seus parceiros/suas parceiras logo no primeiro desentendimento, no primeiro “defeito”.

Outra relação que fiz referente a esse “medo de amar” foi com a série brasileira “Do amor”, em que no episódio final o antagonista diz o seguinte: “não fiquei junto contigo porque eu achava que o amor estava fora de moda”. Lembro que na época essa frase foi muito impactante para mim, pois eu estava em um processo difícil de entender o meu funcionamento dentro das relações afetivas. Mas hoje, mais do que a relação com minha lembrança, penso que é interessante me/se perguntar: o que é o amor estar fora de moda? E não estou pensando no clichêzão de “ninguém quer amar” ou “ninguém sabe amar”, mas sim no fato que a afirmação desse personagem vai de encontro com um sentimento que é coletivo quanto ao amor/quanto a escolher estar com alguém. Ou seja, o quão disposto estamos para estar com uma outra pessoa? Qual é o valor que essa construção afetiva tem hoje? E qual é a imagem que temos dessa construção junto a ponto de nos causar medo, insegurança ou qualquer sentimento que vá nessa direção?

É claro que, quando coloco essas questões dessa forma, tenho ciência que estou, de alguma forma, generalizando. Ainda mais quando pomos na mesa as diferentes formas de como cada individuo se constituiu afetivamente — digo isso porque imagino que boa parte da minha dificuldade de estar com alguém se refira a forma arranhada de como se dá o afeto entre meu pai e minha mãe. Porém, quando penso nisso, percebo que até aí ressurge a figura do medo, pois quando penso que não quero amar alguém da mesma forma como eles se amam, ou não quero estar com alguém da mesma forma que eles estão juntos, é também o receio de ver no reflexo do meu amor a relação deles. Nesse sentido, pode haver sim uma sensação frente a construção do amor que é geracional, da nossa época, mas sei que não podemos deixar de lado as experiências individuais que nos atravessam nesse processo.

Obviamente também não há como chegar a uma conclusão referente a esse assunto com esse texto, e nem é essa a minha intenção. Eu também acho que o texto acabou ficando um pouco confuso, já que eu traço muitos caminhos para tentar pensar sobre o tema. Porém, meu objetivo, além de me pôr em um lugar de criticidade quanto a forma como eu sinto e me relaciono afetivamente com outras pessoas, é causar reflexões e fomentar um canal de diálogo quanto a esse medo que me parece coletivo — eu amo conversar sobre relações humanas, principalmente as de afeto— . Então se você quiser compartilhar suas experiências nos comentários ou seus pensamentos, se sinta à vontade.

Enfim, você tem medo de amar?

Essa conversa me lembrou uma música da Letrux:

Amoruim

Existe amor
Depois do amor
Resiste o amor
Depois do horror

Até o amor ser bom, ele é tão ruim
Tão ruim

Teu corpo aqui do meu lado
Maior que o meu cobertor
Não é o monstro que eu acho
É… salvador

Gostou desse texto? Deixe suas palmas aqui (elas vão de 1 a 50).
Siga a Pirata Cultural aqui no Medium e acompanhe os autores!
Se quiser escrever com a gente, só clicar
aqui

--

--

Sandro Aragão
Pirata Cultural

Professor de Língua Portuguesa, doutorando em Teoria Literária, fotógrafo e mais algumas coisas que não dá para dizer em 160 caracteres.