Por que ‘Dynasty’ é uma bela representação do governo Trump — e é tão ruim quanto

Nova série da Netflix, do mesmo criador de The O.C. e Gossip Girl, traz novas matizes na representação da vida dos ricos e famosos — mas infelizmente não é tão bom

PITACO NOVO
PITACO NOVO
5 min readFeb 14, 2018

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Dynasty é uma série da The CW, que também está no canal de streaming Netflix. A temporada atual tem 22 episódios, um a cada semana (Imagem: Divulgação)

Por Valsui Júnior

Fui um adolescente que cresceu assistindo The O.C. e Gossip Girl. Lá por meados dos anos 2000, é certo que não assistia nenhuma dessas séries para problematizar. Mais me divertia com o entretenimento dos imbróglios em meio às piscinas e praias de Orange County ou com o início da era de blogueirinhas na alta Manhattan do que pensava mais a fundo sobre o assunto.

Olhando para o passado, vejo que cada uma dessas séries foram bastante representativas de suas respectivas épocas, seja sobre a superficialidade da alta sociedade da costa oeste em meio a uma montanha de reality shows de jovens sarados e garotas anoréxicas, ou sobre o começo da popularização da internet entre os jovens, no caso de Gossip Girl.

Josh Schwartz, também criador da série do Netflix ‘Dynasty’, que estreou no segundo semestre do ano passado, é um verdadeiro campeão em mostrar esses aspectos da alta sociedade estadunidense em forma de ‘novelinhas’ que chamam a atenção. O caso de Dynasty não é diferente.

A série, já no seu episódio-piloto, começa com uma verdadeira isca: uma narração sobre o quanto os Estados Unidos da América são influenciados por “dinastias”, como a de Donald Trump, o presidente eleito em dezembro do ano retrasado. Essa justificativa, por si só, traz muito do conteúdo que Schwartz gostaria de passar: sobre uma América que é feita de milionários e herdeiros de companhias que consomem uma boa fatia do mercado e que são invencíveis, graças ao dinheiro.

A parte da problemática do sistema capitalista que é inerente não só a esta, mas a todas as séries de Josh, tentei acompanhar a série, com um misto de nostalgia de ver minhas séries adolescentes e um pouco de curiosidade para tentar ver com outros olhos.

Ao contrário de Gossip Girl, por exemplo, que tinha pouca ou quase nenhuma representação de outras etnias (tirando o caso da Vanessa, que foi uma das personagens mais proeminentes na série), em Dynasty usaram e abusaram de representações.

(Só uma pausa bem importante: Dynasty nasceu como um reboot de uma outra novela estadunidense de 1981–1989 criada por Richard e Esther Shapiro e produzida por Aaron Spelling, de Charlie’s Angels e a primeira versão de 90210. A série era estrelada por John Forsythe e Linda Evans.)

Pois bem. Assim como a sua predecessora, a série de Josh Schwartz conta a história da rica família Carrington, cujo o pai, Blake (Grant Show) é dono de uma absurda companhia energética. Blake tem dois filhos, Fallon (Elizabeth Gillies), uma ambiciosa jovem que quer abocanhar boa parte da empresa da família — e que, vamos combinar, é a nova versão mais empoderada da Blair de Gossip Girl — e Steven, o filho gay que é um ativista a favor de causas humanitárias nas horas vagas.

A estória se desenrola quando Blake decide se casar com a public relations da sua empresa, a venezuelana Cristal Flores (Nathalie Kelley) — que é um nome bem genérico para alguém latino-americano, mas segue o baile. Com um passado bem obscuro, Cristal traz consigo também o seu sobrinho, o também gay (uau, representatividade) Sammy Jo (Rafael de la Fuente).

Nisso, Blake resolve garantir para a sua atual esposa, Cristal, a sociedade da empresa bilionária, deixando a filha Fallon de lado, que fica furiosa e começa a ter uma rixa com a madrasta — bem, bem, bem típico. Fallon então se desilude com a ideia de ter a empresa da família para si e começa outra sociedade com o Jeff Colby (Sam Adegoke), irmão da sua melhor amiga, Monica Colby (Wakeema Hollis), ambos, pasmem, afro-americanos (UAU, REPRESENTAÇÃO).

Esse era o casting de Dynasty dos anos 80. Novelão 100% white people. (Imagem: Divulgação)

Nesse meio tempo, a Fallon ainda pegava o seu chaffeur (quão típico é isto?), o também afro-americano (really?) Michael Culhane (Robert Christopher Riller) — um nome sexy para um homem sexy.

Enfim, em uma época em que representatividade é o que mais está em pauta, principalmente nas produções audiovisuais, ter dois personagens latino-americanos, dois personagens gays e três personagens afro-americanos, o Josh Schwartz não fez mais do que sua obrigação, linda.

(SEGURA A LEITURA AQUI QUE AGORA VEM SPOILERS!)

Tudo lindo, tudo maravilhoso. Tirando a parte da rixa da Fallon com a Cristal — afinal, para que sororidade, não é mesmo? — que é resolvida ao longo dos dez primeiros episódios, a coisa começa a complicar mais tarde.

Vamos começar com o Steven, o filho gay com um papel tão pombo que quase chega a ser secundário. Na série original, o pai de Steven teve um verdadeiro hard time tendo de lidar com a orientação sexual do filho. Em 2017, os tempos são outros, e essa não é mais uma questão.

No entanto, ao longo desses doze primeiros episódios, são TANTOS os problemas que Steven teve de enfrente que fica difícil dizer se ele é realmente um personagem feliz: o vício em dorgas, o problema amoroso, o pai que não quer que o filho faça o que ele quer fazer. É aquela máxima, né? Coloca representatividade, mas o gay não pode ser feliz em nenhum instante.

Beleza. Vamos falar da Cristal Flores e do seu sobrinho, Sammy Jo. Dois personagens latino-americanos que vieram da Venezuela e estão envolvidos em um cartel de drogas da família. Acho que não preciso falar mais nada.

Agora, vamos para o ponto principal, o que me deixou absurdamente incomodado nos últimos episódios lançados pela Netflix. O romance que se desenrolou entre a Fallon Carrington e o Jeff Colby, ambos sócios da mesma empresa e que culminou, no final do 12o. episódio, saber que tanto Jeff quanto a sua irmã, Monica, são cúmplices de uma armação para sabotar os Carrington. Ou seja, pleno 2017/2018 e temos aqui MAIS uma história em que os únicos personagens afro-americanos são os vilões.

Disappointed, but not surprised.

(UFA! PRONTO, PODE VOLTAR À LEITURA)

Moral da história: temos aqui, meus caros, uma série que muito bem representa os Estados Unidos da América desse final de década — um tanto voltado para pautas que acolham as minorias, como a representatividade feminina, LGBT e racial, porém que não se aproxima do cerne da questão, que é justamente COMO essa representatividade é relativizada em meio ao competitivo sistema capitalista.

Josh Schwartz continua muito atento às tendências do momento, isto é um fato. Porém, é difícil dizer, até os últimos episódios que foram lançados dessa primeira temporada, se os erros da série são uma sátira ou uma má representação mesmo. A gente torce para que seja a primeira opção.

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