Caminhos para o feminismo na curva do sorriso de Monalisa

Andressa Machado
Pitaco
4 min readJun 21, 2018

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Entre 2003 e 2018 existem 15 anos de distanciamento e já notamos diversas mudanças em movimentos sociais, como aqueles que lutam por igualdade de gênero. Agora imagine a diferença entre 1953 e 2003: o cálculo fechou em 50 anos, certo? Exercite a matemática mais uma vez, agora de 1953 a 2018: são 65 anos. Estar a par do hiato entre esses anos é necessário para poder mergulhar na trama O sorriso de Monalisa (2003) e entender como a proposta do filme, ambientado nos anos 1950, trata de uma pauta que eclodiu na década 1960 e que hoje, em 2018, é uma das grandes bandeiras que buscam a igualdade: o feminismo.

Katherine Watson (Julia Roberts) é uma mulher que ousou ao não seguir o caminho do matrimônio. Com uma educação liberal, formada na Universidade de Berkeley, ela parte para a Nova Inglaterra a caminho da renomada e conservadora Wellesley College para lecionar História da Arte no ano letivo de 1953. Os métodos de ensino de Katherine, considerados heterodoxos pela diretora, confrontam diretamente o plano de ensino da faculdade. Ao introduzir nas aulas obras de arte moderna, como Van Gogh, e ao questionar o que é considerado arte, Katherine impulsiona suas alunas a indagar a si mesmas se aquele modelo de sociedade é o que elas realmente almejam para o futuro.

“Não desconsidere nossas tradições só porque você é subversiva”

Fazendo um paralelo com o presente, ainda é, muitas vezes, no ensino superior que muitas mulheres e meninas têm o primeiro contato ou um maior aprofundamento do que é o feminismo, como ele se aplica e por que é tão necessário. A universidade ocupa um grande papel de transformação social e vai muito além de ser apenas uma transmissora dos saberes que concernem às áreas específicas do conhecimento, como engenharia ou psicologia.

Dirigido por Mike Newell (também diretor de filmes como Donnie Brasco e Harry Potter e o Cálice de Fogo), a história é ambientada na Wellesley College, uma universidade apenas para mulheres (a Wellesley realmente existe e formou mulheres influentes, como Hillary Clinton). Ainda que o filme tenha personagens masculinos com relativo destaque, como o professor de italiano Dominic West (Bill Dunbar), e que parte do enredo seja sobre homens — no caso, sobre como arranjar um marido — a complexidade das personagens femininas construídas pelos roteiristas Lawrence Konner e Mark Rosenthal (responsáveis pelo roteiro de Planeta dos Macacos) torna dispensável a presença dos homens com quem contracenam.

Cada personagem é uma faceta da mudança que acabaria por fazer insurgir com o movimento feminista: Katherine Watson é a personificação da mulher que busca igualdade, e seria a linha de frente do movimento; Joan Brandwyn (Julie Stiles) é a mulher que quer seus direitos, mas, por outro lado, ainda sonha com a concepção da família de sonho americano; Betty Warren (Kirsten Dunst) interpreta o medo da mudança e o apego à tradição de que a mulher deve ser subserviente ao marido; Connie Baker (Ginnifer Goodwin) é a menina de baixa autoestima que teme não encontrar um parceiro; por fim, a personagem de Giselle Levy (Maggie Gyllenhaal) traz à tona as questões da sexualidade feminina e de como o prazer não é unicamente privilégio dos homens.

“Eu acho que há alguma coisa de agressivo nisso. E erótico”

Mesmo que o filme não use a palavra feminismo em nenhum momento, é notório que a construção da personagem de Julia Roberts faz dela uma feminista. Também serve como lembrete de que o movimento transmite a ideia de que as mulheres podem ser quem elas quiserem, incluindo ser dona de casa e que isso não torna a mulher nula, inculta e subserviente ao marido.

“Eu sei exatamente o que estou fazendo e isso não me torna menos inteligente. Você fica na sala de aula e nos diz para olhar além da imagem, mas você não olha. Para você, uma dona de casa é alguém que vendeu a alma para um salão central colonial. Ela não tem profundidade, não tem intelecto, não tem interesse. Você mesma me disse que eu poderia ser o que eu quisesse. E isso (ser dona de casa) é o que quero”.

Se por um lado é difícil de desvendar se o sorriso da verdadeira Monalisa — feita por Leonardo da Vinci por volta de 1500 — retrata felicidade, conformidade ou outro sentimento, o de Katherine — da Monalisa de Mike Newell — revela ser genuíno e de satisfação quando percebe que ela conseguiu acender uma fagulha de mudança nas suas alunas.

Assista ao trailer:

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