Eu odeio espíritos

Camile Belmonte
Pitaco
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3 min readJun 21, 2018

Eu gosto de sentar na grama. A melhor parte da universidade, para mim, é quando acho um momento de calma e fico sentada fazendo absolutamente nada, mas fazendo nada junto com minhas amigas. É como acordar cedo e ir para beira do mar, é o contato com a natureza quando estou tão acostumada com apenas concreto. E, mais que tudo, é a amizade em seu significado mais simbólico.

O sorriso é involuntário ao lembrar de quando eu e minhas amigas, que fiz na faculdade, ficamos uma tarde embaixo de uma árvore na grama do Planetário. Isso já ocorreu tantas vezes, nessa ocasião o assunto era histórias sobrenaturais que tínhamos presenciado ou escutado. Não lembro como chegamos no assunto, apenas sei que minhas mãos suavam, eu me concentrava em como voltaria para casa sozinha depois de ouvir tudo aquilo. Eu odeio histórias que envolvem espíritos, e se eles existem, eu os odeio também. Mas meus ouvidos continuavam atentos, cada detalhe de cada relato era como se eu me afundasse cada vez mais no assunto. Tal tia, tal vó, tal pai, tal amigo… eles tinham visto ou sentido algo muito fora do normal. Coisas que causariam arrepios à qualquer medroso. A tia da minha amiga era a que tinha passado por mais coisas cabulosas. Acordar com marcas avermelhadas de mão na perna depois de sonhar com alguém te puxando de madrugada com certeza não é algo que eu quero passar.

As histórias pareciam mais críveis do que as que eu escutava na televisão ou lia na internet, por terem sido contadas por pessoas próximas a mim. Acreditei plenamente em todas as palavras ditas por elas. E eu, que tinha as minhas próprias histórias para contar, acredito que nenhuma delas questionaram a veracidade dos meus relatos.

O convívio com pessoas nos faz criar vínculos e conexões mentais. No ensino médio, por exemplo, sempre existem grupos que se formam aleatoriamente e continuam inseparáveis. Na faculdade não é diferente, apesar de o grau de responsabilidade ser maior e o tempo bem menor. Isso faz com que os momentos mais simples, como passar uma tarde embaixo de uma árvore na grama, no Planetário, sejam quase uma lavagem espiritual. Mas melhor parar por aqui, de espíritos quero distância.

Desde aquela tarde, toda vez que penso em minhas amigas, individualmente ou juntas, uma imagem de nós sentadas comendo um mini cachorro quente vem a minha cabeça. Como se esse momento fosse registrado em várias fotos, eu as guardo em um álbum no meu palácio mental, técnica milenar de memorização. Lá no palácio que conservo tudo que me arranca risadas e suspiros. As histórias eu já esqueci a maioria, o arrepio não sinto mais, essa parte me recuso a recuperar da memória, prefiro deixá-la quase perfeita, intocável. Só não é melhor por causa das histórias de espíritos, essas eu odeio.

A universidade não é mais apenas o lugar onde estudo, ela se tornou momentos, se tornou a presença das minhas amigas diariamente. E naquela tarde em que contamos coisas cabulosas, a universidade se tornou tudo que envolvia amor, das árvores às formigas, das risadas aos gestos. Sentar na grama já não significava o sentido literal da frase, significava tudo que envolvia elas, minhas gurias. Significava almoçar com elas, as risadas no intervalo, nossos desentendimentos, nossos desabafos, nossos abraços, nossas histórias de terror. Tudo que eu já conhecia, então, assumia um papel completamente diferente, e eu já não conseguia desconectar a faculdade à elas, à grama.

Camile Belmonte

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Camile Belmonte
Pitaco
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Estudante de jornalismo, em constante aprendizado com a natureza e com todas outras belezas que vem com a vida. Gratidão sempre. Namastê 🕉️