REGISTRO

Multiplicidades de linguagens, gerações e vozes: I Encontro de Profissionais da Dança do Amazonas

Pitiú Textual das Artes
Pitiú Textual das Artes
54 min readNov 5, 2022

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Desenho da artista-mestra da Dança Improvisação/Partitura Performativa, Yvonne Meier. Fonte: Perfil da artista no Facebook. Disponível em: https://www.facebook.com/photo/?fbid=10226153290873078&set=a.10203616007855088

O I Encontro dos Profissionais da Dança do Estado do Amazonas teve como característica fundamental uma constelação de saberes e práticas artísticas, em um ambiente compartilhado por corpos-artistas das Danças Populares, das Danças Inclusivas/Integradas — nome em aberto, pois para as (os) membras (os) do Fórum Permanente de Dança do Amazonas ainda não se chegou a uma nomenclatura que contemple a complexidade de quem pratica e pesquisa essa Dança — das Danças Urbanas, das Danças Contemporâneas, das Danças de Salão, das Danças Folclóricas, das Danças Afro-Ameríndias, das Danças Clássicas, do Jazz e da Performance.

Essa primeira edição foi emblemática, pois abriu as portas e janelas — que estavam fechadas há décadas — para diálogos que oportunizaram aos participantes e ouvintes um processo de partilha de saberes e conhecimentos entre artistas pessoas e artistas educadoras (res), que têm a linguagem da dança e do movimento como produção de conhecimento e não somente como entretenimento e hobby.

Além disso, criou-se um ambiente propício e fértil para trocas e compartilhamentos de ideias e vivências — muitas das quais soterradas pela história oficial e hegemônica sobre os fazedores da dança no Amazonas; para hescuta das narrativas de artistas das danças das “quebradas” (denominação feita pelo artista Miguel Maia) e da periferia e dos artistas das danças populares e folclóricas manauaras ; para os relatos das práticas dos artistas autônomos de Manaus — que se autodeclaram independentes, não separam arte/vida e atuam arduamente no dia a dia, de maneira a manter a sobrevivência e dar continuidade ao ofício, com modos de operações criativos e autorias de certa forma contrárias às lógicas do capitalismo financeiro e do neoliberalismo, que só pensam no lucro e estimulam a competividade entre os indivíduos.

O Encontro foi realizado de 8 a 12 de abril de 2022, uma iniciativa do Fórum Permanente de Dança do Amazonas com realização da Secretária de Cultura e Economia Criativa do Estado do Amazonas e do Fórum. Teve como apoiadoras a Universidade do Estado do Amazonas (UEA) e a Stylus Dança de Salão.

O objetivo do Encontro foi propor aos profissionais dos diversos estilos de danças do Amazonas e à comunidade em geral, diálogos e reflexões sobre: arte-conceito, história e identidade da dança no Amazonas; política, economia, cultura de incentivos e educação pela dança no Amazonas; dança no Amazonas: diálogos e ações nos espaços culturais do amazonas; e sobre o X Festival Amazonas de Dança — 2022 (X FAD).

O Encontro foi composto de palestras, palestras performáticas, performances, mesas e grupos temáticos, e teve como palestrantes Jorge Kennedy (professor, coreógrafo e bailarino), Francisco Rider (multiartista independente, pesquisador e educador-artista independente), Francis Baiardi (pesquisadora, professora, coreógrafa e bailarina independente) Waldir Jr. (integrante do Movimento do Folclore e das Artes Populares) e Adriana Barbosa (professora e coreógrafa de Dança — Jazz).

As mesas temáticas (MTs) tiveram como convidados (as): Carmen Arce (Mestra em Letras e Artes/PPGLA-UEA e Profa. da UEA — Curso de Dança), Ângela Araújo (professora e dançarina de Jazz), Ana Mendes (Mestra de Dança Clássica, professora e bailarina), Miguel Maia (dançarino de danças urbanas), Amanda Pinto (Profa. Dra. da UEA — Curso de Dança), Fran Martins (professor e bailarino), Mônica Seffair (professora e bailarina), Mara Pacheco (professora, coreógrafa e bailarina), Kelsin Favacho (educador físico e dançarino), Jayne Kira (bailarina e artista circense), Arlem Jesus (pesquisador de Danças Populares), Simas Zion (bailarina Ballroom) e Marcos Veniciu (Mestre de Dança). As MTs foram mediadas por: Jady Castro (artista da Dança e Circo), Suelen Siqueira (artista da Dança), Magno Fre’sil (artista), Leo Scantbelruy (artista cênico).

O evento também teve as performances dos artistas: Odacy Oliveira, Taynah Lima, B.Boy Pufe98, Isabela Valle, Elizete Mapaeruna Tikuna, Maria Gomes, Jaguar e Tainá Andes.

As Mestras de Cerimônia foram a bailarina Rejane Moreira Vitor e a bailarina e Prof. Dra. Raíssa Costa da UEA — Curso de Dança.

O atual Conselheiro Estadual de Cultura — assento Dança e presidente do Fórum Permanente de Dança do Amazonas, André Durand, e a Mestranda em Sociedade e Cultura na Amazônia, Railda Vitor, fizeram parte do Grupo de Articuladores e Apoiadores do I Encontro dos Profissionais de Dança do Amazonas.

Foi necessário criar um grupo de apoio para contribuir na produção executiva do Encontro, que ficou assim composto: Ana Mendes, André Duran, Francisco Rider, Jady castro, Kelsin Favaro, Leonardo Scantbelruy e Railda Costa.

Programação: narratividades

Mas, o que é um Encontro?

Não é qualquer acontecimento ou somente um entretenimento para e com colegas, amigos, familiares e pares. Contudo, e principalmente, é um momento para reflexão, isto é, um um acontecimento reflexivo, num espaço de encontro (s) que propicia aos (às) artistas-organizadores (as) e aos (às) artistas-participantes uma experiência que, no mínimo, será transformadora e reafeta seus modos de ser com o Outro (Alteridade-Outro), assim como consigo mesmo (a) (Alteridade-Própria). Ou seja, um encontro, no mínimo, deveria ser corporificado e cheio de vísceras, fluxos sanguíneos e vida pulsante.

O I Encontro de Profissionais da Dança do Amazonas teve essa “vibe” e uma espécie de quebra de muitos paradigmas, como, por exemplo, o diálogo/encontro e troca de saberes e conhecimentos entre os fazedores das Danças Periféricas, da Jazz Dance, das Danças contemporâneas, das Danças Afro-Ameríndias, das Danças Performativas e das Danças Populares e Folclóricas, das Danças de Salão e da Ballroom Dance, que certamente nunca tinha sido estimulado em Manaus: cinco dias de reflexões, debates, conflitos e afetos positivos entre essas diferentes corporalidades.

Pode causar estranhamento e surpresa que, em pleno século XXI, um encontro como esse, entre diferentes corporalidades, fosse algo “novo” para Manaus, porém se formos verificar na historiografia da dança amazonense, um evento como esse raramente ou nunca tinha acontecido — vale destacar aqui o projeto Conexão Movimento: Abordagens Corporais (1996-Manaus), de Francisco Rider, que congregou numa mesma noite, no Centro Cultural Chaminé, bailarinos/dançarinos de grupos e cias de Manaus, dançarinos de danças folclóricas, praticantes de artes marciais, capoeiristas, terapias corporais alternativas, dança contemporânea, Somáticos, Contact Improvisation e Improvisação.

Folder do projeto independente Conexões Movimento: abordagens corporais, de Francisco Rider. Manaus, 1996. Fonte: Acervo do artista.

Assim, quem esteve presente nos cinco dias de programação (08 a 12/04) do I Encontro poderá narrar quão ricas foram as trocas que ocorreram no percurso; quantas potentes discussões foram feitas e quantas questões nutriram outras lógicas de se pensar e cobrar, por exemplo, a presença do Estado no fomento de políticas públicas para a linguagem da dança e das artes.

Além disso, o Encontro foi construido, conceitualizado e organizado por fazedores-artistas, com suas diferenças poéticas ou modos de operação. Todavia, o importante foi que as narratividades presentes na programação de cada dia foram respeitadas e (h)escutadas atentamente. E todos (as) sabemos que nem sempre queremos falar sobre determinados paradigmas que estão “soterrados”, invisibilizados e que são tabus; porém, se quisermos construir alguma renovação, é preciso muita maturidade e muito trabalho a favor do coletivo.

Ninguém precisa “aceitar” o que o Outro propõe ou pensa; contudo, a energia que perdurou durante todo os cinco dias de realização do I Encontro de Profissionais da dança do Amazonas foi a de abertura e de alegria, em prol de um bem comum.

A seguir, veremos as narratividades da programação do Encontro.

Dia 08/04/2022 (sexta-feira)
ARTE CONCEITO, HISTÓRIA E IDENTIDADE DA DANÇA NO AMAZONAS. Das 18 às 22h. Centro Cultural Palácio Rio Negro.

A Mestra de Cerimônia, a acadêmica do curso de Dança da UEA, Rejane Moreira Vitor anunciou a abertura do Encontro, seguida das falas da arte educadora e bailarina Ana Mendes (representante da Câmara Alta do Fórum); do Conselheiro Estadual de Cultura — assento Dança e Presidente do Fórum Permanente de Dança do Amazonas, André Duran; e da representante da SEC-AM, Sra. Tina (Diretoria de Eventos).

“Caras e caros, é uma honra ter sido indicada para representar o Fórum Permanente de Dança do Amazonas no I Encontro de Profissionais da Dança do Amazonas. Como artista e arte educadora, acho muito importante participar de um evento que pensa e respeita o coletivo e sua diversidade. Só assim poderemos construir algo que se pensa no ganho do coletivo. Estou envolvida na comunidade artística manauara há mais de quatro décadas, e é a primeira vez que vejo um encontro como esse se concretizando, com isso beneficiando a todos e todas profissionais das danças do Amazonas. Portanto, fazer parte dessa iniciativa artística cultural só me fez e faz acreditar que a união de fato faz a força. Agradeço à SEC e ao Fórum de Dança pela realização, e a todos que direta ou indiretamente contribuíram para que nosso Encontro se concretizasse”, declarou Ana Mendes.

Logo em seguida foi realizada a Palestra 1, com a bailarina, coreógrafa, advogada e estudante de Psicologia, Adriana Barbosa:

“Comecei meus estudos de dança aos 4 anos com o MESTRE Arnaldo Peduto, em que aprendi a gostar de musical e me dedicar aos estudos do jazz dance. Estudei com nomes grandiosos do jazz, como Roseli Rodrigues e Erika Novachi, em São Paulo. Fui da Diretoria Artística do Centro de Movimento ARNALDO Peduto, com o qual fui premiada como coreógrafa em vários Festivais, como o festival de Dança de Joinville.”.

Desenho da artista-mestra da Dança Improvisação/Partitura Performativa, Yvonne Meier. Fonte: Perfil da artista no Facebook.

Em relação à dança em Manaus, no período em que Arnaldo Peduto veio para a capital amazonense, na década de 1970, a pesquisadora Ítala Clay (2010, p. 23), comenta:

“Já no início da década de 70, Adair de Palma (artista que atuou como bailarino do Theatro Municipal do Rio de Janeiro) abre uma escola de dança na Associação dos Sargentos da Amazônia (ASA), ministrando balé, danças folclóricas e jazz. No entanto, a escola somente funcionará por alguns anos. Em 1978, o professor se muda para a capital do Estado de Rondônia […] Em 1976, José Rezende implanta uma academia de ballet clássico em Manaus e será o responsável pela formação de diversos bailarinos […]. […] Um pouco depois, o carioca Arnaldo Peduto abrirá uma academia de Jazz e será o responsável pela propagação do gênero nesta cidade”.

Barbosa, com sua beleza madura e elegância física, fez uma palestra envolta de clareza e de plenitude, especialmente ao dizer que a dança em sua vida serve como uma espécie de terapia, um momento de prazer. E que a dança a tirou da depressão. Citou vários autores e pesquisadores, como por exemplo Nilse da Silveira, que a inspiram nos seus estudos entre Psicologia/Dança/Movimento.

Em dado momento Adriana disse que “não é pesquisadora”, ao que a maioria presente na plenária não concordou, visto que o que ela apresentou em sua palestra nos mostrou que ela é, sim, pesquisadora, pois o que nos ministrou foi embebido de conceitos, metodologia, referenciais teóricos e diálogo com autores, e, acima de tudo, sua pesquisa em dança estava registrada e perceptível no seu corpo.

Mas, sua instigante palestra nos provocou as seguintes inquietações: é preciso estar no ambiente acadêmico e ser acadêmico para ser pesquisadora? O que é uma pesquisa? O que a (o) artista faz, fora do ambiente acadêmico, não é pesquisa?

Após a Palestra 1, com Barbosa, tivemos a Mesa Temática 1: História da Dança do Amazonas e seus precursores: trajetórias, linguagens e processos criativos do fazer arte no Amazonas, composta pelas convidadas Ana Mendes, Ângela Araújo e Carmen Arce.

Desenho da artista-mestra da Dança Improvisação/Partitura Performativa, Yvonne Meier. Fonte: Perfil da artista no Facebook.

Leo Scantbelruy, artista mediador da mesa, apresentou Ana Mendes:

“Ana Mendes foi bailarina do emblemático Grupo Dançaviva, no final dos anos 1970 e início dos anos 1980. Como bailarina, fez parte do início do Corpo de Dança do Amazonas (CDA). É formada em Educação Física pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e em Pedagogia. Especialista e Mestra em balé clássico, dança moderna, modern jazz, Dança teatro, Dança educação e música e movimento. Delegada no Conselho Brasileiro da Dança — Representante do Amazonas. Idealizadora da Mostra de Dança de Manaus (MODAMA). Participação em júri: Carnaval, Festival Folclórico, Ciranda, Festival Internacional de Dança, Dança Pará e Bento em Dança Festival”.

Mendes relatou suas vivências no Dançaviva (grupo de dança criado e dirigido pela coreógrafa e educadora Conceição Souza) e no Simetria Norte (grupo de dança criado e dirigido pela cantora e atriz Ednelza Sahdo), e principalmente narrou suas experiências como mestra de dança em diversos bairros de Manaus, sendo uma das mais importantes educadoras da linguagem da dança na cidade de Manaus. Ainda mencionou suas andanças pelos interiores do Amazonas, onde ministrou aulas de dança para a população.

Uma das experiências mais ricas vividas por Mendes, segundo ela, foi ter feito parte do projeto Dança Escola — um projeto artístico cultural nos anos 1980 criado pelo artista plástico Sérgio Cardoso, que na época era o coordenador da Coordenadoria de Assuntos Culturais (CAC) da SEDUC, que promovia o incentivo à arte estudantil e amadora (XAVIER, 2002).

Ângela Araújo foi dançarina de Jazz Dance e, assim como Barbosa, também discípula do Arnaldo Peduto, desde os anos 1970. Hoje em dia ela dirige o Studio de Dança Alca, dedicado ao ensino de dança para crianças, jovens e adultos (baby class, balé clássico, alongamento, jazz dance & lyrico). Narrou que tudo que sabe é fruto das experiências e vivências com seu professor de Jazz, Peduto.

Desenho da artista-mestra da Dança Improvisação/Partitura Performativa, Yvonne Meier. Fonte: Perfil da artista no Facebook.

A última a narrar nessa mesa temática foi a professora do curso de Dança da ESAT/UEA, Carmen Arce, que é doutoranda em Dança — Universidade Federal da Bahia / UFBA e Mestra em Letras e Artes pelo Programa de Pós-Graduação da UEA / PPGLA. Arce participou de companhias de dança de Manaus, como: Garra (Arnaldo Peduto) Renascença (Jorge Kennedy), Simetria Norte (Ednelza Sahdo), Gedam (Conceição Souza), Jurupari (Adalto Xavier), entre outras.

Arce narrou que começou dança com Arnaldo Peduto e também com Ângela Araújo. E que, a certa altura, falaram para ela, “Ou você dança ou você estuda”. E Arce escolheu estudar. A professora de dança relatou que um dia foi assistir a um espetáculo do Arnaldo Peduto, ficou encantada e foi atrás das aulas desse professor. Outra criação que também a impressionou foi o trabalho coreográfico de Jorge Kennedy em “Mulheres de Pequin”, espetáculo de cujo elenco mais tarde ela foi integrante.

Desenho da artista-mestra da Dança Improvisação/Partitura Performativa, Yvonne Meier. Fonte: Perfil da artista no Facebook.

Na cidade de Manaus, nos anos 1970, em se tratando da linguagem da dança, ainda não havia ecos e reverberações da dança moderna e pós-moderna norte-americana e da dança-teatro alemã, seja nos corpos dançantes ou nas poéticas cênicas. O investimento e o conhecimento sobre essa linguagem eram basicamente nas técnicas da dança clássica e do jazz. E, no Amazonas, a dança enquanto linguagem cênica só adquire estímulo a partir da década de 1970, quando o bailarino clássico amazonense José Rezende retorna para Manaus, fundando a Academia de Ballet Clássico José Rezende, em 1971. Nessa década, a produção de dança era feita somente por academias, como a do Arnaldo Peduto. Essa condição permaneceu durante anos e foi somente rompida em 1981, com a criação do Grupo Dançaviva, da bailarina e coreógrafa Conceição Souza, aluna do mestre Rezende. A partir desse momento, apareceriam grupos independentes com pretensões de se tornar profissionais (XAVIER, 2002).

Mas, ainda com o treinamento dos bailarinos muito focado no balé clássico, isto é, o corpo ainda não tinha expandido seu campo perceptível, pois o padrão de beleza e o modo de ser/estar no espaço/tempo cênico era representacional, em que o bailarino representava personagens líricos ou urbanos ou nativos; e ainda com fortes referências dos corpos canônicos e das danças canônicas.

Certamente o contexto socioeconômico, cultural e político — na década de 70, o Brasil vivia sob o regime ditatorial civil militar (1964–1985), em que as liberdades e direitos dos brasileiros foram cerceados e artistas, estudantes, professores (as) e intelectuais foram perseguidos ou executados por esse Sistema-Ditadura — não permitia aos artistas locais da dança, do teatro, da música e das artes visuais um acesso tão fácil ao que se estava sendo feito nos grandes centros urbanos, onde em geral ocorreram rupturas estéticas, como Paris, Nova York, Berlim e São Paulo, por exemplo. Importante enfatizar que naquela década ainda não se tinha o acesso à internet, que facilitou muito a acessibilidade à informação.

Depois de Arce, o encontro seguiu com a Palestra 2, com Jorge Kennedy — diretor artístico, coreógrafo, produtor cultural, supervisor cultural da Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa do Governo do Amazonas, além de integrante da Direção Geral de Espetáculos do Boi-Bumbá Garantido (DGE), atuando como diretor artístico. Natural do Estado do Acre, Kennedy desenvolve atividades artístico-culturais no Amazonas desde 1982.

Desenho da artista-mestra da Dança Improvisação/Partitura Performativa, Yvonne Meier. Fonte: Perfil da artista no Facebook.

O título da palestra de Kennedy foi “Dança/Andanças e Amazonidade: processo de descoberta do que somos”, em que narrou sua passagem pela Escola Estadual de Danças Maria Olenewa, do Rio de Janeiro, nos anos 1980, como aluno regular.

Kennedy nos contou que um dia, quando estava num dos camarins do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, participando como corifeu de uma ópera, viu da janela do camarim um mendigo catando comida de uma lata de lixo da rua. Essa cena afetou muito o artista, pois se sentiu privilegiado perante aquela situação de vulnerabilidade, pobreza e precaridade daquele sujeito em situação de rua. Assim, de acordo com Kennedy, além da saudade que sentia dos amigos e de Manaus, essa cena contribuiu muito para o seu retorno para a cidade, pois o Rio de Janeiro lhe causou medo.

Logo adiante, começou a falar da sua maravilhosa experiência na pós-graduação em Dança e Coreografia, com foco na Dança-Teatro, pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). A Dança-Teatro utiliza a linguagem da dança com alguns elementos do teatro. O conceito surgiu na Alemanha, no Folkwang Tanz-Studio, criado por Kurt Jooss no final da década de 1920 e a partir da década de 1970 teve a coreógrafa alemã Pina Bausch seu principal nome.

Esses estudos na UFBA, de acordo com Kennedy, influenciaram muito nos seus futuros processos de criação ao retornar para Manaus.

Após terminada a palestra de Kennedy, a Mestra de Cerimônia, Rejane Vitor, convidou o público presente, composto a maioria por artistas da dança e arte educadoras (es), para prestigiar a performance “Poéticas de Um Corpo Real-Autotatuagem”, de Taynah Lima — a artista, segundo ela, “É ariana com ascendente em Gêmeos, lua em Leão e casas e afins. Taynah D’Dágua doce para água salgada, uma mistura heterogênea e ensaios femininos. Dançarina. Militante. Tatuadora. Multiartista.”

Desenho da artista-mestra da Dança Improvisação/Partitura Performativa, Yvonne Meier. Fonte: Perfil da artista no Facebook.

A segunda performance foi do artista independente Odacy Oliveira, intitulada “El Cóndor: Ativando os braços …… abre-se o peito!”. A performance ocorreu no jardim do Palácio Rio Negro (1911-Manaus-AM), construído pelo alemão Waldemar Scholz, que era considerado o “Barão da Borracha”.

A performance dialogou com esse espaço-jardim, e nos apresentou uma síntese imagética, pois no trabalho, com duração entre 5 e7 minutos, Oliveira nos afetou com sua obra, que nos remeteu à Dança Butô (surgida no Japão no pós-guerra, através de seus precursores: Hijikata e Kazuo Ono) e à brevidade de um poema Haikai (Séc. XVI-Japão).

Desenho da artista-mestra da Dança Improvisação/Partitura Performativa, Yvonne Meier. Fonte: Perfil da artista no Facebook.

DIA: 09.04.22 (SÁBADO)
POLÍTICA, ECONOMIA, CULTURA DE INCENTIVOS E EDUCAÇÃO PELA DANÇA NO AMAZONAS.
Das 14hs às 18hs. Centro Cultural Palácio da Justiça.

Houve um atraso neste dia, pois foi necessário transferir o evento para o Centro Cultural Palácio da Justiça, devido ao falecimento do músico Sidney Rezende. Seu corpo foi velado no Palácio Rio Negro, local onde ocorreria a programação do Encontro.

A mudança de lugar nos deixou bastante ansiosos, pois toda a logística e a organização para a realização do evento no Palácio Rio Negro foi feita a priori, uma realização entre SEC-AM e o Fórum Permanente de Dança do AM. Mas é importante mencionar a parceria com Tina, da Diretoria de Eventos da SEC-AM, que esteve bastante presente e contribuiu muito para a realização do Encontro, assim como D. Raquel, do Cerimonial da SEC-AM, e D. Edna, do Palácio Rio Negro; as três não mediram esforços para nos assessorar de forma profissional. Assim como a presença constante, na realização da programação, de Ana Mendes, André Durand, Francisco Rider, Jady Castro, Leo Scantbelruy, Kelsin Favacho e Railda Costa, membros (as) do Fórum.

A Mestra de Cerimônia, Rejane Vitor, fez a abertura da programação, anunciando a Mesa Temática 2, que foi composta Marcos Veniciu e Miguel Maia. A mediadora da mesa, a artista Jady Castro, apresentou os convidados e as temáticas que seriam abordadas: Políticas públicas e incentivos culturais para a dança no Amazonas; Relação arte/economia, em tempos de crises pandêmica e econômica, construída por pensamentos e lógicas neoliberais e capitalistas; Corpo artista e o envelhecimento é discutido quando se fala em arte/economia? O profissional da dança e as instituições: aposentadoria e direitos trabalhistas para o artista da dança no Amazonas; Criação de sindicato, cooperativa e ou federação como representatividade e amparo legal aos artistas e os trabalhadores da dança no Amazonas.

Marcus Veniciu foi o primeiro a narrar sua trajetória artística e posicionamentos sobre as temáticas da mesa. Veniciu é um artista amazonense com uma extensa carreira na arte do movimento e outros segmentos, como TV, teatro, cinema, figurino e artes plásticas. Criou um método de trabalho claro e objetivo para o entendimento do fazer dança nos seus diversos olhares de estilos e técnica, tendo trabalhado nacional e internacionalmente no fazer, viver e resistir de sua arte. Veniciu foi bailarino do Ballet Stagium de São Paulo, uma das mais importantes companhias de dança do Brasil.

As narrativas de Veniciu foram potentes e repletas de vivências artísticas e pessoais. Um dos momentos mais fortes foi quando o artista disse que fica chocado ao ver artistas de rua trabalhando nos sinais de Manaus, para manutenção de suas vidas, em pleno sol e chuva. E que ele ficava muito triste ao ver todo dia esse tipo de situação precária e subalterna dos artistas ambulantes. Afinal, essas pessoas artistas levam um pouco de alegria, colorido e entretenimento para a urbe; uma abordagem que acontece desde a Grécia antiga e que passa também pela Idade Média (Commedia Dell’Arte, na Europa) continuando até os dias atuais.

O segundo artista a narrar foi Miguel Maia, com uma fala repleta de força política e indignação perante a realidade socioeconômica precária dos artistas das “quebradas”, termo utilizado por ele. Que na verdade são os artistas que trabalham na periferia de Manaus, especialmente dançarinos de Danças Urbanas.

Maia não aceita em se encaixar como “deficiente físico”, pois para ele não existe uma limitação corporal. “Eu vivo há 30 anos de dança e acho a limitação corporal uma bobagem. Nós “deficientes” temos o sexto sentido”.

Noutro momento o artista disse que há 30 anos foi esquecido pelas danças hegemônicas e do Centro de Manaus, e que somente com o Encontro e o Fórum, a comunidade poderá tomar conhecimento de sua arte/dança.

Miguel foi eleito Representante da Dança Inclusiva na Câmara Setorial do Fórum Permanente de Dança do Amazonas. A Dança Inclusiva é uma nomenclatura ainda não amplamente aceita pelos membros e membras do Fórum de Dança do Amazonas. Maia (MC Canal) é palestrante antiviolência e coreógrafo de dança, sendo dançarino de Rua (Popping e Beat Box) desde 1988. Foi premiado com o Prêmio Manauscult Conexões Cultural 2015, com o projeto Parada Final. Participou do Festival Até o Tucupi, em 2015/2016, e dos espetáculo “Alien Beat” ( 2016) e “Salomão de Carvalho Numa que Voa” (Teatro da Instalação, 2016). Foi participante da tocha Olímpica, em 2016. Apresentou performance na Feira Chá de Papoula (2017) e participou do Hip Hop Praça Periférica (2019). Atuou como MC nos eventos Elas Na Cena, Entorno Urbano e Ruído Itinerante, todos em 2019.

Desenho da artista-mestra da Dança Improvisação/Partitura Performativa, Yvonne Meier. Fonte: Perfil da artista no Facebook.

A próxima atividade foi com o artista Francisco Rider. Palestra Performance ou Performance Palestra?

Rider é um multiartista pesquisador autônomo. Membro fundador do coletivo artístico Movimento Levante MAO. Realizou o aperfeiçoamento artístico na Escola Movement Research de Nova York, com uma bolsa da CAPES/MEC (EUA-1996–98). Mestre em Letras e Artes pelo Programa de Pós-Graduação em Letras e Artes (PPGLA-UEA). Especialista em Gestão cultural pelo SENAC-SP. Tem apresentado suas obras cênicas na Europa, EUA, América Latina e várias cidades brasileiras. Foi contemplado com os Prêmios: Klauss Vianna/Funarte; Rumos Processos 2009/10 do Itaú Cultural de São Paulo; Movimentos de Dança do SESC-SP; Nascente/Universidade de São Paulo (USP);Proarte/SEC; e Conexões Culturais- Manauscult, entre outros.

Apresentou atividade com o título: Que Corpos-Artistas são Contra-Canônicos e Contra-Hegemônicos?

Desenho da artista-mestra da Dança Improvisação/Partitura Performativa, Yvonne Meier. Fonte: Perfil da artista no Facebook.

O artista subitamente adentra o salão onde ocorre o Encontro. E, no sentido anti-horário, movimenta-se no espaço, descartando pequenos cartazes: “TENHO 56 ANOS, MAS NÃO TENHO!”; “A LOBA GOSTA DE SEXO!”; “CORPOS ‘ESTRANHOS’ NAS CIAS OFICIAIS, JÁ!”; “SOU VELHO, GOSTO!”; “AMO MINHAS RUGAS!”; “TRABALHO, PARA CORPOS IDOSOS!”; “VIVAS AO CORPO IDOSO!”; “QUE VENHAM AS RUGAS!”; “MEU CORPO, MINHAS RUGAS”; “SEXO SIM, NA VELHICE”; “EROS SIM, NA VELHICE”; “CORPO SOME, MICRO-DANÇAS”; “VELHAS CURVA, SIM!”; “NÃO À DANÇA MAXO”; “VELHO, EU?”; “SINAIS DO TEMPO”; “CABELO BRANCO”; “ODE AO CORPO IDOSO”; “CAPITALISMO MATOU IDOSOS DE COVID-19”; “VOCÊ CURTE O CORPO VELHO?”; “BRASIL, PAÍS QUE APAGA O IDOSO”; “ARTISTA VELHO, ARTISTA MORTO?”; “ONDE ESTÃO OS ARTISTAS IDOSOS DE MANAUS”, entre outras frases-manifesto.

Surgem, em fotografias, Picasso idoso, Louise Bourgeios idosa, Kazuo Ono idoso, Martha Graham idosa, Marilena Ansaldi idosa, entre outros (as) corpos. Rider questionou: “Onde estão os (as) artistas manauaras idosos (as)? Ostracisados (as)? Esquecidos (as)? Deixados (as) no fundo das casas? Escondidos (as) para ninguém ver?”.

E o artista, performativamente gritando, continuou provocando a plenária: “Idoso goza. Idoso faz amor. Idoso tem orgasmo. Idoso gosta de dançar. Idoso fode”. E pouco a pouco ia mostrando fotografias de corpos-artistas idosos, tendo como trilha sonora canções de Janis Joplin.

A reflexão que vem à tona acerca dessas questões da imagem do corpo canônico, na trajetória da história das artes visuais ou cênicas, é que certas imagens artísticas que são constantes no imaginário das pessoas são impostas pelos modelos e figuras historicamente determinados e construídos pelo ambiente acadêmico e de ensino, pela crítica tradicional e pelas classes socioeconomicamente dominantes: são os cânones imagéticos ocidentais, não só das belas-artes, mas de um acervo de outras referências icônicas disseminadas em museus, nas escolas, pelas mídias e livros de artes. Ou seja, em geral, essas instituições canonizam algumas obras artísticas e imagéticas, com isso contribuindo para que as mesmas façam parte da memória social, dessa forma, silenciando e invisibilizando tantas outras, relegando-as ao esquecimento (MAZZOLA, 2015).

Isto é, as imagens representantes do corpo-dança, no cotidiano das pessoas são as da(o) bailarina(o) longilínea(o), de pernas, braços e pescoço longos, pele branca, peito de pé saliente (arco do pé), pouca nádega (pois a bailarina com nádegas volumosas, de acordo com a lógica do pensamento tradicional do corpo padrão eurocêntrico, “ideal” para dançar balé clássico, não pode ter nádegas aparentes). Ou seja: um corpo canônico acabado e idealizado. Nunca vêm à mente das pessoas outros padrões de beleza dançante, pois comumente as linhas e traços requeridos são os dos cânones da dança clássica e dos padrões estéticos hegemônicos, que interessam a uma elite ideológica, econômica e política; e impostos pela mídia e pelas próprias instituições artísticas e culturais oficiais.

O que fica de fora desses padrões canônicos de beleza dançante? Os corpos desengonçados, obesos, negros, indígenas, baixos, idosos, isto é, corpos diversos excluídos do imaginário das pessoas e das instituições hegemônicas das artes, de formação e da cultura de consumo e midiática.

O artista norte-americano, escritor, coreógrafo, diretor de teatro, cenógrafo, professor e um dos fundadores da Merce Cunningham Company, Remmy Charlip (1929–2012), na idade de 70 anos, declarou:

“Eu tenho 70 anos, neste ano. À medida que envelheço, na performance minha dança mudou de expressão externa para o que chamo de ‘dança interna’, micro-movimentos em toda a coluna vertebral e nos receptáculos do meu corpo: pélvis, costelas e cabeça. Eu uso qualquer figura que tenha um retorno a ele: círculos, espirais e a figura oito. […] uma meditação sobre esvaziar e encher, uma dança interna. […] Eu provavelmente dançarei no meu túmulo.” (Movement Research Performance Journal, 2000).

Na dança hegemônica e canônica, muito mais que no teatro e em outras linguagens artísticas, comumente não se aceita a presença do corpo idoso dançante. É como se para ocorrer a dança “bela” e “harmônica” fosse necessário um corpo jovem que dança uma dança dos excessos, da força muscular e da explosão externa da energia física. Danças internas, em geral, não são bem-vindas no Ocidente, enquanto que

“No Japão, não é incomum ver artistas com 80 ou 90 anos. […] O respeito e a reverência dos japoneses por uma vida longa se estendem às artes. Toshio Mizohata, produtor de Ohno, descreve isso da seguinte maneira: ‘Nós vemos coisas mais profundas em artistas mais velhos. É como flores e árvores. As flores das árvores mais antigas, por exemplo, as flores das cerejeiras, são pequenas, macias e delicadas. Sentimos que o tempo cria algum tipo de forma. Na forma dos galhos, reconhecemos uma árvore mais velha ou mais nova. Depois de um certo tempo, as árvores têm uma forma diferente, cada ramo é mais diferente, mais individual. Nós temos um sentimento semelhante dos artistas” (PERRON, 2000).

Desenho da artista-mestra da Dança Improvisação/Partitura Performativa, Yvonne Meier. Fonte: Perfil da artista no Facebook.

Interessante problematizar que a plateia era basicamente composta de pessoas que fazem dança e arte, mas mesmo assim alguns poucos perguntavam, durante a performance: “Quando ele vai começar a dançar?”. Então, o que é dança? As pessoas ainda perguntam o que é dança, em pleno século XXI?

Uma outra pessoa do público comentou, ao ver a próxima performance, “Mata Verde”, de Elizete Tikuna: “Que bom que tivemos a dança orgânica da Elizete, chega de envelhecimento!”. O que é dança orgânica? A dança de Francisco Rider, não é orgânica? O que é ser “Orgânico”? Afinal, todo corpo humano não é orgânico?

Então, é importante que essas questões venham à tona, pois somente elas aparecendo é que iremos construir uma comunidade artística mais atenta à discursos que deslegitimam outras maneiras e modos de existir-dançar-movimento, afinal, o I Encontro de Profissionais de Dança do Amazonas não se propôs a ser um encontro aberto ao conflito e aos afetos positivos e à alteridade?

A performance seguinte, como mencionado, foi “Mata Verde”, de Mepaeruna Tikuna. Elizete Tikuna, na língua de sua etnia indígena, é chamada de Mepaeruna (o galho bonito onde pousa o japó), artesã e artista indígena, trabalha com a produção de artesanato, artefatos, desenha grafismos corporais, é artista da Dança, Performance, cantora e já fez trabalhos como atriz. Nascida na aldeia Comunidade Porto Cordeirinho, município de Benjamin Constant-AM, pertencente ao povo Tikuna.

Desenho da artista-mestra da Dança Improvisação/Partitura Performativa, Yvonne Meier. Fonte: Perfil da artista no Facebook.

Após a performance de Mepaeruna Tikuna, aconteceu a Mesa Temática 3: Educação pela dança: uma proposta de arte educação no Amazonas, com as convidadas Amanda Pinto, Mônica Seffair e o convidado Fran Martins. A mediação foi feita por Railda Costa.

Desenho da artista-mestra da Dança Improvisação/Partitura Performativa, Yvonne Meier. Fonte: Perfil da artista no Facebook.

Mônica Seffair veio especialmente de Parintins, cidade do interior do Amazonas onde acontece o grandioso Festival Folclórico que leva o nome da cidade. Seffair é Licenciada em Dança -UEA; especialista em Libras e Educação para Surdos (UNOPAR) e em Sistema Laban/Bartenieff de Análise do Movimento (Faculdade Angel Vianna-RJ); pesquisadora do Movimento; arte educadora; performer, artista independente, microempresária da Cultura e da Dança, e proprietária, gerente, professora, coreógrafa e produtora cultural do Espaço de dança Monica Seffair, fundado em Parintins há sete anos.

Seffair narrou as enormes dificuldades que uma artista da dança enfrenta numa cidade do interior do Amazonas, e nos contou como é ser arte educadora em Parintins e de suas vivências como pesquisadora nessa cidade.

Se em Manaus, capital do Amazonas, os artistas têm dificuldades para o fomento, a circulação e a continuidade de seus projetos artísticos culturais, imagine-se no interior do Amazonas, onde os administradores pouco pensam em políticas públicas para as artes voltadas para os interiores do Amazonas?

Vale salientar que a vinda dessa pesquisadora para participar do I Encontro se deu devido às discussões feitas durante os encontros do Fórum Permanente de Dança do Amazonas, entre março/abril), no processo de construção coletiva do encontro, em que todos (as) os (as) membros (as) cobraram uma posição da SEC-AM em relação à total falta de interconexão entre artistas de Manaus e do interior; problematizamos a falta de projetos culturais do Estado que fomentem esse diálogo e a pouca interação que há entre os artistas manauaras e os artistas do interior do Estado, e a lacuna de políticas para as artes voltadas para essas outras geografias amazônidas que, em geral, são esquecidas.

Fran Martins foi o próximo a falar: professor de artes cênicas, licenciado em Dança (UEA). É especialista em Gestão e Planejamento de Projetos Sociais (Faculdade Dom Bosco) e mestrando em Educação (UFAM). Faz parte do Grupo de Pesquisa em Poéticas Eróticas e Pornográficas, Artes e Educação (UFRJ). É bailarino, ator, intérprete, produtor cultural, e pesquisador do corpo em movimento com ênfase no folclore e cultura amazônica, bem como na comunidade LGBTQIA +. Em 2019, recebeu honra ao mérito na Câmara Municipal de Manaus, pelas contribuições para a cultura manauara. De 2015 a 2022 foi coordenador do Coletivo Kanauã.

Com uma retórica eloquente, Martins focou no Plano Municipal de Cultura (PMC) e de sua importância para nós artistas de Manaus. Desvendou algumas dúvidas que geralmente nós artistas temos em relação ao PMC. Infelizmente, cada convidado da mesa tinha 20 minutos de fala, pois a programação do Encontro teve um fluxo muito grande de atividades. O ideal seria uma dia inteiro dedicado ao assunto PMC.

É importante destacarmos a importante presença de jovens como Fran Martins, Leo Scantbelruy, Jady Castro, Suelen Siqueira e Jayne Kira nas mesas temáticas, mas, ao mesmo tempo, percebemos a falta da presença e mobilização de graduandos e graduandas dos cursos de Artes de Manaus nesse I Encontro e dos docentes.

A última convidada da mesa foi a Profa. Dra. Amanda Pinto: Professora, com ênfase em Dança Educação, do curso de Dança da UEA. Já foi Arte-Educadora na Secretaria de Educação do Amazonas — SEDUC. É doutora em Comunicação e Semiótica, na linha “Artes do Corpo”, pela PUC/SP, e mestra em Dança pela UFBA. Graduada em Licenciatura em Dança pela UEA.

Problematizou a falta de professores (as) de dança nas salas de aula no ensino Básico, Fundamental e Médio.

Tivemos, logo em seguida, a performance do B. Boy Pufe98 e de seus alunos e aluna de danças urbanas. O artista Pufe98 é atleta e competidor do grupo Nativos Crew. Destaque em todos os eventos de Breaking do Amazonas, praticante do Sport há 10 anos e instrutor de Breaking na Casa Hip-Hop, no Nova Vitória, local onde treina seus alunos da nova geração do Breaking dance Manauara.

Desenho da artista-mestra da Dança Improvisação/Partitura Performativa, Yvonne Meier. Fonte: Perfil da artista no Facebook.

Uma das intenções do Encontro é — baseado nas conversas e reflexões realizadas pelos membros e membras do Fórum Permanente de Dança do AM, nos meses de março e abril de 2022, foi, e continua sendo — nutrir um trânsito maior entre as danças que se faz no centro (UEA e espaços culturais com sedes no Centro Histórico de Manaus) e as danças que se fazem na periferia de Manaus, assim, com esses diálogos e aproximações, reconhecer o que estar invisibilizado há anos, pela história oficial da dança amazonense e pelas próprias instituições culturais.

DIA: 10.04.2022 (DOMINGO)
DANÇA NO AMAZONAS: DIÁLOGOS E AÇÕES NOS ESPAÇOS CULTURAIS DO AMAZONAS
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Das 14h às 18h. Centro Cultural Palácio da Justiça.

O terceiro dia do Encontro iniciou com uma palestra-convite feita pelo Fórum Permanente de Dança do Amazonas para a assistente social, gerontóloga, membra do Conselho Estadual do Idoso e do Fórum Permanente do Idoso e representante da Secretaria de Estado de Assistência Social (SEAS), Sra. Gracineide Sampaio, tendo como temática o envelhecimento do corpo.

Samapio inicou a palestra com a seguinte questão:

“Vocês já pararam para pensar um pouquinho que todos nós aqui estamos num processo de envelhecimento, inclusive os idosos que estão aqui presentes? As pessoas dizem: ‘Eu não quero envelhecer’, mas só se você morrer antes, quando jovem.”

O artista Francisco Rider, que fez a performance-palestra “CorpOcaso”, no dia anterior pediu a fala e disse:

“Acho que não depende da idade, mas de como você se relaciona com o corpo. Ontem, com a minha performance, eu estava dizendo que a sexualidade está em tudo. Até escrever um poema já é erótico e sexual. Então, ontem o que eu performei foi uma ode e uma apologia ao corpo envelhecido. Que tem seus orgasmos, suas sensações e sua sexualidade. Mas o que acontece? Em geral as pessoas esquecem que esse corpo idoso tem toda essas peculiaridades: desejo, tesão, prazer e vontade de viver. Porque parece ridículo a gente pensar que o idoso e a idosa gozam, têm prazer, observam e têm prazer e desejo pelo outro. O desejo não é só em gozar e colocar o esperma para fora (no caso dos homens), mas é o desejo intelecutal também, o desejo estético. Além disso, sinto falta de quando se fala de qualidade de vida do idoso, da arte ser incluida nesse conceito de ‘qualidade de vida’, pois quando se fala em qualidade se pensa em comida, uma boa moradia, e ter atividade física, como caminhar. Mas eu acho que a arte tem que ser pensada nesse conceito de qualidade de vida. Obrigado”.

A artista e pesquisadora independente Francis Baiardi foi a primeira palestrante desse dia, com a palestra “Poéticas Independentes: corpos/espaços da (re) existência.”.

Desenho da artista-mestra da Dança Improvisação/Partitura Performativa, Yvonne Meier. Fonte: Perfil da artista no Facebook.

Artista Independente da dança há 35 anos, vive e trabalha em Manaus, pesquisa, cria e atua na dança — contemporânea, dança-teatro, processos de criação e improvisação. Diretora e Orientadora da Contem Dança Cia. Membro do Grupo PORRA de Pesquisa Cientifica em Dança da Faculdade de Dança da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Integrante do Movimento Levante MAO. Atualmente pesquisa a obra Angelim Vermelho e coordena a Pós-graduação em Pilates, pela Control Cursos e Faculdade Montesoreano/ENASA. Mestra em Ciência da Educação pela UNIDA. Dança pela Universidade Federal da Bahia (UFBA).

Baiardi inicia sua palestra interagindo ritmicamente com a música “Brasileira”, da cantora e compositora amazonense, Lucinha Cabral:

“Para eu falar de poéticas independentes, nós temos que voltar no tempo. Lá na década de 1970. Quando uma mulher à frente do seu tempo provocou a primeira iniciativa independente ao criar o grupo de dança Dançaviva. Conceição Souza é o nome dela. Natural de Maués, formada em Educação Física. Estudou em São Paulo com Ismael Guiser. Fez aulas no Ballet Stagium, e quando voltou para Manaus, propõe a criação do Dançaviva (…) primeira companhia independente em Manaus. (…) esses bailarinos já tinham sua autonomia. Aqui eu vou fazer memória ao Joffre Santos e protagonizar o nome daqueles que fazem parte desse Encontro e que fazem parte da história da dança independente. E nós temos o privilégio de termos hoje aqui Francisco Rider, que iniciou lá no final da década de 1970. (…) Conceição Souza já vinha, lá na década de 1970 com um discurso político, porque arte é política. Já trazia nos discursos dela a denúncia sobre o autoritarismo da ditadura, no Dançaviva”.

Em seguida, a artista, passo a passo, com sua narratividade performativa, foi nos apresentando imagens de jornais das décadas de 1970, 1980 e 1990, assim, trazendo à tona o que estar há anos ostracizado.

“Conceição tinha provocações em suas obras (…) O homem amazônico é o centro do espetáculo de Conceição Souza. (…) dancei com Conceição ‘Revoada’, ‘Metáfora’… E eu digo que Conceição Souza é memória, pois se hoje eu estou aqui falando sobre ela, é porque lá atrás eu tive o privilégio de trabalhar com Conceição. Ela é formação, pois até os dias de hoje ela forma bailarinos, que estão nos corpos artísticos, que são independentes, que estão na universidade. Ela é uma formadora de artistas, nesse lugar do informal. (…) Com 72 anos ela está na ativa. No seu tempo, no seu jeito. Criando, produzindo com o GEDAM. Se hoje eu sou essa mulher que vem para provocar e que vem para o embate, é porque essa mulher, lá atrás, que estar no meu corpo, me provocou. (…) Ela atravessa corpos. (…) Ela é uma sobrevivente. Por que? Porque uma artista independente na década de 1970, sonhadora, está até os dias de hoje provocando, fazendo dança. Ela é uma sobrevivente (…) Então eu digo que dança é para os fortes e corajosos. Então imagine só a dança independente!”.

Logo em seguida a artista nos apresenta na tela de projeção uma matéria de um jornal dos anos 1980.

“E aí eu trouxe esse artigo de jornal, porque é disso que estou falando: de artista autônomo, de resistência e existência. E quando eu encontro esse trecho de uma matéria, muito me fala (ler)”:

Fonte: Disponível em: <https://www.facebook.com/grupogedam/photos/pb.100049737025247.-2207520000./3197971606936332/?type=3> Acervo do Grupo Espaço de Dança do Amazonas — GEDAM.

Baiardi faz um grande serviço para a comunidade ao trazer narrativa-reminiscências sobre os artistas independentes do Amazonas. Isto é, uma artista sendo protagonista da sua história como artista independente e fazendo ode aos artistas que, de fato, construíram, direta ou indiretamente, para a existência, por exemplo, do curso de Dança da UEA e do Corpo de Dança do Amazonas (CDA); apesar de as próprias instituições culturais não reconhecerem esse dado, pois, em geral, esquecem ou ostracizam os artistas amazonenses, por exemplo, ao trazer profissionais de outros Estados para ocupar funções que poderiam ser muito bem ocupadas por artistas do Amazonas.

E a artista continua com sua narratividade-denúncia: “Os artistas autônomos e independentes do nosso Estado, que têm história e que muitas vezes são invisibilizados, nós temos que procurar conhecer para além dos livros, (…) a gente está falando de economia. E quando a gente vê um artista não ser valorizado — e infelizmente é isso que acontece no nosso Estado, quando não é respeitado, negado —, isso nos machuca profundamente”.

Sobre espaço culturais, Baiardi cita o extinto espaço Lugar Uma de artes, gerido pelo artista Francisco Rider, que não continuou suas atividades e ações devido à falta de políticas públicas para manutenção de espaços alternativos; e cita o Espaço Cultural Uatê, de Mara Pacheco, que só existe até os dias de hoje por ter sido uma herança de família, onde, segundo Baiardi, “Pacheco cria ações, parcerias e oferece aulas para a comunidade, convida artistas e o espaço vira palco, vira casa, vira tudo”.

Baiardi cita nomes de arte educadores (as) de dança em Manaus, que admira: “Respeito o projeto Mostra de Dança do Amazonas (Modama), de Ana Mendes, que é uma mostra realizada todo ano em Manaus. Aos troncos e barrancos, sem verba ou com verba, mesmo na precariedade, ela realiza. Eu já fui na mostra e fico muito triste de ver uma artista como a Ana Mendes não ter o básico para sua mostra de dança. (…) Professor Nogueira, quanta reverência para esse mestre, que está aí até os dias de hoje colaborando com a dança do nosso Estado, na sua maneira e no seu tempo. (…) Marta Marti é outra mestra criadora do Ballet da Barra, que fica de final de semana a final de semana formando artistas, formando bailarinos”.

A narratividade da artista chega ao ápice ao citar o Movimento Levante MAO, como um dos poucos, ou único, movimento artístico na cidade de Manaus que provoca, no corpo a corpo performativamente, questões relacionadas à economia, às políticas públicas para as artes, à visibilidade do artista manauara independente, entre outras provocações. A artista deu como exemplo uma das ações do Levante MAO, que performativamente foi para a frente da SEC e da Fundação Municipal de Cultura, Turismo e Eventos (Manauscult) denunciar a falta de apoio às artes e a precariedade e falta de políticas públicas para as artes, nas esferas estadual e municipal; ou quando se manifestou performativamente para o retorno do Festival Amazonas de Dança (FAD), que desde 2019 não acontece, e pela realização do I Encontro de Profissionais da Dança do Amazonas, que foi cancelado devido a sérios problemas de organização de quem estava à frente na primeira tentativa de realização do mesmo.

Artistas Diego Batista, Francis Baiardi e Francisco Rider, ato protesto performativo em frente da Secretaria de Cultura do Amazonas. 2018. Acervo de Francisco Rider.
Leo Scantbelruy, Francisco Rider, Mara Pacheco e Francis Baiardi, ato protesto performativo no chão da SEC, contra a formatação e a estrutura da primeira versão de organização do I Encontro dos Profissionais da Dança do Amazonas, que foi reformulada pelos membros do Fórum Permanente de Dança do Amazonas. 2022. Foto: Alberto César Araújo (Amazônia Real).

Após a palestra da artista Baiardi, tivemos a apresentação da performance “Através”, de Isabella Lillo.

A atividade seguinte foi a Mesa Temática 4 — Artistas independentes, gestão independente (coletivos, espaços alternativos, grupos independentes) da Dança em Manaus. Danças de periferia: realidades, ações e relações com profissionais das danças em Manaus —, mediada por Suelen Siqueira e composta por Simas Zion e Kelsin Favacho, dois jovens artistas com diferentes linguagens da dança e modos de atuar.

Kelsin Favacho também faz parte de um grupo de professores e professoras de danças que ministram aulas em academias e espaços alternativos manauaras. Favacho é graduado em Educação Física e especialista no Ensino de Arte pela UEA. É artista independente e professor de dança de salão na Stylus DS. Atua na SEDUC-AM com projeto Amazonas no Salão, atualmente na cidade de Manaus. É importante citar aqui o apoio que teve o Fórum Permanente de Dança da Academia Stylus DS, um espaço independente que oferece aulas de dança de salão (Bachata, Brega, Tango, Merengue, Samba e outros ritmos), localizado na avenida Borba, no bairro da Cachoeirinha.

Pesquisamos sobre a história das danças de salão em Manaus e poucos registros e pesquisas sobre o tema encontramos. Porém, no livro “Dançando Conforme a Música”, de Adalto Xavier, o autor comenta:

“(…) merece registro a iniciativa de Carla Patrícia (…) que iria inaugurar um novo estilo artístico em Manaus, introduzindo na cidade a febre pelas danças de salão. Ela fundou sua própria academia de dança, a Espaço Versátil de Dança, criou (…) o que ela batizou de Conexão Rio-Manaus, trazendo artistas do Rio de Janeiro, como Oswaldo Guimarães (…) e o respeitadíssimo Carlinhos de Jesus”. (Xavier, 2002).

Favacho começou a fala com a questão:

“O que é um espaço cultural? É só o Teatro Amazonas?. É o Palácio da Justiça? O que são esses espaços culturais? E pesquisando, eu encontrei essa definição, que quero ler pra vocês: ‘Espaço cultural é o espaço arquitetônico destinado à apresentações de manifestações culturais das mais diversas modalidades’. Mas, o que é cultura? A definição que eu encontrei no dicionário foi: conjunto de hábitos sociais e religiosos, de manifestações intelectuais e artísticas que caracterizam uma sociedade. (…) Qualquer lugar onde estivermos reunidos para fazer arte é um espaço cultural. Sim ou não? Eu dividi em espaços intitucionais, espaços independentes, espaços alternativos, por exemplo de espaço alternativo, a Bola do Produtor, um momento em que todo mundo se reune para produzir dança, arte. (…) O sinal pode ser um espaço alternativo, quando a gente vai fazer arte. Onde estamos propondo arte, em que estamos questionando, provocando, então, nós estamos ali num espaço cultural alternativo. Também temos espaços do Estado e do Município: Palácio da Justiça, Palácio Rio Negro, Palácio Solimões. (…) Eu conheci, nesses dias do Encontro, artistas que estão na Zona Leste, em Parintins. Artistas que estão no Mauazinho (bairro de Manaus). Eu particularmente trabalho na Redenção, então hoje eu estou ocupando aquele espaço, que podemos pensar são áreas periféricas às áreas do Centro de Manaus. Tem artistas que estão nesse espaço, mas nem todos estão centralizados, pois têm artistas que estão na periferia. Mas, o que é estar centralizado?”.

O coreógrafo Jorge Kennedy respondeu à questão: “Esses espaços têm a característica de centralizadores porque a maioria dos espaços seguem políticas próprias daquele momento. e as pessoas que elaboram projetos focados em alguma questão, algum tema, algum objetivo, eliminam algumas possibilidades, então, não se tornam espaços abertos. Nesse sentido, eu faço a crítica, que é uma crítica ferrenha que eu faço, que é uma das minhas críticas nessa regição central, que é que a maioria das pessoas que estão à frente dos órgãos culturais não são preparados para estar lá. Não estou falando só de Manaus, mas também dos municípios. Qualquer um pode ser secretário de Cultura. Nesse sentido, o espaço cultural é pensado de uma maneira defeituosa. Então, ele não serve para um todo, um movimento dos artistas e o que está acontecendo na cidade (…) e muitas vezes esses espaços se tornam uma continuidade de suas casas ou seu quintal”.

Tomando da fala, Francisco Rider apontou: “Eu acho que, sobre essa questão de espaço, seria importante a gente citar o Milton Santos, que é geógrafo, que lida com essa questão do espaço. Um dos grandes pensadores. Homem preto, intelectual preto, que fala sobre o conceito de espaço. Para alimentar o que Kennedy falou. Para Santos o espaço público não é tão público, pois é fechado para ideias e pensamentos hegemônicos e canônicos”.

Adiante, Favacho comentou sobre sua participação como Representante das Danças de Salões na Câmara do Fórum Permanente de Dança do Amazonas:

“Fui tentar implantar um projeto de dança de salão em Iranduba (cidade próxima a Manaus, do outro lado do rio), dois anos atrás, mas 50% dos alunos na escola moram em ramal, então (…) foi um absurdo, tentei colocar no horário de meio-dia (…) não funcionou (…) final da tarde, de 70 interessados só seis podiam. Por causa do acesso (transporte coletivo no interior do Amazonas é bem problemático). (…) Enfim, foi uma luta. (…) Fui transferido para Manaus, no bairro da Rendenção (…) que desafios estou tendo? Dentro da escola se vende droga (…) esse desafio estou enfrentando, porém, vamos à luta. (…) Vamos tentar trazer valores que a dança de salão trouxe para mim e trouxe para meus alunos e para as pessoas que começam a praticá-las. (…) os obejtivos que nós temos, e trago como exemplo a Stylus Dança de Salão, a escola onde hoje eu trabalho, que iniciou seu trabalho em 2018, e tem como objetivo a popularização da dança de salão: promoção de eventos a R$ 50 (…) o dia inteiro, em que você pode ter acesso à informação; ter a oprotunidade de conhecer essa dança, que é maravilhosa; trabalhar o contato com o próximo, com respeito. (…) Qual a perspectiva da dança de salão no Amazonas? Que essa se torne cada vez mais popular. (…) Temos como ambição trabalhar isso. (…) a dança de salão está inserida tanto nas Artes como na Educação Física, que é minha atuação e meu lugar de fala”.

Favacho fechou sua fala com essas questões: “Como é que a gente produz essa arte dentro da escola se não tem pessoas capacitadas? Se não tem esse processo dentro da universidade? Na minha formação eu tive uma matéria de dança, que ainda é vista de uma maneira tradicional em que a pessoa estuda ao máximo o clássico e o contemporâneo, danças urbanas e dança de salão, mas não se aprofunda. Quantos aqui tiveram a oportunidade de se aprofundar nos estudos de dança de salão?”.

O/a próximo/a convidado/a dessa mesa temática foi o/a Simas Zion (Daniella Zion) é um/uma artista independente, pesquisador/a e performer em voguing/vogue, pioneiro/a da cultura Ball em Manaus.

“Eu me identifico como uma pessoa não binária (nb), pronomes ele/ela. Então… Começamos em 2019 através de encontros, rodas de conversas e treinos de voguing, pelo mês de agosto. Realizamos o ‘Pose Manaus’ no Studio R2, uma palestra sobre a cultura Ballroom.”.

Zion realiza festas e batalhas em sua casa no bairro Cidade de Deus, região da periferia de Manaus. Fez parte da House of Deni, que foi extinta ano passado. Iniciou seus estudos artísticos em 2015 pelo Liceu de artes e Ofícios Claudio Santoro, no curso de formação em Dança. É universitário/a do Bacharelado em Dança na Escola Superior de Artes e Turismo da Universidade do Estado do Amazonas (ESAT-UEA). Atualmente realiza intervenções e atividades em nome e para a comunidade ballroom em Manaus. Hoje integra duas casas internacionais da Ballroom (comunidade ball), a Internacional House of Zion — Capítulo Brasil.

“Faço parte da cultura Ballroom, uma cultura originalmente nova-iorquina, que começou nas décadas de 1930/1940, pelas drags e travestis pretas. Essa cultura vem desses corpos pretos, periféricos e trans, principalmente. É esse o local de fala (…) quando veio pra o Brasil, em 2014/2015, houve uma grande resignificação, e criou-se esse espaço de diálogo onde a gente podia conversar sobre corpos trans dentro da arte também, que é uma carência muito grande. (…) Vogue, o protagonismo maior é em drags, trans e travestis pretas. (…) E a gente ver pessoas trans sendo protagonistas na dança, no Amazonas e no Brasil”, relatou.

É importante comentar que em Manaus pouco se pesquisa sobre essas manifestações performativas de jovens que vivem na periferia da cidade , onde realizam festas e batalhas. Assim, até que ponto essa cultura da Ball Dance e Voguin’, que veio da periferia preta e latinomericana de Nova York, pode adquirir uma “identidade” manauara? Até que ponto essas e esses jovens artistas não se rendem à lógica neoliberal da competitividade e do individualismo e da lógica da indústria Cultural e do consumo, estimulado por essa indústria? Que corpos periféricos performativos manauaras são esses, “invisíveis” no ambiente acadêmico e nas artes cênicas manauaras e na própria cidade de Manaus? Questões de gêneros, classes e raças são problematizados nesses espaços/Houses? Questões da economia/arte e da sustentabilidade desses corpos periféricos são problematizados entre esses jovens? Ou ficam só na superfície das gestualidades, dos movimentos dançantes e das poses dessa estética urbana?

Relata Zion: “Quando eu comecei a pesquisar sobre Ballroom, justamente foi por essa carência dessas corpas que eu não via em cena. Eu comecei na dança através de instituições como o Liceu Claudio Santoro e UEA, só que a gente conversa mais sobre danças institucionais: balé clássico, contemporâneo, dança moderna. Até a galera do Hip Hop, Break, a gente não tem esse diálogo tão presente em questão de formação acadêmica, principalmente. Então eu não via espaço pra uma inquietação minha que é sobre corpo, corpo em cena, era muito binário, a gente entra numa companhia de dança e é sempre homens/mulheres. Não tem a questão arte/corpo… muito. E isso assusta, principalmente para corpos trans. E isso assusta logo de cara. E o Vogue conversa sobre essa questão de gênero, também. Performance de gênero. E vendo aquilo que não via… não me via em outros espaços, outros lugares e comecei a pesquisar sobre isso, e gostei, me identifiquei e me encaixei. E via que era uma necessidade de outras pessoas também. Então eu comecei a criar e fomentar esses espaços onde a gente pudesse conversar sobre isso. (…) existem espaços, mas para que corpos? Para que povo estamos falando? Com quem estamos falando? a quem estamos direcionando esses conhecimentos?”.

Certamente essas (es) jovens são inspiradas (os) no documentário “Paris Is Burning” (1991), de Jennie Livingston, que retrata a cena das drag queens, das mulheres trans e dos gays nova-iorquinos dos anos 80, com ênfase na cultura Voguin’ e da Ball Culture das pessoas pretas e latinoamericanas, no subúrbio de Nova York (Bronx e Harlem).

O documentário mostra a extravagância das figuras retratadas e a violência e os problemas socioeconômicos enfrentados pelas personas do filme. Além disso, o filme apresenta um contexto histórico em que essas figuras e a comunidade LGBT foram atravessadas pela pandemia do HIV/AIDS.

As competições nos bailes tem várias categorias: realness (quem se parece mais com uma “mulher”); corpo perfeito (quem possui um corpo bem definido); elegância (quem tem mais glamour e fineza); e Voguin, dança que imita as poses das top models da Revista Vogue. No contexto manauara: Cunhã Poranga RP entre outras.

Segundo Zion, “o público da Ballroom que consome o Vogue, que tem esa manifestação como arte, é muito específico. A gente fala que a gente está muito perto da galera do break, das danças urbanas. (…) a gente está na mesma rua, mas não no mesmo poste. Como se fosse uma rua, periférica, onde todo mundo já conhece a dnaça urbana, a galera daquela rua (…) mas a gente está mais para lá, no poste mais apagado. (…) mas a gente não se enxerga, pois é um espaço que não conversa sobre gênero e não dar espaço para isso. E o Vogue se criou como uma subcultura da cultura de dança de rua. E a questão da Suelen (mediadora da mesa), quais os objetivos (…) é criar esses espaços sobre performances de gêneros, principalmente, pessoas trans, pessoas N/B (não binárias), pretas, conversando e tendo esses espaço para que não seja tão tóxico. Com toda a pressão da sociedade cis, branca (…) as nossas travestis mais antigas que também já conversavam sobre isso, e a gente já vê a possibilidade de estar ali. Quando eu comecei a pesquisar a Vogue aqui em Manaus, eram poucas as manifestações que existiam. Eram dentro de academias, de grupos de dança, que eu não tinha tanto acesso, porque a mensalidade era cara, e várias questões que não me possibilitavam estar ali no meio. (…) Vindo pra cá eu me questionei: ‘Por que Vogue?’. Pra quem não sabe, Vogue é uma dança altamente estilizada baseada em pose de modelos, e trabalha muito com a autoimagem. Eu nunca me imaginei falando aqui se não fosse a Vogue. Então, ela possibilita muita coisa, principalmente a estética de falar sobre si mesmo, quem você é. E, novamente, me questionando, por que vogue…? Mas a pergunta certa seria: ‘Quem sou eu para dançar Vogue, qual o meu espaço, onde eu acesso, aonde eu não acesso? Quais os espaço onde eu realmente converso sobre isso?‘”’. (…) É uma coisa muito nova, tem três anos que estou atuando na cidade, desde 2019. Comecei a propor esses diálogos, esses encontros, manifestações com que a galera foi se identificando. (…) Poucas vezes a gente vê pessoas da dança falando sobre gênero. Sobre a acessibilidade das performances de gêneros. Então, a maior dificuldade é expandir e criar essa rede e ter as pessoas da comunidade Ballroom ali, falando para que outras pessoas tenham a oportunidade de escutar e adentrar com mais segurança consigo mesma. Hoje realizamos ball na Cidade de Deus (bairro periférico de Manaus), na minha casa, onde é um lugar onde eu propus realizar e onde a gente pode se encontrar (…) a festa é maravilhosamente linda, mas tem muita coisa que tem que ser dialogada sobre corpo (…) outros espaços propõem isso, mas não para nossos corpos. E lá a gente consegue estar juntas, firmes, seguras (…) criando potência e sendo potência… existindo”.

Desenho da artista-mestra da Dança Improvisação/Partitura Performativa, Yvonne Meier. Fonte: Perfil da artista no Facebook.

A Mesa Temática 5, “A dança no Amazonas: diálogos com saberes tradicionais por uma interação mais ampla com o público local; Danças de natureza étnica: interações e linguagens no universo da dança contemporânea no Amazonas”, teve a mediação de Magno Fre’sil (artista, cantor da banda Cabanos), que antes de iniciar a mesa cantou a música “Cantos e Moradas” de sua autoria e do músico Antônio Fonseca.

Fre’sil iniciou com a pergunta: “Por que política? É o que iremos conversar nessa mesa”, com as convidadas Mara Pacheco, Jayne Kira e o convidado Arlem Jesus.

Mara Pacheco vem de uma longa trajetória na comunidade artística manauara, especialmente no que tange às pesquisas sobre as danças e culturas ameríndias. É arte educadora, bailarina, preparadora corporal, coreógrafa e foi atriz dos grupos de teatro Mithos, dirigido por Narda Teles, de 2006 a 2008, e Pombal Arte Espaço Alternativo dirigido por Luiz Vitalli, de 2003 a 2007. Ministra a disciplina Artes do curso Normal Superior para estudantes indígenas pela Universidade Estadual do Amazonas (2008 a 2010), e foi ministrante do Curso de artes para a comunidade indígena Yanomami em 2012. Foi premiada no 3º Festival de Dança do Amazonas com o espetáculo “Objeto Ritual”. Atuou como curadora do 4º Festival de Dança do Amazonas 2012 (FAD), diretora do Grupo de Dança e Teatro Uatê. Pacheco é coordenadora do Espaço Cultural Uatê, lugar alternativo em Manaus, localizado no bairro Lagoa verde, Zona Sul da cidade.

É importante dizer que Manaus tem uma carência muito grande de espaços e teatros. E a grande referência continua sendo, ainda, o Teatro Amazonas (inaugurado em 1896, com a função de ser um teatro de ópera, para os senhores da borracha). Aliás, esse teatro é o único em Manaus que oferece todas as condições técnicas para que aconteça um espetáculo de dança, teatro, performance ou música. Um lugar que em pleno século XXI ainda traz vestígios do pensamento e da lógica da época do fausto da borracha, onde era um ambiente dedicado aos barões da borracha e à elite financeira local. Outro dado importante: poucos são os grupos e companhias de teatro e de dança que se apresentam nesse teatro; conseguir uma pauta para se apresentar lá é ter que passar por várias portas da burocracia. Ou seja, o palco do Teatro Amazonas é para poucos privilegiados. Vale mencionar que os moradores da periferia, e muitos artistas periféricos, não têm acesso a esse monumento histórico e tampouco colocaram nele os pés, pois alegam que têm receio de visitar essa casa de ópera ou vergonha de não terem uma roupa “adequada” para ir ao Teatro.

Espaços como o Uatê não contam com nenhum incentivo financeiro de nenhuma instituição cultural, seja do Estado ou do Município, pois, de fato, não há uma política dessas duas instâncias que fomente os espaços alternativos em Manaus. Os próprios artistas criam modos de atuação para a resistência e existência desses lugares, que tanto contribuem para a vida cultural manauara, com oficinas, encontros e apresentação de espetáculos e performances. Ou seja, um lugar que fomenta outras pedagogias, saberes e conhecimentos além dos hegemônicos e institucionais, pois é importante dizer que a formação do artista não acontece somente nos lugares-instituições de ensino formal.

Mara iniciou a fala da mesa:

“Corpo político é o que faz. É o meu corpo. É a minha história. (…) A gente aprende com as histórias, ao ouvir as histórias. (…) São vozes que a gente ouve. (…) Quando eu falo da minha história eu começo com 12 anos quando eu vi uma revista e vejo um rosto indígena (…) Eu desenhei aquele rosto, e agora eu sei que é do Xingu, da cultura do nosso amigo Krenak. (…) nos anos 1980 meu pai me leva pra ver um grupo de dança indígena, na rua (…) e me apaixonei por essa dança e por aquela cultura. E para aonde eles iam eu ia com papai. Eu tinha uns 18 anos. (…) com 24 anos eu não sabia que tinha dança em Manaus. (…) Fidelis Baniwa me trouxe o poder de acolher. A gente morava na Compensa (bairro de Manaus), e a gente acolheu 15 indígenas (…) e a partir daí eu comecei a acolher. (…) Em 2010 em me mudei para a casa da minha mãe. (…) Fizemos ‘Objeto Ritual’, com 15 indígenas Tikunas. (…) Mamãe morreu e eu não quis alugar a casa. E pensei, ‘Eu vou é fazer um palco aqui no quintal, e vai ser um espaço cultural’. Em 2014 a gente formalizou. Começamos a acolher. Muitos artistas não tinham aonde ficar e a gente começou a acolher e dizer, ‘Fica aqui’. E as minhas amizades com os indígenas fizeram eu viajar para o Alto Solimões, Roraima, Atalaia do Norte, Tabatinga, e fui construíndo essas amizades. (…) Lá em casa além de ser um espaço cultural, é um centro de acolhida. (…) Esse é um resumão da minha vida, de onde começou toda essa ebulição de amizades. (…) eu sou amiga dos indígenas, só! (…) a academia se faz naturalmente. Tudo que faço, crio lá em casa com os indígenas, tem dentro de mim, porque nós somos misturados: sangue negro, indígena e branco. Não tem como, eu sou misturada. Eu tenho um sangue indígena. Eu sou indígena. (…) era para um indígena estar aqui falando sobre dança étnica, mas por acaso, ela não pôde estar e eu vim no lugar dela. (…) minha vida é construída através das amizades e eu tenho os indígenas, e todo ano eu vou para as comunidades indígenas”.

A seguir veio Jayne Kyra, multiartista da Amazônia, bacharel em Dança pela Universidade do Estado do Amazonas. Desde 2008, atua como artista independente desenvolve performances que integram linguagens artísticas com dança, circo, videodança e outras práticas corporais. Além disso, utiliza dos conhecimentos herdados de sua mãe para criar figurinos e peças ecosustentaveis. Nos últimos anos, participou de residências artísticas como “Casa Comum”, apoiada pelo British Council, com produto artístico apresentado em Londres (2021), e “MAR — Mulheres Artistas Resistem”, do Coletivo Elza Soares, cujo produto artístico final pode ser acessado pela plataforma oficial do coletivo (2022).

“Eu inicio a minha dança lá no Pará. (…) uma amiga da família me chamava lá para a casa dela e me ensinava passos de Forró, Technobrega e de tudo. Ela dizia, ‘Você precisa aprender a dançar. Eu preciso de alguém que dance comigo’. Ela fazia comigo diagonais… E quando eu cheguei na universidade eu pensei: ‘Gente, eu já vivi isso!’. Mas de outra forma. Quando eu vim pra Manaus minha família tomou outra configuração. Minha mãe se tornou uma mãe-solo, com quatro filhos. Eu queria fazer algo com o corpo, como profissão. Minha situação era tão precária que a minha famíla não cogitava que alguém da família fizesse universidade um dia. (…) O que aconteceu, na escola tinha o Projeto Jovem Cidadão, aulas de dança, mas eu gostava era de futebol. (…) Quando eu saí disso, eu engravidei. Uma gravidez precoce, com 17 anos, eu ainda estava no Ensino Médio. Eu queria continuar dançando, mas não podia, pois não tinha condições. Mas eu precisava me profissionalizar. Eu já dançava com os meninos Break, mas eu disse para o Miguel (Maia), que eu não podia ficar só na Batalha, pois um dia eu ganho e no outro não. Amanhã eu vou estar mais velha, o meu corpo não vai funcionar. Eu preciso fazer outra coisa. Foi quando eu entrei na UEA. (…) eu não consigo me encaixar só na dança, porque eu transito em vários lugares. Quando eu começo a estudar na UEA eu começo a viver o Centro. Venho da Zona Leste e passo a viver o Centro e a tudo que acontecia no Centro eu ia. (…) Eu danço, se você quer que eu dance para você, eu preciso receber. (…) cachê é o meu salário, eu sou uma artista independente, eu não tenho salário fixo. Não gosto de falar meu cachê, gosto de falar meu salário, meu pagamento. Porque eu trabalhei para isso. Aí, quando eu vou pra rua, quem me conhece sabe que eu transito, vou para o circo, mas quando a gente vai para a rua é outro ambiente. A gente tem uma troca maior. É um outro ambiente, mas a gente se torna invisível para muito artistas. Eu experienciei muito isso de ficar sentada ali na rua Dez de Julho (Centro de Manaus) (…) do jeito que eu estava para performar na calçada, eu me tornava invisível. Mas esses espaços são espaços que a gente cria. (…) eu sou extremamente contra de pedir autorização para eu me apresentar em espaços públicos. Meu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) foi falando sobre isso. (…) se eu preciso estar naquele lugar e ele é público, ele é meu (…) e as pessoas precisam reconhecer isso!”.

Kyra narrou que foi muito difícil ter sido mãe muito jovem e que teve que fazer de tudo para se manter. Por exemplo, a artista é vista na paisagem urbana manauara com sua Arte de Rua/Tecido Acrobático, em árvores. Além disso, a artista disse que tentou várias vezes ingressar, por meio de audições, num dos Corpos Artísticos de Dança do Amazonas, mas nunca conseguiu passar. Então, intuitivamente e corajosamente, teve que criar outras possibilidade de se manter como artista indo para rua da urbe manauara com sua arte.

Seria importante mencionar o fato de que a maioria dos artistas de rua é do sexo masculino, assim nos instigando a fazer a seguinte questão: por que essa limitação da presença feminina na arte de rua? Seria pela possível violência que a mulher-artista poderia sofrer estando nas esquinas da urbe?

Desenho da artista-mestra da Dança Improvisação/Partitura Performativa, Yvonne Meier. Fonte: Perfil da artista no Facebook.

Arlem Jesus é formando em Dança, Matemática e Análise de Sistema.
Trabalhou com Bibi Ferreira. É professor de Danças Folclóricas no Liceu Claudio Santoro, professor de dança de salão, bailarino. Fez parte do grupo de Dança de Jaime Aroxa e Marcelo Grageiro, em Paulo Afonso (BA) e atua com instrutor de dança do CTG (Centro de Tradições Gaúchas) Tebanos do Igai. Atualmente participa do documentário de Danças Regionais do Estado do Amazonas e criador do site Nortanca, ainda em construção.

O foco de pesquisa de Jesus são as danças folclóricas. Há anos o pesquisador vem estudando e pesquisando essa linguagem dancística ao lado de uma das maiores referências no Amazonas sobre danças folclóricas, o mestre Nogueira.

“Nogueira, que se tornou ao longo dos anos de docência regional, refugiou-se no Departamento de Educação Artística da Escola Técnica Federal do Amazonas (ETFAM, atual IFAM). (…) Instalado em sua nova base, o professor deu continuidade ao seu trabalho de resgate de danças folclóricas da região Norte, principalmente do Amazonas e Pará. Em seu acervo pessoal, constam centenas de gravações profissionais e caseiras de cantigas, modinhas e outros ritmos resgatados do cancioneiro popular graças à perseverança que só um aficcionado por arte e cultura pode ter.” (XAVIER, 2002).

“Eu sou de Bento Gonçalves, Rio Grande do Sul. (…) Quando cheguei aqui, com 6 anos, onheci o Festival Folclórico Marquesiano. E eu conheci esse professor maravilhoso, o José Gomes Nogueira. (…) Eu sempre questiono: ‘Cadê o folclore do Amazonas?’ Cadê os artistas, como Rider. Não tem espaço. Os espaços estão limitados. (…) Eu hoje em dia faço mais parte de pesquisa. (…) Eu tenho mais de 50 terabytes de vídeos de danças floclóricas do mundo inteiro (…), porque a gente está tentando resgatar danças como Tangará, Passo Tangará… Alguém conhece? Dança do Aro. Lá no Rio Grande do Sul tem o Centro de Tradição Gaúcha. (…) Eu fui da primeira turma da Universidade do Estado do Amazonas. A gente tinha uma matéria sobre danças folclóricas, porque também a gente não tinha também de músicas brasileiras? (…) A pesquisa… a gente é muito tradicionalista nas danças populares, porque está faltando pesquisa. (…) Na minha época eu não via na universidade Danças Urbanas, Danças Indígenas. (…) Na época, na universidade, a gente sofreu muito preconceito. O André também sofreu, imagina eu… chegar lá do folclore e um preconceito grande. A gente sofreu muito preconceito. (…) Ver o Miguel Maia dançando na cadeira de rodas… no meu tempo eu não via isso. (…) Os espaços culturais daqui só estão abertos para o Boi de Parintins e alguns festivias, fora isso eu não vejo a manifestação de Dança Folclórica, Hip Hop, proque existe um monopólio. Existe muito ego e esse ego quebra muita coisa. (…) Hoje em dia há uma diversidade, a moçada de Dança de Salão, a moçada da Dança Vogue (…) Eu sou #EleNão, também! (…) Eu fiquei muito sensibilizado com o Leo (Scantbelruy) quando ele disse sobre a Lei Paulo Gustavo (vetada pelo Bolsonaro), porque ele vive de arte e eu não. Hoje em dia é muito difícil viver de dança. Então eu digo, gente vamos lutar, pois todos nós merecemos!”.

Em Manaus, há um fenômeno muito interessante, mas que ainda não se tem pesquisas relevantes de pesquisadores (as) acadêmicos (as) sobre a tradição das danças internacionais nos bairros da periferia manauara, executadas em sua maioria por jovens da rede pública de ensino que, diferente dos adolescentes da classes média e alta, não podem custear seus estudos nas academias de dança da cidade. Além disso, esses jovens periféricos não fazem aulas de balé, jazz ou dança moderna. Assim, qual a opção? Engajarem-se em um dos mais de 200 grupos de dança folclórica disseminados pela cidade de Manaus (XAVIER, 2002).

Segundo Xavier (2002), “O alto grau de querelas e celeumas no universo artísticos desses grupos, entretanto, não impediu que o setor de danças internacionais se organizasse e se refugiasse, com suas (…) facções”. Ou seja, em associações como Associação dos Grupos Folclóricos do Amazonas, Associação dos Grupos Folclóricos de Manaus e Liga dos Grupos Folclóricos do Amazonas.

Interessante observar que essas pessoas que atuam nas danças folclóricas das comunidades de bairros de Manaus têm essas associações que certamente aglutinam moradores, assim contribuindo para a manutenção e continuidade de suas manifestações artísticas culturais. Diferente das danças feitas no ambiente das danças cênicas de Manaus, que não têm uma entidade representativa para essa categoria, com isso fragilizando muito, politicamente, os (as) artistas que pesquisam e têm como linguagem a dança contemporânea, o jazz, as danças urbanas e outras danças cênicas. Precisamos urgentemente que se crie uma associação, cooperativa, sindicato ou federação que represente juridicamente os artistas das danças cênicas.

A palestra seguinte ficou a cargo de Waldir Jr., integrante do movimento do folclore e das artes populares de Manaus, desde criança. Participante de diversos grupos de danças folclóricas desde 1987, atuando como dançarino e posteriormente como coordenador artístico e diretor geral. Atuou como pesquisador, colaborador e apoiador cultural de produções literárias voltadas principalmente para o público infantojuvenil, além de gestor, coordenador artístico e apresentador de produções e eventos culturais. É coordenador geral do Grupo de Dança Árabe Síria do Amazonas, e fundador, atual presidente e gestor do Instituto de Desenvolvimento Artístico, Educacional e Cultural Manaós (Instituto Manaós).

“Mais conhecido como Dança Síria, o Conjunto Folclórico Árabe Sírio do Amazonas tem oito anos de existência e uma interessante, para não dizer intrigante, origem: a fusão do Conjunto Árabe com o Bal-abak (…) coordenado por Waldir dos Santos Barbosa Júnior”. (XAVIER, 2002).

Junior apresentou slides por meio dos quais foi possível perceber a sua colaboração, práticas e vicências com o Prof. Nogueira e com as danças folclóricas. Mencionou também sobre o Instituto Manaós, onde se desenvolve dança como a do Grupo Sírio do Amazonas, que é tutelado sob o Instituto, segundo Junior.

Logo após a palestra do pesquisador Waldir, tivemos algumas falas importantes da plenária que merecem ser narradas nesse texto:

Durand: “Esse Encontro é um sucesso em nível local e no interior, e (quero) dizer para vocês que nós que trabalhamos com essas culturas (populares), não estamos no anonimato. Eu resolvi fazer dança, Rider e Francis, porque eu queria saber qual era a dança desses que dançavam no linóleo dançavam, era a diferença da nossa que nós aprendemos no asfalto, levando pedrada, carro passando e chamando a gente de qualquer coisa, tablado quebrado onde a gente perfurava o pé. Eu fui para a universidade (UEA), professora Raissa, justamente para conhecer que dança era essa que se fazia, e que quando nos avaliavam nos avaliavam de maneira errônea. E muitas vezes nós fomos tachados, marginalizados, mas não sabiam o quanto a gente ralava para montar um figurino de 32 intépretes em cena, pedindo no lado do cemitério nosso tradicional pedágio, e às vezes levava chá de cadeira de um vereador, de um deputado”.

Rider: “Isso que o Durand está falando é importante. E como eu comecei a fazer teatro em 1980… É preciso dizer que é importante que a universidade exista, que o Liceu Cláudio Santoro exista, mas é importante dizer que na década de 1980 ser bailarino e ator em Manaus era ser tachado de ‘viado’, ‘maconheiro’ e ‘vagabundo’. Então, o que nós passamos, Conceição Souza e outros… realmente a gente tem que reverenciar. O que a Francis Baiardi falou hoje é importante. Essas instituições são importantes que existam, mas imagina, nos anos 1980, você está caminhando na rua… Eu estava com Joffre Santos, que foi o primeiro diretor do CDA, nós garotos, e só pelo fato de fazer dança era discriminado e tachado de tudo negativo. Então eu acho que esse Fórum/Encontro é importante também por nós trazermos questões que estão soterradas e sempre foram camufladas. Toda vez que eu participava de encontros da dança ou evento da dança, só se falava em edital e sobre o Festival Amazonas de Dança. Essas questões que nós estamos refletindo aqui são importantíssimas. Conhecer o Waldir, eu não conhecia, eu não conhecia o Kelsin. Não conhecia o Simas. Esse encontro estar provocando essas discussões que falam sobre o corpo político. Isso é o corpo político. Corpo político não é só teorizar sobre corpos eurocentrizados e do hemisfério norte, não! Corpo político é falar também sobre dança floclórica e popular do hemisfério sul, que em geral, ficam à margem da cultura e da arte hegemônica e canônica”.

Por último, após a palestra de Júnior, o evento seguiu com a apresentação de Dança de Salão, dançada pelo grupo Maria Dança de Salão.

Os dois dias seguintes do Encontro, dias 11 e 12 de abril, foram dedicados às discussões específicas sobre o X Festival Amazonas de Dança (FAD) — reverberações dos três primeiros dias do Encontro afetaram essa fase do evento — , que não acontece há dois anos. Vale ressaltar que esse festival há 10 anos faz parte do calendário cultural de Manaus e da programação oficial da Secretária de Cultura e Economia Criativa do Amazonas.

Assim, não fez sentido essa lacuna de dois anos. A desculpa, segundo esta secretaria, foi a pandemia do coronavírus. Mas fica a questão: por que não houve da parte da SEC-AM a iniciativa de propor para a categoria que o FAD acontecesse no modo virtual? Afinal, essa lacuna de dois anos provocou não só um estranhamento de toda a comunidade, como também, e principalmente, afetou a economia de muitos profissionais das danças do Amazonas, especialmente num momento tão duro para os artistas autônomos, que passo a passo — devido ao pensamento imposto pelo capital financeiro e pelo neoliberalismo e a perseguição do governo Bolsonaro aos artistas — têm suas vidas econômicas num processo de precarização e subalternização.

Os dois dias das dicussões tiveram como mediadora a coordenadora e professora do curso de Dança da UEA, Raíssa Costa, com foco nos temas: Formato do X FAD; item por item do edital, tendo como referencial o edital do IX FAD (2019); comissão curatorial; comissão de organização/produção; categorias e suas linguagens; critérios de seleção; inscrição; homenageados; abertura e encerramento do festival; oficinas, debates, palestras; valor total de realização do X FAD; e outras discussõe pertinentes ao tema.

Foram dois dias de debates acalorados, reflexivos, com propostas e ideias dos presentes, em que todas foram analisadas e decidadas democraticamente pelo processo de votação.

É importante ressaltar que os (as) artistas, pesquisadores (as) e professores (as) presentes nos três primeiros dias do Encontro e que acompanharam todas as dicussões do evento tiveram muito cuidado que não se perdesse o foco das discussões e fossem respeitadas as decisões tomadas pelos presentes antes do Encontro e durante, para que, dessa forma, ocorresse o amadurecimento das ideias, das sugestões e das propostas. Além disso, seria desrespeitoso aos que estiveram presentes durante todo o Encontro que se retornasse a discutir novamente questões e problemas que já tinham sido esmiuçados anteriormente; até pelo fato de ter sido um evento intenso de cinco dias, com mais de 4 horas de duração cada dia de encontro.

Três componentes do Corpo de Dança do Amazonas estiveram presentes no último dia do Encontro, que tinha como tema o X FAD, e questionaram o motivo do impedimento da participação deles como proponentes neste festival. De acordo com o edital de 2019 do evento,

“6. É vedada a inscrição: de SERVIDORES, colaboradores, terceirizados, estagiários, membros e prestadores de serviço relacionados ao Governo do Estado/Secretaria de Estado de Cultura — SEC, dirigentes da Agência Amazonense de Desenvolvimento Cultural — AADC (…) 6.3. De espetáculos que possuam em sua ficha técnica — ARTISTAS, EM QUALQUER uma das funções — que sejam funcionários da SEC ou da AADCC (…).”.

Além desse impedimento estabelecido pelo setor jurídico da SEC, é importante acrescentar que o FAD foi, desde sua criação, pensado para servir de “vitrine” às obras dos coreógrafos, bailarinos, dançarinos e performers autônomos, e um mecanismo que serveria para contribuir para a economia destes profissionais e de suas equipes: trabalhadores (as) autônomos (as), que nos últimos anos têm sofrido um processo de precarização de suas economias, devido ao governo autoritário do Jair Bolsonaro e sua perseguição aos artistas, e ao mercado das artes que foi cooptado pela lógica do neoliberalismo, que alimenta a competição, o individualismo, a meritocracia e o empresário de si.

Desenho da artista-mestra da Dança Improvisação/Partitura Performativa, Yvonne Meier. Fonte: Perfil da artista no Facebook.

Essa narratividade iniciou com a pergunta: o que é um encontro? E terminará com as provocações-questões: o que é um festival? Para quê serve um festival? Para quem se propõe o FAD? Quem é incluído e por que é incluído no FAD? Quem é excluído e por que é excluído do FAD? Para qual público será formatado o X FAD? Qual o conceito do X Festival Amazonas de Dança?

Referências

DA SILVA, Francisco Rider Pereira. Dissertação. Organização Movement Research: um laboratório artístico na Cidade de Nova Iorque, além dos conhecimentos e dos cânones dominantes. Programa de Pós-Graduação em Letras e Artes da Universidade do Estado do Amazonas (PPGLA/UEA). Amazonas. 2020.

FREITAS, Ítala Clay de Oliveira. Tese. Tramas Comunicativas da Cultura. A Dança no Jornalismo Impresso em Manaus (1980–2000). PUC-SP. 2010.

MAZZOLA, Renan Belmonte. O cânone visual: as belas-artes em discurso. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2015. (Coleção PROPG Digital- UNESP). ISBN 9788579836718. Disponível em: <http://hdl.handle.net/11449/138600>.

XAVIER, Adalto Guilherme. Dançando Conforme a Música. Manaus: Valer, 2002.

Site

Crítica: Paris is burning. Disponível em: <https://www.planocritico.com/critica-paris-is-burning/> Acesso em: 18/04/2022.

Movement Research Performance Journal, 2000. Disponível em: <https://movementresearch.org/> Acesso em: 18/05/2022.

PERRON, Wendy. Movement Research Performance Journal, 200. Disponível em: <https://movementresearch.org/> Acesso em: 18/05/2022.

Yvonne Meir vem explorando a improvisação em performance e ensinando Releasing Technique, Authentic Movement e sua própria técnica de improvisação, “Scores”, nos Estados Unidos e na Europa nos últimos 37 anos. Ela está no corpo docente do American Dance Festival nos últimos 5 anos. Já deu aulas para companhias de dança como Rosas de Anna Teresa de Keersmaeker e Damaged Goods Company de Meg Stuart, entre outras. Por sua coreografia, Yvonne Meier recebeu três Prêmios “Bessies” e um “American Masterpiece Award” do NEA.

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