ARTES TEXTUAIS DO PITIÚ

Não-Manifesto ‘CorpÓbolos Artistautônomos’

Criação de Francisco Rider, num processo intertextual com a canção “Ain’t Got No — I Got Life”, de Nina Simone

Pitiú Textual das Artes
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  • Instrução: Este manifesto é para ler em voz alta, ouvindo a canção “Ain’t Got No — I Got Life”, de Nina Simone.
  • Óbolo, na Grécia Antiga, era moeda de menor valor.
  • Ain’t Got No, I Got Life” é um single de 1968 da cantora e compositora norte-americana Nina Simone, de seu álbum “‘Nuff Said”. É um medley de duas canções, “Ain’t Got No” e “I Got Life”, ambos do musical “Hair”, com letras de James Rado e Gerome Ragni, e música de Galt MacDermot. Nina refez a combinação das duas canções para se adequar ao seu propósito, numa criação inteiramente original. Fonte: Wikipedia.
  • “Hair” (estreia em 1967, Off-Broadway, NYC) conta a história da “Tribo”, um grupo de hippies de cabelos compridos e politicamente ativos da “Era de Aquário” vivendo uma vida boêmia na cidade de Nova York e lutando contra o recrutamento militar na Guerra do Vietnã. Fonte: Wikipedia.
CorpÓbolo Artistautônomo Francisco, Experiência. 2022. Performer: Francisco Rider. Fonte: Acervo do artista.

Não à precariedade dos CorpÓbolos-Artistautônomos

Não à subalternização dos CorpÓbolos-Artistautônomos

Não à inexistência de FGTS para os CorpÓbolos-Artistautônomos

Não à capitalização dos corpos dos CorpÓbolos-Artistautônomos

Não para a sedução que dia a dia sofrem os CorpÓbolos-Artistautônomos para se renderem à lógica do mercado financeiro

Não à falta de condições econômicas para emergências de saúde dos CorpÓbolos-Artistautônomos: “A filha do compositor Aldir Blanc, Isabel Blanc, fez um apelo por um leito em vídeo na web. Amigos, fãs e familiares subiram a hashtag #AldirBlancSOS.”

Não à inexistência do décimo terceiro salário para os CorpÓbolos-Artistautônomos

Não aos cachês-esmolas dados aos CorpÓbolos-Artistautônomos

Não à falta de políticas públicas para os CorpÓbolos-Artistautônomos

Não à falta de… à falta de…

À falta de?

Não à falta de projetos de aposentadoria para os CorpÓbolos-Artistautônomos

Não à falta de condições econômicas para a realização e o financiamento de projetos e ideias dos CorpÓbolos-Artistautônomos:

Fotógrafo J.R. Ripper realiza campanha de financiamento coletivo para doar seu acervo

Fotografia de J. R. Ripper. Fonte: <https://www.ateliedaimagem.com.br/docente/joao-roberto-ripper/>

Não à aridez de políticas públicas para as artes dedicadas aos CorpÓbolos-Artistautônomos

Não à escassez de trabalho que sofrem os CorpÓbolos-Artistautônomos

Não à falta de oportunidades que vivenciam os CorpÓbolos-Artistautônomos

Não aos não direitos trabalhistas dos CorpÓbolos-Artistautônomos

Não aos ataques sofridos pelos CorpÓbolos-Artistautônomos

Não à perseguição aos CorpÓbolos-Artistautônomos

Não às cicatrizes-feridas deixadas nos corpos dos CorpÓbolos-Artistautônomos

Não à não existência da Lei Paulo Gustavo que prejudica a vida dos CorpÓbolos Artistautônomos

Não ao esperando Godot cotidiano dos CorpÓbolos-Artistautônomos

Não à lógica neoliberal que mata as possibilidades do ofício-arte dos CorpÓbolos Artistautônomos

Não ao capitalismo financeiro que precariza as existências dos CorpÓbolos Artistautônomos

Não ao drama social e econômico que vêm sofrendo os CorpÓbolos-Artistautônomos

Não à falta de trabalho condizente com o grau de instrução/trajetória dos CorpÓbolos-Artistautônomos

Não a cada dia de possível despolitização dos CorpÓbolos-Artistautônomos

Não à falta de um sistema de bem-estar social com que há anos padecem os CorpÓbolos Artistautônomos

Não à austeridade imposta pelo capitalismo aos CorpÓbolos-Artistautônomos

Não aos processos de autoculpa que sentem os CorpÓbolos-Artistautônomos por não terem uma estabilidade econômica

Não às relações hierarquizantes das instituições culturais em relação aos CorpÓbolos Artistautônomos

Não à exploração pelo capital e pelo mercado das artes da criatividade

(Jaider Esbell, Vivo!)

dos CorpÓbolos-Artistautônomos

Não à não possibilidade do ócio criativo a que se sujeitam os CorpÓbolos-Artistautônomos, por continuarem ocupados 24h (produzindo, divulgando, elaborando projetos…)

Não ao acúmulo de riqueza dos capitalistas financeiros, frente à escassez econômica dos CorpÓbolos-Artistautônomos

Não à figura do Senhor/Pai/Deus Dinheiro que explora os CorpÓbolos-Artistautônomos

CorpÓbolos Artistautônomos, Experiência. 2022. Performer: Francisco Rider. Fonte: Acervo do artista.

Não tenho casa

Não tenho sapato

Não tenho dinheiro

Não tenho classe (social)

Não tenho amor

Não tenho mente

Não tenho país

Não tenho amigos

Não tenho nada

Não tenho água

Não tenho ar

Não tenho frango

Eu não tenho

Não tenho dinheiro

Não tenho amor

Então… o que tenho?

Por que estou vivo?

O que tenho?

Tenho meu cabelo? Tenho meu cérebro? Tenho meus olhos? Tenho meu nariz? Tenho minha boca? Eu tenho a mim mesmo? Eu tenho? Tenho meus braços? Tenho minhas mãos? Tenho meus dedos? Minhas pernas? Tenho meus pés? Meu ouvido? Tenho meu fígado? Tenho meu sangue? Eu tenho uma vida? Eu tenho vidas? Tenho dores? Horas ruins? Tenho minha liberdade? Sou dono da minha voz?

Texto-Costura, Experiência, de Francisco Rider. 2022. Fonte: Acervo do artista.

Do meu corpo, sou dono?

Dono de um corpo precário (corpo-cicatriz capitalizado)

Trabalho todo dia

Um trabalho humano não pago (ensaios, pesquisas, produção, estudos…)

Bio-corpolítico

CorpÓbolo do Artistautônomo Francisco, Experiência. 2022. Performer: Francisco Rider. Fonte: Acervo do artista.

Eu tenho uma cabeça, minha, que pensa ou é pensada?

Eu tenho dedos, meus?

Eu tenho pernas, minhas, que me dirigem?

Eu tenho boca, minha, que fala por mim?

Eu tenho ânus? Meu? Ou é do Outro-Pai-Patrão-Larápios Mundiais, que defeca por mim lombrigas e vermes?

Eu tenho nariz? Meu? Ou do Outro-Pai-Patrão-Larápios Mundiais, que cheira por mim as coisas perfumadas da vida?

Eu tenho pés? Eu caminho com meus pés? Ou sou caminhado pelos pés-maquínicos do Outro-Pai-Patrão-Larápios Mundiais?

Eu tenho alma? Minha? Ou do Outro-Pai-Patrão-Larápios Mundiais?

“A alma do trabalhador que desce à fábrica” (Negri)

Sou um produto-artista ou um subproduto?

Arteneoliberalismovida…

Artecapitalismovida…

Auto-Retrato, Experiência. 2022. Performer: Francisco Rider. Fonte: Acervo do artista.

Instrução final:

  • Toque novamente a canção “Ain’t Got No — I Got Life”, de Nina Simone.

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