Nielson Menão ‘Minha trajetória sempre foi a de pesquisar a linguagem teatral. Acho fascinante. Por isso sempre me considerei um experimentalista no teatro, gosto mais dessa pegada’

Francisco Rider da Silva
Pitiú Textual das Artes
15 min readOct 23, 2023
Nieslon Menão. Fonte: acervo do artista

Artista emblemático para a cena teatral manauara (1960–1970), criador do TESC (Teatro Experimental do SESC) onde dirigiu “Eles não Usam Black-Tie”, “Calígula ou Como Cansa Ser Romano nos Trópicos”, “O Funeral do Grande Morto”, “Mikage, A Longa Viagem do Primata”, entre outras montagens.

Francisco Rider: Nielson, nos fale sobre sua infância e adolescência.

Nielson Menão: Minha infância foi em Bauru, jogando bolinha de gude, empinando papagaio e jogando pião com os outros moleques. Aos domingos frequentando as matinês do cine Bauru e discutindo o filme durante a semana. A adolescência foi no Seminário dos Padres Capuchinhos, em Ouro Fino, MG, onde comecei a fazer teatro com bastante frequência, pois o Seminário arrecadava muita grana com as peças que montávamos. Meu primeiro papel foi o de Jesus, em Marcelino, pão e vinho (1955-Espanha, filme dirigido por Ladslao Vajda).

FR: Parece óbvio, e com certeza já te perguntaram, mas temos uma imensa curiosidade, como você teve seu primeiro contato com o teatro? E a partir daí, qual foi sua formação nas artes cênicas?

NM: Como disse acima, no Seminário, onde estudei o que se chamava de Ginásio, participava de pelo menos 2 grandes montagens por ano. No segundo ano formei meu próprio grupo e comecei a dirigir. Havia uma literatura dramática, das edições Paulinas, de textos clássicos adaptados para seminários, na época. Participei de textos bíblicos e de clássicos como Fausto (Fausto, Uma Tragédia, escrita por Goethe, 1808).

FR: Em São Paulo, nos anos 60/70, como foi sua experiência nessa cidade, em relação à comunidade artística paulistana? Você vivenciou a “Pauliceia Desvairada” (referência ao livro Pauliceia Desvairada, de Mário de Andrade, publicada em 1922)?

De volta a Bauru, para cursar o Colegial Clássico (atualmente corresponde ao Ensino Médio, que oferecia opções: Clássico ou Científico), participei do grupo de Mauro Rasi (1949–2003. Dramaturgo paulista, autor das peças “O Duelo do Caos Morto” (1962), “Doce Deleite” (1982), “Pedra, a Tragédia” (1985), “A Cerimônia do Adeus” (1987, Prêmio Moliére — autor), “A Estrêla do Lar” (1989, Prêmio Shell — autor), “5X Comédia” (1994), “Pérola” (1995, Prêmio Shell — autor)“Ladies na Madrugada” (2003), entre outras peças estreladas por Yara amaral, Marília Pera, Vera Holtz, Marieta Severo). Nessa época existiam os famosos festivais de teatro amador que funcionavam como verdadeiras escolas de teatro. Teatro profissional era muito voltado para peças comerciais, onde se apresentavam nomes famosos. Esse tipo de teatro nunca fez minha cabeça.

FR: Nielson, nos fala sobre Manaus nos anos 60; como desembarcou na cidade; como era Manaus naquela década; em que a sociedade manauara foi impactada com o advento da Zona Franca de Manaus; impressão da Manaus daquele período; a cena teatral manauara; e como tomou conhecimento do Grupo TESC?

NM: Terminado o colegial vim para São Paulo, e fiz o curso de teatro Emílio Fontana (Diretor de teatro, cinema e televisão. Cursou a Escola de arte Dramática da Universidade de São Paulo (ECA/USP). Dirigiu, entre outros (as) artistas, Raul Cortez, Glória Meneses, Tarcísio Meira e Plínio Marcos). A profissão teatral ainda não existia. Quando terminei o curso fui chamado por um grupo de Presidente Prudente, que já ganhava festivais durante 8 anos, por isso eles precisavam de um diretor de São Paulo para dirigi-los. Montei “A máquina infernal” (1934), de Jean Cocteau (O mito de Édipo, sob a releitura do dramaturgo, poeta e cineasta Jean Cocteau (1889–1963)) e eles ganharam todos os prêmios e eu muita grana para poder sair pelo mundo com uma mochila nas costas. Quando passei pela Argentina, em Córdoba, me interessei pela Escola de Belas Artes, lá a ditadura ainda não tinha se estabelecido (1976–1983), por isso voltei ao Brasil para regularizar minha documentação. Só pra lembrar, os artistas não eram bem-vistos pela ditadura (Ditadura Brasileira — 1964–1985). Eu vivia sendo chamado para prestar “esclarecimentos” sobre o que fazia, por onde andava, com quem andava. Não consegui regularizar minha situação quanto aos documentos, e decidi voltar para a Argentina e fazer o curso de Belas Artes como ouvinte, que era a opção que me restava. As fronteiras de Foz do Iguaçu estavam fechadas para mim por isso resolvi pegar um ônibus, viajar pela Transamazônica, chegar em Manaus e dali continuar subindo e pegar a ruta panamericana (rota de estradas de norte a sul no continente americano), descer para o Chile e por lá entrar na Argentina. Esse era meu plano, só que estou falando de 1966/67, onde o Norte era outro planeta. Totalmente desconhecido para habitantes do sul. Eu achava que era tudo igual, com estradas e outras comodidades como tínhamos aqui no Sul. Essa viagem para Manaus durou quase 2 meses, entre ônibus, barcos e navios mercantes. O dinheiro acabou e continuei a viagem de carona. Quando cheguei em Manaus, fui direto ao Teatro Amazonas, eles precisavam de guia que falasse francês, eu arranhava o francês nessa época e trabalhei de guia algum tempo. Conheci algumas pessoas da Universidade e me chamaram para dirigir uma peça que participaria do Festival de Cultura. Dirigi “O Espião” de Brecht (é um dos quadros de “Terror e Miséria no Terceiro Reich” escrito por Brecht (1898–1956), entre 1935–43), e ganhamos o prêmio. O Sesc chamou Aldisio Filgueiras, jornalista, poeta e músico para dar um curso de teatro. Ele me indicou e eu coloquei uma condição, que após o término do curso continuar trabalhando como um grupo de teatro. Eles toparam e após o curso criei, com os ex-alunos o TESC, Teatro Experimental do SESC (1968–2017). O movimento teatral era fraco nessa época. Manaus era uma cidade isolada do resto do país. Isso me impactou. Não sei do impacto da Zona Franca sobre a cidade, pois não conhecia Manaus antes disso (Segundo o geógrafo amazonense Aldemir Oliveira (2008), a cidade economicamente foi marcada por períodos de crescimento muito dependentes do mercado internacional, como o do Ciclo da Borracha (1880–1910) e da implantação da Zona Franca (1967), intercalados por outros de estagnação).

FR: “Eles não usam Black-Tie” (1958), de Gianfrancesco Guarnieri (1934–2006-Itália). Nos conte sobre essa montagem (1969) que você dirigiu para o TESC?

NM: A primeira montagem que dirigi, já com o TESC, foi “Eles não usam Black-Tie” de Gianfrancesco Guarnieri. A censura não liberou, alegando que o autor não tinha dado autorização. Na verdade, o texto mimeografado nunca saiu da gaveta do censor de Manaus. Resolvemos enfrentar a censura, que ainda não era muito articulada e apresentar no Teatro Amazonas. Era uma linguagem nova para a cidade, uma montagem não realista, ponteada com momentos de filmes musicais americanos e sobretudo o deboche, que a partir daí foi a grande característica do grupo.

Montagem da peça Eles não Usam Black-Tie, dirigida por Nielson Menão, em 1969, para o TESC. Elenco: Aldision Filgueiras, Ivone Menão, Aldemir Said, Custódio Rodrigues, Iracy Mitoso, Ezelaide Viegas, José Mendes, Emanuel T. Fonte: Disponível em: TESC nos Bastidores da Lenda, de Ediney Azancoth e Selda Vale (2009).

“(…) um elenco jovem, dirigido por Nielson Menão, ocupava a quadra esportiva do sesc com encenação da peça que tanto marcara a minha formação cultural e política. Revivi com paixão e intensidade o texto de Guarnieri, é claro que de maneira diferente daquela montagem de 1962.” (Ediney Azancoth, depoimento extraído do livro TESC nos Bastidores da Lenda, de Azancoth e Selda Vale. Ediney se refere à montagem de Eles não Usam Black-Tie feita pelo Teatro do Estudante de Mossoró, em 1962, que ele assistiu no IV Festival de Teatro de Estudantes (Porto Alegre)).

FR: Nos interessa muito saber sobre o ritualístico “Calígula ou Como Cansa Ser Romano nos Trópicos” (1969, dirigido por Menão). Como foi o processo? E por que esse título, em si, performativo e, ao mesmo tempo, irônico?

NM: Sobre Calígula, foi o seguinte. Me parece que se criou muita lenda em torno dessa montagem. Eu tinha comigo uma tradução de “Calígula” (1945), de Camus (1913–1960-Argélia). Não havia publicações em teatro nessa época, era uma cópia mimeografada que carregava comigo desde São Paulo, portanto era o que tínhamos para montar. O elenco era formado por comerciários, a maioria, embora talentosa, mal tinha terminado o curso colegial. Liam muito mal, principalmente no que se refere a uma leitura dramática e quase clássica. Aldisio, jornalista, estava no elenco e se impacientou, com a leitura malfeita, aí resmungou:” Como cansa ser romano nos trópicos”. Entendi o recado e partimos para adaptar o texto e atualizá-lo. Era quase como um happening (expressão nas artes criada pelo artista norte-americano Allan Kaprow (1927–2006) nos anos 50, que fazia referência ao diálogo entre o teatro e as artes visuais, em que não há uma separação entre público e performers), que começava a surgir na época. O happening não era somente o diálogo entre o teatro e as artes visuais, mas também calcado na improvisação conforme a reação do público, embora tivesse um roteiro básico. Apresentamos no Festival de Cultura e fomos esculhambados pelos sisudos senhores do Conselho de Cultura. Era uma linguagem agressiva para a época. A peça começava com um senador romano, vestido com peças de roupas da Zona Franca, como sombrinha chinesa e tecidos brilhantes, como teatro de revistas de segunda categoria, e convidava o público para subir no palco. Quando o público se acomodava a cortina era fechada e a peça virava um happening. Do teto do teatro desciam cachos de bananas, os personagens tiravam as roupas romanas e somente vestidos de cuecas, se sentavam no colo do público e ali desenvolviam a história de Calígula. Pelo que soubemos depois, os julgadores do Conselho de Cultura estavam escondidos nas galerias do teatro e não foram para o palco. O que deu destaque à montagem, foi que após a esculhambação pelos jornais, Aldisio, como jornalista inteligente que sempre foi, respondeu à altura às provocações. A partir daí o grupo se projetou na cidade e éramos procurados por artistas, músicos e pessoas que se identificavam como nosso trabalho e se agregavam a nós.

“Calígula ou Como Cansa Ser Romano nos Trópicos” (1969, dirigido por Menão). Elenco: Aldisio Filgueiras, Nielson Menão, João Roque do Lago, Roberto Alves, Paulo Viegas, Afonso Albuquerque, Ivone Menão, Carlos Micheles, Custódio Rodrigues, Sandra Albuquerque, Aldemir Said. Fonte: Disponível em: TESC nos Bastidores da Lenda, de Ediney Azancoth e Selda Vale (2009).

“Ufa! Como cansa ser romano nos trópicos!. (…)Nós não temos imperadores! Temos ditadores, cujos súditos são ribeirinhos. Nosso império não é o romano, no máximo uma republiqueta de bananas e aí… o que eu estou fazendo aqui?”. (Aldisio Filgueiras. Trecho extraído do livro TESC nos Bastidores da Lenda, de Ediney Azancoth e Selda Vale).

FR: Você e o Tesc, naquele momento, tiveram influências do Teatro Oficina e da montagem emblemática da peça “Rei da Vela” (1967), de Oswald de Andrade, dirigida pelo Zé Celso?

NM: Os atores do TESC nunca tinham assistido uma peça de teatro, portanto Zé Celso não exercia nenhuma influência no grupo. Zé Celso apareceu por aqui com “Galileu, Galilei” (1968), de Brecht, já próximo de eu voltar para São Paulo. Foi uma convivência muito enriquecedora para o TESC. Alguns resolveram seguir Zé Celso para São Paulo, acho que Carlos Michiles e Ilton Oliveira, cujas famílias tinham grana para bancá-los fora de Manaus.

Cena da peça “Galileu Galilei”, de Brecht, dirigido por José Celso Martinez Correa, em 1968. Teatro Oficina. Fonte: Disponível em: <http://memorialdademocracia.com.br/card/nem-burgues-nem-revolucionario>

FR: “Pastum” (1970. Dirigido por Menão) era uma peça-show? Poderias nos conceitualizar um pouco sobre esse espetáculo?

NM: “Pastum ou Mikage e A longa viagem do Primata” era um experimento numa pegada de contracultura (movimento surgido nos anos 60, que tinha como filosofia de vida dos seguidores, por exemplo, o vegetarianismo, o uso de psicodélicos, a liberação sexual, o feminismo, a blacktude, o anticapitalismo) que eu já trazia comigo desde a época de São Paulo. O que acontecia, também, era a perseguição da censura, já um pouco mais articulada, que resolveu não liberar nenhum texto onde aparecesse meu nome.

Pastum. Direção de Nielson Menão. Elenco: Ilka Castro, Custódio Rodrigues, Elro Massulo. Disponível em: TESC nos Bastidores da Lenda, de Ediney Azancoth e Selda Vale (2009).

““Pastum”, a peça de título enigmático, teve sua carreira interrompida antes de começar. Clandestinamente, foi realizado apenas um espetáculo para os amigos e convidados especiais, tudo era absoluto segredo (…) A Censura Federal , de Brasília, sacou rapidamente que por trás da temática psicodélica existiam frases e expressões propositadamente ofensiva à “gloriosa revolução” de 1964.”” (AZANCOTH; VALE. 2009).

FR: “Mikage, A Longa Viagem do Primata” (1971), tem influências de rituais místicos? Do Movimento Hippie (surgiu nos anos 60 nos Estados Unidos da América. Os hippies pregavam o amor livre, o respeito à natureza, à uma vida simples, sem focar no consumismo e faziam o uso de drogas com o objetivo de expandir a mente e a criação) ou da Contracultura? Esses espetáculos marcam um momento muito experimental do Tesc, no que tange as abordagens cênicas e corporais? Nesse período dos anos 60/70, você ou o Grupo Tesc tinham conhecimento sobre a companhia de teatro experimental novaiorquina Living Theatre (fundado em 1947), dirigido pela Judith Malina (1926–2015-Alemanha) e o Julian Beck (1925–1985-EUA)?

NM: Não, como disse antes, vivíamos isolados do resto do país e do mundo.

FR: Como foi a montagem e a concepção do espetáculo “Funeral do Grande Morto” (1972. Dirigido por Menão)?

NM: Eu virei dramaturgo graças à censura que não liberava peças de autores brasileiros e comecei a escrever os textos que usávamos para exercícios internos do grupo e montagens para o público. Escrevi “O Funeral do grande morto”, tudo numa linguagem cifrada, para driblar a censura, que nem os atores entendiam e muito menos o público. Mas o que eu queria era que cada cena provocasse um impacto na plateia. Inventei uma história, que uma autora boliviana tinha passado por aqui e nos presenteado com o texto, Amazonina Valença. E deixamos a censura desnorteada e conseguimos fazer uma longa temporada. Foi um processo muito legal. Eu convidei pessoas de outros grupos a se juntarem a nós e isso enriqueceu muito nosso trabalho. Fizemos laboratórios fora de Manaus, em acampamentos e prédios históricos. Os textos eram tirados de entrevistas de políticos e militares da época que não diziam absolutamente nada. Mas, ao mesmo tempo, queríamos que o público ficasse com uma história. E aconteceu. Veja, se você conseguir, uma crítica de um jornalista que tinha Farias no nome, não e lembro o nome completo. Ele descreve bem o espetáculo.

Folder do espetáculo Funeral do Grande Morto. Fonte: acervo Wagner Mello.

“A união do Tesc com atores vindos de vários grupos resultou na montagem da peça “O Funeral do Grande Morto”, em maio de 1972. A peça, constituída de um ato, tinha a assinatura autoral da fictícia colombiana Amazonina Valença. O nome foi um artifício criado por Nielson Menão (seu verdadeiro autor) para despistar a Polícia Federal (…)” (AZANCOTH; VALE. 2009).

Escrita de Mário Antônio contida no folder da peça “O Funeral do grande Morto”. Fonte: acervo Wagner Mello.

“O totalitarismo pode ser definido, de certa maneira, como a introdução da rígida disciplina militarista nas relações sociais, Um dos seus melhores agentes, sem dúvida, é a intolerância burocrática. O Funeral do grande Morto, peça-ritual em um ato único de Amazonina Valença consegue recriar o clima do totalitarismo burocrático” (Mário Antônio).

Folder do espetáculo Funeral do Grande Morto. Fonte: acervo Wagner Mello. Fonte: acervo Wagner Mello.
Folder do espetáculo Funeral do Grande Morto. Fonte: acervo Wagner Mello. Fonte: acervo Wagner Mello.
Folder do espetáculo Funeral do Grande Morto. Fonte: acervo Wagner Mello. Fonte: acervo Wagner Mello.

FR: Nielson, qual a importância das montagens que você dirigiu no Tesc, para a cena teatral daquele momento e para o próprio Tesc? Que impacto você pensa que causou no movimento teatral da época?

NM: Cara, eu não pensava nisso no momento que fazia. Tínhamos problemas sérios com a censura e, portanto, não conseguíamos trabalhar direito. Sempre no dia seguinte à estreia de algum espetáculo eu era chamado para explicar o que estava acontecendo no TESC. Passava o dia lá, à disposição deles, que muitas vezes me davam um chá de cadeira e me liberavam no fim da noite. Quanto ao impacto no movimento teatral da época eu só vim pensar nisso depois, lendo os livros de Selda Valle (Pesquisadora amazonense) e do próprio Marcio (Souza. Escritor e dramaturgo amazonense) que escreveu muito sobre o Tesc (Márcio ingressou no TESC em 1973, dirigindo “Espinhos no Coração”).

FR: Há um dito popular em Manaus “Comeu jaraqui, não sai mais daqui”. Mesmo comendo jaraqui, em 1972/73 você foi embora daqui. O que te fez deixar Manaus, após um período de vivências na cidade? Há quantos anos você não visita Manaus?

NM: Eu convidei um amigo de São Paulo para apresentar uma peça “Como somos, cromossomos”, de Kito Junqueira, que tinha sido amigo na escola de teatro. Ele me convenceu que eu estaria melhor em São Paulo, ao seu lado na direção do teatro de Arena. Sempre fui fascinado pelo Teatro de Arena de São Paulo (1953–1972. Um dos mais importantes grupos teatrais brasileiros das décadas de 50 e 60). Mas, não deu certo. Tive que fazer outras coisas, como trabalhar em “HAIR” (1969, Dirigido por Ademar Guerra, no elenco tinha nomes como Sônia Braga, Ney Latorraca e outros) e durante 7 anos desenvolver laboratórios com um aluno de Grotowski (Jerzy Grotowski. 1933–1999, Polônia. Um dos grandes nomes do teatro internacional). Mas, Manaus nunca saiu da minha cabeça, as pessoas foram sempre muito generosas comigo aí. Tenho muita vontade de voltar e dirigir um espetáculo ou qualquer coisa que o valha para dizer, “olha aqui, como eu aprendi e quero repartir isso com vocês.” Só que isso não pode demorar muito, ano que vem faço 80 anos.

Como foi tua trajetória após deixar Manaus e o TESC? Você colaborou com outros grupos, artistas? Para onde você foi depois daqui?

NM: Morei em alguns lugares como Vitória (ES), onde realizei um sonho de ter um grupo mambembe e viajar. Fizemos isso durante 2 anos. Aprendi fazer bonecos com uma artista plástica de Vitória e trabalhei bastante com teatro nas escolas. Em Brasília, participei de algumas montagens, e dei aulas em escolas e Faculdade de teatro. Me aposentei como professor de teatro há um bocado de anos. Vim morar na Chapada dos Veadeiros, em Goiás e tenho me dedicado mais à dramaturgia, onde ganhei vários prêmios como autor.

FR: Você me disse que está em cartaz com o espetáculo “O Pássaro da Noite”, de José Antônio de Souza. Quem é esse dramaturgo? Do que se trata a peça e quem é o diretor?

NM: Estou como ator num monólogo de José Antonio da Silva, autor paulistano, já falecido, com direção de Claudio Chinaski. A peça mostra uma mulher, num final de noite de sexta-feira, já trêbada, numa bad trip fenomenal que começa a tentar entender onde está, enquanto pela sua cabeça passa sua vida de todos os dias. É um mergulho na solidão.

Fonte: acervo do artista

FR: Nielson, qual a sua percepção entre o fazer teatro/arte nos anos 60 e fazer teatro/arte após os anos 90; e com o advento da internet, das redes sociais e das séries nos streamings o que mudou no modo de se fazer teatro/arte e na própria atuação? Obrigado!

NM: Nos anos 60/70 eu tinha vigor e a crença de que o meu teatro ia mudar o mundo. Hoje não tenho o vigor que tinha na juventude, o que é óbvio, nem acredito em 99% do que acreditava, mas o palco me faz sentir bem. Continua sendo um desafio para mim, embora eu continue me achando perdido nesse mundo, principalmente, agora com a chegada da internet.

Nielson Menão. Acervo do artista.

Referências

AZANCOTH, Ediney; VALE, Selda. TESC nos Bastidores da Lenda. Manaus: Valer, 2009.

Anexos

Bate papo com Menão via inbox do Facebook

Menão: “Eu, particularmente tenho muita curiosidade de saber pra onde caminhou o teatro em Manaus. Pelo que tenho visto evoluiu bastante, inclusive com uma faculdade de teatro. Imagino que em Manaus tenha muitos grupos, por isso fiquei curioso para ver o trabalho que fazem. Pra ter um festival local de teatro deve haver muitos grupos trabalhando. Agora quanto à qualidade, só vendo pra fazer um juízo.”.

Menão: “Minha trajetória sempre foi a de pesquisar a linguagem teatral. Acho fascinante. Por isso sempre me achei um experimentalista no teatro, gosto mais dessa pegada.”.

Menão: “O movimento hippie virou moda de boutique”.

Menão: “(…) dar um abraço bem apertado nos meus antigos amigos do antigo TESC, Custódio, Aldizio, Roberto Kahne, Barrote, Gerson Albano, Sandra e outros.”.

Menão: “(…) de um modo geral eu gosto da audácia e arrogância da juventude. Ainda bem que isso foi o que ficou em mim da juventude.”. Agora, tem que ter sensibilidade e talento também.”.

Menão: “O teatro sul/sudeste é voltado majoritariamente para teatro comercial. Alguns grupos se salvam, aqui e ali. Tem trabalhos bons, também, mas a maioria é muito ruim.”.

Sobre a atriz Ivone Castro Menão: Segundo Menão, “Ivone trabalhava no Sesc e quando fui chamado pra dar o curso de teatro era aluna e depois integrante do Tesc. Na sequência se casou comigo e tivemos 3 filhos (…) No Tesc ela trabalhou em todas as montagens dirigidas por mim. ”. Ivone castro Menão foi atriz do Sesc e participou das montagens: “Eles não Usam Black-Tie”, “A Árvore que Andava”, “Calígula ou Como Cansa Ser Romano nos Trópicos” e o “O Funeral do Grande Morto”. Atualmente é integrante do Corpo do Conselho no Núcleo Luz do Oriente (UDV), em Brasília.

Menão: “Só eu sou desenraizado até hoje. Não me sinto parte de nenhum lugar. Sobretudo onde tem gente”.

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