SÉRIE PITIÚ: PANDEMIA E JOVENS ARTISTAS DE MANAUS

Marcos Telles, bailarino de danças urbanas: ‘A cultura urbana é invisibilizada, e as pessoas não apoiam os artistas desse segmento’

Francisco Rider da Silva
Pitiú Textual das Artes
5 min readSep 19, 2020

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Marcos Telles é graduando do curso de Dança da Universidade do Estado do Amazonas (UEA) e vive na periferia de Manaus, e como quase toda pessoa vivendo nestes dias, ele teve, com a chegada da pandemia de Covid-19, uma ruptura em seu cotidiano em diversos campos, do pessoal ao econômico, do afetivo ao artístico.

“Esse período pandêmico afetou bastante a minha produção artística, ensaios etc. e me intimidou em certos momentos, com a sensação de impotência frente a certas questões”, conta o bailarino de 23 anos, morador da zona Norte de Manaus.

Além das danças urbanas e da graduação, Marcos hoje trabalha com familiares na Feira Modelo da Compensa, na zona Oeste da capital. E, como a maioria dos jovens que vivem em zonas periféricas da cidade, começou a dançar através da Companhia de Artes Dynamis, vinculada a uma igreja cristã.

O bailarino, que participou de setembro de 2019 a março de 2020 do Projeto Imersão/Laboratório, do artista Francisco Rider, subsidiado pelo Programa de Pós-Graduação em Letras e Artes e Fundação de Amparo à Pesquisa do Amazonas (PPGLA/UEA/FAPEAM), com apoio da UEA e do Atlético Rio Negro Clube, é mais um entrevistado da “Série Pitiú: Pandemia e Jovens Artistas de Manaus”.

Em depoimento/entrevista a Rider, também editor do Pitiú Textual das Artes, Marcos fala sobre sua vivência no âmbito das danças urbanas, sobre Lei Aldir Blanc e sobre os impactos do novo coronavírus em sua arte e em sua vida pessoal. Confira!

MARCOS TELLES: Tenho 23 anos. Para sobreviver economicamente nesse período da pandemia, estou recebendo auxílio e trabalho aos finais de semana na Feira Modelo da Compensa, com minhas primas e tia. Estou no quinto período do curso de Dança. A pandemia afetou bastante a minha produção artística, ensaios etc. e me intimidou em certos momentos, com a sensação de impotência frente a certas questões. A pandemia tem afetado economicamente um pouco, pois trabalhos que seriam desenvolvidos em certos locais foram adiados ou cancelados, e isso afetou a questão da renda e receber o dinheiro. A pandemia mostrou que precisamos do contato corpo com corpo e que precisamos nos cuidar, independente de uma pandemia ou não. A pandemia é consequência da irresponsabilidade e da corrupção do poder público, da falta de cuidados das pessoas com a saúde, tanto sua quanto dos outros não usando máscara, não lavando as mãos etc.

FRANCISCO RIDER: Devido à pandemia do coronavírus, as aulas no ensino básico e superior estão ocorrendo no modo remoto. Como você se sente tendo aulas remotamente?

MT: As aulas no modo remoto são bem complicadas em certos momentos, por questões de internet e etc. E alguns assuntos acabam sendo deixados de lado por ser pouco o tempo para abordar os temas. Algo que deveríamos levar seis meses estudando está sendo lançado, para nós alunos, em uma ou duas semanas, e às vezes fica pesado demais para conciliar com trabalho, casa etc.

FR: Você sente falta das aulas na universidade?

MT: Sinto falta da interação com os colegas, do contato presencial com as pessoas da Universidade e das práticas em conjunto.

FR: Marcos, você vive na “periferia” de Manaus e tem uma relação muito forte com a corporalidade das danças urbanas, que na sua origem era invisibilizada pela cultura hegemônica. Como você, artista jovem e desse contexto urbano, acha que a pandemia pode afetar nas danças urbanas, na medida em que elas são um diálogo direto entre corpo/cidade/rua/pessoas?

MT: A cultura urbana é invisibilizada, e as pessoas não apoiam os artistas desse segmento. Somos apoiados por nós mesmos, e essa falta de contato nos deixa afastados de quem nos fortalece e dos espaços onde criamos laços em relação aos treinos coletivos, batalhas, rodas, estudos, trocas de ideias e etc.

FR: Muitas mortes, muitos enfermos, muitas pessoas contaminadas pelo coronavírus, mas as pessoas continuam se comportando como antes da pandemia. Agora a Prefeitura decretou o uso obrigatório de máscara. Precisa de lei, multa? Não bastaria o sentimento de Amor coletivo e de Afeto pelo Outro?

MT: Bastaria, mas infelizmente as pessoas só aprendem quando mexe nos seus bolsos.

FR: Em relação às questões sexuais, em que a pandemia afetou?

MT: Impediu de certa forma, afinal a pandemia pede para evitar contato, mas nas vezes em que aconteceu durante a pandemia, foi com total cuidado.

FR: No que tange sua arte, qual o impacto da pandemia no seu ofício? Mudou?

MT: O ofício continua o mesmo, embora os modos de trabalhar sejam diferentes.

FR: Quanto à Lei Aldir Blanc? É uma armadilha?

MT: Concordo em parte, muitos artistas serão beneficiados, de certa forma. E, em relação à armadilha, acredito que caminhe por esse lado, mas os artistas não se podem deixar influenciar, e sim resistir sempre.

FR: Com a pandemia, você sentiu que tem mais responsabilidades com você, seu ofício artístico e com o mundo/Outro?

MT: Responsabilidades aumentaram, na verdade, com todo esse contexto pandêmico, tanto para si quanto para com o outro. E, na arte, fez com que eu buscasse outras formas de ver o meu trabalho e novos meios de o deixar potente.

FR: Você tem sonhado muito nesse período pandêmico? Se sim, poderias nos narrar um sonho que te impressionou, nesse período…

MT: Não tive sonhos, é algo difícil de acontecer comigo.

FR: Marcos, alguma proposta “utópica” para a construção de um mundo possível (respeito à natureza, ao diverso, aos gêneros, ao planeta, aos artistas, aos pobres economicamente)?

MT: Igualdade para todos, valorização, respeito e oportunidades justas.

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