Humanidade além do mistério

A face das crenças sem traços de ficção religiosa

Ligiane de Macedo
Plano Sequência
2 min readJan 22, 2020

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*Texto retificado e ampliado

Metáfora sobre a morte ou tão somente sobre o distanciamento de pessoas importantes na vida de outro alguém? Quando, para um alívio de paz, se deseja que o indivíduo-problema desapareça durante um momento conturbado. E numa fração de segundo, entre almejar e concretizar, ele desvanece no tempo trazendo o arrependimento devastador, como um santo castigo.

The Leftovers provoca reflexões racionais, ou mediadas pelo emocional, no campo da ciência e da religiosidade. É dramática sem o esforço de ser empática e motiva a compreensão do incompreensível. Lançada em 2014 não ganhou grande espaço diante do carro-chefe da HBO, Game of Thrones, mas não por demérito de sua construção.

Enxuta

Damon Lindelof, um dos roteiristas da série, além de co-criador de Lost, admitiu que The Leftovers é uma extensão da série de 2004. Assim como a história dos sobreviventes do acidente aéreo, The Leftovers é construída por personagens extremamente humanizados, com traços de personalidades peculiares, problemas internos e encaixáveis na vida real.

O segredo especial da série é esse trabalho preferencial e certeiro em desenvolver as relações entre indivíduos. Uma cidade pequena, onde histórias se encontram de forma a criar uma grande bolha de destinos.

Em suficientes três temporadas com dez episódio nas duas primeiras e oito na última, a história desenvolve-se de forma redonda, sem travamentos e sem conduzir-se além da simplicidade que se propõe. Não há enrolação quando a intenção é revelar que pessoas desapareceram de forma sobre-humana.

Pé no chão

Apesar do núcleo narrativo girar em torno de uma quimera, do ponto de vista científico, os demais acontecimentos presam pelo factível e do admissível a ponto de construir uma afinidade entre espectador e personagem. Integrada por simbolismos, as cenas emblemáticas são palco para as atuações envolventes e extremamente convincentes de Justin Theroux,
Amy Brenneman
, Christopher Eccleston e Carrie Coon. Por sua vez, o roteiro complexamente construído amarra minimamente fato inicial e fato final, e justifica os acontecimentos longe do didatismo costumeiro das séries medianas.

The Leftovers não é sobre quem foi, é sobre quem ficou.

Nesse complexo que destaca a linha tênue entre acreditar e enlouquecer, há quem guarde o luto, quem mantenha esperanças do retorno, quem se apegue às crenças divinas, quem se revolte por não ter ido ou quem tão somente enlouqueça diante das dúvidas sem respostas. E na loucura de quem viu o suposto arrebatamento, as seitas surgem para dividir opiniões.

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