Um flerte com a volúpia, um encontro com o trivial

O misto de sensações provocado pelas obras de um dos mais notórios precursores da Nouvelle Vague francesa.

Ligiane de Macedo
Plano Sequência
2 min readFeb 6, 2021

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La Collectiounneuse (1967)

A beleza e a sensualidade, que vão além das aparências dos heróis e musas rohmerianas, flertam com a libido do espectador que batalha para ajuizar a conduta dos protagonistas em meio ao cenário voluptuoso que o seduz, e que não se mostra como tal pela consumação carnal entre seus personagens.

É necessário ser indulgente para deleitar-se na filmografia de Éric Rohmer e na trama simplista que se desenvolve a partir de acontecimentos cotidianos, de motivações banais e descomplicadas que trabalham como pano de fundo para a construção de um pensamento crítico sobre o comportamento dos personagens. A não resignação é capaz de desencadear a antipatia pelas situações embaraçosas que, do ponto de vista moralista (como bem quisto pelo cineasta), são romantizadas à la française.

O que os olhos não veem a mise-en-scène faz sentir

As obras cinematográficas de Rohmer flertam com a sexualidade latente que aflora de forma comedida em apelos eróticos nada escandalosos. O sexo existe, mas não se vê. O que resta é a expectativa deslumbrantemente frustrada diante de eletrizantes aproximações que despertam o ensejo provocado pelos toques, olhares, ou pelo desejo embutido na linguagem corporal dos personagens. A tensão sexual profunda beira a inquietação traduzida pelas carícias de Jerome no joelho desnudo de Claire, pela câmera que contorna as formas esguias de Haydée, ou pelo corpo dançante de Louise junto de seus amantes.

Não há atos estrondosos e estripulias que fogem da realidade cabível. A imoralidade é a grande antagonista nas fatias da vida construídas por Rohmer. O charme provocado pela delicadeza dos cenários tem como contraposto o peso dos acontecimentos comedidos pela beleza do que se vê.

Um cinema de pensamentos

Mais do que o erotismo marcante no cinema de Éric Rohmer, o diálogo é o grande chamariz que se faz presente de forma a destituir qualquer necessidade de muitas ações por parte de seus personagens. A fala é a estrutura principal que protagoniza longas cenas, e entretém pelo fato — nem um pouco simples — de serem construídas a partir de argumentos passíveis de existência no mundo real, com naturalidade (em grande parte mérito da interpretação positiva dos atores), e que conversa, de fato, com o expectador; este que, se imerso na experiência que se apresenta na tela, é capaz de identificar-se ou de aplicar o seu juízo apenas pelo que ouve.

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