A curiosidade matou o gato?

Sara Matos
plastic i arte
Published in
4 min readJan 21, 2023
Arquivo pessoal

Ao observar algumas exposições em Museus e em Centros Culturais, a maior parte do público infantil tende a se inclinar a ser mais hospitaleiro e entregue às ativações educativas-culturais do que os demais, pois as crianças não têm medo de se exporem ao ridículo e ao banal. Deste modo, não soa para mim tão negativamente ler nas entrelinhas uma característica de alguém e identificar como sendo algo infantil. A premissa social de que a partir de um certo estágio há um período irreversível de solos inquebráveis e rochas incorruptíveis na estrutura de uma pessoa, e que, vem contaminado dessa ideia do amadurecimento, é cômica.

O amadurecimento não está sujeito a nos tornarmos super-homens e nem super-mulheres. O estar infantil, a criança que habita dentro de nós, nada mais é que estarmos com os olhos atentos nas curvas das circunstâncias, abertos para as possibilidades e exercitarmos estarmos seres animados, vívidos perante a sujeira da civilização. Não é um estar puro como papel em branco, mas é uma pureza mais próxima de estar em contato com uma parte esquecida nossa, que é a natureza da reinvenção do que se é, do que foi e do que pode vir a ser.

Há um distanciamento entre o estar infantil e a infantilização do adulto, no cotidiano tenho esbarrado mais vezes na segunda opção, mas, pois bem… Seguimos. Ainda dentro deste contexto, é interessante pensar também que nem toda criança é curiosa de primeira mão, por isto, é válido conter a expectativa de uma profissão como o ativador cultural que trabalha com todos os públicos, em que, geralmente, tende a seguir um planejamento, um cronograma com etapa 1,2,3…

O ativador imersivo na situação de que irá receber na exposição depois do almoço um grupo de pequenos de 3 anos e de que todos tocarão o terror, sairão correndo pela galeria, gritando, tirando os sapatos, se descabelando, deitando no chão, tocando na gola da camisa, no chão e depois na língua do coleguinha, em todas as obras e objetos que veem pela frente, etc… Pode ser superestimado. Fora da expectativa, na realidade, algumas crianças apenas se sentirão introspectivas para aquele momento e irão preferir ficar no final da sala, atrás de todo o grupo, apenas observando os demais, e isto pode também não significar que ela não seja curiosa, apenas não encontrou ainda o objeto que a mantenha amarrada, chame a sua atenção e desperte a sua curiosidade. E é este o lugar em que quero chegar, a curiosidade.

Somos seres fofoqueiros por substâncias próprias. A curiosidade do que não foi cruzado antes, a curiosidade pelo passado que não se fez presente, a curiosidade pelo o que virá, a curiosidade pelo umami, a curiosidade por um novo sabor, por uma nova música, uma nova receita, o lançamento de um foguete, a curiosidade pelo mistério e pelo desconhecido. Foi Nietzsche que disse uma vez que para que se possa manter a atenção prolongada em algo ou alguém, é preciso manter uma pitada de mistério, pois assim, a curiosidade continua intacta. Para buscar o ilimitado, é preciso entregar uma certa limitação.

Estar em contato vivo com as nossas ignorâncias, mesquinharias, futilidades e banalidades é quando enfim nos distanciamos do que achamos ser um ideal, uma capa inquebrável, para aperfeiçoarmos o nosso instrumento de estar no mundo, e então, podemos vir a dançar em público, a luz do dia, com pessoas desconhecidas, sem nos preocuparmos com o nosso corpo, se estamos sem a postura, apresentáveis, bêbados demais, se estão filmando ou se irão postar na internet. Apenas dane-se. Esta preocupação espantalha do que os outros podem pensar a nosso respeito é tão pequena ao lado do que a entrega ao momento pode vir a proporcionar. A pergunta: “O que faria caso ninguém estivesse te olhando?” quem sabe, seja apenas válida para aqueles que estão planejando um assalto ao banco. Fora isso, penso que já me atiro nos percalços, me deslizo, me intercalo, me atropelo e me arrisco a passos calculados e faço quase tudo o que quero na frente de um qualquer.

Bailando al aire libre dentro da dosagem moderada, pois, ainda que estejamos experienciando a superexposição dentro das redes, a vida fora delas continua não sendo uma vitrine. Quem foi que disse que só existimos a partir do olhar do outro? Isto compete a nós decidirmos se a imagem criada e que existe a partir do olhar alheio, nos compete o julgamento ou não. Pegue e maneje, vezenquando, emprestado as lentes do outro, o que é que tem?! Faça o que tu queres sem pestanejar. Então, ao passar por isto, perceberá o distanciamento que se faz entre a imagem que criara de si e a imagem que o outro tem, faça uma mistura das duas e então terá uma terceira imagem, esta terceira imagem estará recheada de ruídos e brechas, será esta terceira imagem o que há de mais próximo de nossa imagem original?

Mais próximo? Não sei se ainda se trata de distância, mas a contaminação acontece e é o que sobressai, o que há de mais latejante, quente e forte. Se há brecha na imagem, facilite o acesso dos raios solares, não use o filtro na pele e incline o dorso nesta ideia não concreta, indefinida e inconclusa, que não é, afinal, uma ideia, pois ainda está caminhando para ser, para o que pode vir a ser. Permita os insetos entrarem também, pois, se há filtragem, perdemos o estado genuíno da invenção, da criatividade, da pureza que são as ferramentas educativas das crianças de existirem no mundo. A resposta está nas crianças.

--

--

Sara Matos
plastic i arte

Coletânea de uma vendedora de dúvidas. Esboça aqui compilações de resíduos das imagens digitais e de filmes gambiarras.