Cantamos porque el grito no es bastante

Sara Matos
plastic i arte
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4 min readFeb 7, 2023

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Pela noite recebi uma ligação de Monterrei. Antenada fiquei durante 37 segundos, não havia voz humana, mas pude ouvir os gritos que vinham da montanha de Cerro de la Silla. Eram os gemidos dos ventos grisalhos a anunciarem uma nova tempestade que se aproximava para bambear a cidade. Estou longe e estou perto. Aos passos que a minha respiração é abafada pelo encerramento da chamada, existe uma imagem fixa a me conduzir e que sussurra ao meu ouvido para me guiar. A teimosia que se infiltra em mim tem pés firmes, não tenho o costume de deixar que algo me guie, ainda mais sendo por uma mera imagem que se intromete em nosso borbulhar de ideias, pois, como um caldeirão, também é fervido os miolos…

Isto, nem pensar!

À medida em que folheio as páginas em branco, a esta altura, a esta margem, a imagem também é persistente e segue a passos tranquilos e constantes. Fecho os meus olhos e pouco a pouco o painel de fumaça vai se esvaindo, até descobrir por completo e deixar o semblante da imagem em ação, digo, da imaginação, mais afinado, nítido e agudo. Fecho os olhos e estou perto. Percebo, é a neblina do campo aberto em que faces dormentes, cinzas e emudecidas franzem testas e esbugalham pupilas magrelas. Logo, caem duras e pesadas na terra como bosta de cavalo. É como se a câmera tivesse feito o close em cima da bosta caindo, mas as edições foram tão comprimidas que só restaram as moscas voando. Voando. Voando.

Ouço as moscas voando e ao lado algumas plantas enfermas. De acordo com o lugar em que se está, as moscas podem ser vagalumes e as plantas receptivas. Uma cena patética de documentário experimental de estudante de audiovisual. Há quatro semanas atrás fui picada por algumas pulgas, as minhas mãos estão geladas mas as minhas costas estão suando, as sensações têm patas próprias e percorrem sem o calendário anual. O lugar que se retorna nunca é o mesmo pois a única coisa que fica intacta é a rouquidão do estômago com fome e ânsia por mudança. Como autogeografía’ y en un eterno tour, ví que no es solamente cuéstion de latitud. Aquelas faces dormentes se partiram em duas, o espreguiçar do Sol foi um acontecimento ritualístico, este ser, que, antes piedoso, hoje aquece o subsolo da epiderme e rói os miolos de todos.

É despertado o que esteve por trás, e então, se torna uma fagulha de memórias que se esfarelam quando tocadas. Por trás das milhões de faces existe uma cor que ainda é desconhecida, pois, por se tratar de uma cor que é incompatível com a tecnologia dos olhos humanos, ainda estamos desempenhando uma inventividade que dê conta do nulo, do zero, da inexistência. O elemento incolor não sacia, nem mesmo enche a barriga de alimento, somente de vermes vivos. E logo adianto, só porque não conseguimos ver, não quer dizer que não exista! Será?!

Continuo com os olhos fechados e agora mostro os dentes de orelha a orelha, pois, canto canções com a mão estacionada em cima do peito como se estivesse saudando uma bandeira, mas não há cores nas bandeiras, apenas manchas. Cantamos porque el grito no es bastante. No vão melódico do início ao fim de um pseudocódigo, fecho os colchetes e termino o que comecei, mesmo por ter me contentado pelo desconhecimento, mesmo sem saber como e o que fiz. Sei que fiz pois o ar se tornou forasteiro, outro, a poeira que circula está outra, quem sabe, seja a mesma poeira que rodeava naquela noite em Cerro de la Silla.

A poeira que cerca o pulmão pelo meio do dia não é a mesma do amanhecer, porém, distante e ao contrário da ciência universal, dois elementos distintos são sim capazes de ocupar o mesmo espaço-tempo e, sendo assim, isto não interessa tanto, pois, a única preocupação é continuar cantando de olhos fechados, seja na miséria ou na glória, o canto é um traço sólido, genuíno, sincero e transparente. O canto não é para qualquer um, o canto é singular e resistente, pelos bosques de dentro, este sim, exige vocação, não há professor estrangeiro que ensine. O cantor é autodidata.

Em sonho, ele me falou: “Estrada afora ateie fogo nas alcateias, vá sozinha cruzar os caminhos sem regresso, de mão única, a curiosidade es apasionante.” Outra vez pisei na bússola e quebrei a ampulheta, isto deve ter sido pela vigésima quinta vez do dia. Apenas nos lembramos do que foi importante, se não nos lembrarmos, então não ouse em ressuscitar o que já foi enterrado. Sei de pouquíssimas coisas, sei que daquela bosta de cavalo, em uma posição de superioridade, ainda é melhor olhar para a merda de cima do que deixar que a merda escorra em sua cara. Menos mal, à vista disso, saber dominar as próprias merdas é um talento divino.

Arquivo pessoal

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