¿Luces, cámara, acción?

Sara Matos
plastic i arte
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4 min readJan 28, 2023

Os ruídos que antes vinham da antena da televisão, provocados pela falta de sintonia do sinal, agora são outros. As veias do globo não irão se desentupirem com os modelos de automóveis “amigáveis” ao meio-ambiente ou com as cidades burguesas com tráfego urbano de bikes. A dor e o sofrimento são reais. Em seu mais recente americanismo, não serei a audiência em prol de se deleitarem com seus talks shows, acredite, já tem gente demais para isso e eles não precisam de mim, e nem mesmo eu deles. Apague o velho quadro televisivo estrangeiro e se convide a acender novamente a chama que lhe acompanhou desde a cidade natal.

Ande, apague o velho quadro. Desconecte os cabos, os volts estão mais potentes, as tomadas ganharam um novo buraco. Não há incompletude que não tenha sido socialmente fabricada, a rachadura, a vala espelhada, a fenda na pele assistida e catalogada, a castração, o furo, a falta, não é a falta do outro, é a ausência de si próprio. Foi aprendido a escavar os orifícios bisbilhotando os lados, a grama do vizinho não contém falhas, é mais preenchida, mais cheirosa e mais verde. Ilando Gima Onge me refresca as orelhas. A arte, assim como a filosofia, não são tudo, pelo contrário, elas são partículas que unidas, são capazes de destruir a genética de quase tudo.

BOOM!

Destruir um corpo para transformar em outro. Alterar todo o padrão de fábrica de obter prazer e diversão. Mudar o formato original de algo funcionar no mercado. Hackear toda uma cadeia produtiva desde a argila ao rinoceronte, um mecanismo, um sistema. Se tornar não apenas o modelo que será distribuído, mas sim, a própria distribuidora, o próprio mercado. Computar o volume de dados do sistema nervoso e desorganizar as colunas, modificar o modo de sentir dor, todas as emoções reunidas e despertas em um mesmo lugar. O terminal neurológico com o fim, o meio e o princípio.

Em um recente documentário, vi que um dos esportes mais decisivos terminou com um globo ocular em mãos, foi em Florença, na cidade romântica. Ainda, não requer premiações para o time vencedor, não há recompensas materiais, mas há uma vaca para desfilar por algumas horas pela cidade, é proibido comê-la, e então, ela é entregue intacta. A vaca corresponde a uma analogia milenar. Uma vez que se aprende a negar o que lhe é servido, o vento ganhará força e além de direção, irá apresentar um lado. Uma vez que se levantar de uma mesa, o fogo estará ativo.

Com todas as cores, luzes vibrantes e barulheira vindo de fora, afino o contato comigo mesmo quando saio a pé para me perder dentro da floresta. Me ponho a andar sem rumo, sem mapa, sem GPS, sem sinal. Sem endereço fixo ou um destinatário, me torno a rota. Sendo visitante frequente de quintais institucionais, percebi que um programa ambiental que foi criado para funcionar como um organismo vivo, foi então recriado em “vitrines”, em forminhas de gelo, águas aprisionadas, se perdendo de seu núcleo, de suas substâncias, deslocando de sua essência particular com narrativas em conjunto, e então, se ofuscando aos poucos, caindo no modo apático, contemplativo, de inércia, assim como os demais programas expostos no espaço-rua e espalhadas ao redor das populações.

Tudo aquilo que não puder chegar para as populações, é algo nulo. As populações são o público, mas nem todo o público é público-participador. O convite para o público-participador está esquecido dentro da caixa branca institucional em que se criaram e que ainda estão. As formas de gelo não interessam, a função da água é correr sem pernas, veloz. Há algumas semanas atrás, ao entrar em contato com as minhas percepções, memórias, traumas, sonhos e desejos, resgatei um pedaço micro do ambiente imersivo e multissensorial. Neste embalo, convidei outros corpos para se liberarem de suas jaulas, estando dentro das jaulas de pedra e cimento.

Jaider Esbell estava certo, viver é a arte de performar. A performance acontece mesmo com as câmeras e as luzes desligadas. A todo o momento estamos performando com pessoas que conhecemos minimamente bem, e em outros, com pessoas que mal conhecemos. A arte mistura os esqueletos do espírito e do físico, bagunça com o indivíduo e depois põe em risco os seus sentidos. Soma o indivíduo em dois, sete, nove, cinco. Lhe transporta em uma vivência além-contemplativa, convidando os participantes a utilizar objetos do cotidiano para serem canais, interlocutores, ou então, a serem a linguagem viva feito água corrente.

Apague as luzes pois o espetáculo ainda há de começar!

“O nosso descaso com o mundo é o reflexo do nosso descaso interior. Inviabilizou-se nosso ambiente e queremos migrar mais uma vez. Se não nos vemos como parte do universo, não nos sentimos corpo constituído e para chegar em falar de alma precisamos saber mais sobre estarmos vivos. Estar vivo nunca pareceu ser suficiente e a instauração de uma cultura comum consumista leva-nos às últimas consequências das nossas vontades de possuir.
A crise é muito mais profunda que a falta de fé na própria espécie, é um medo medonho do que ainda resta dentro de cada um, um duplo problema quando se tem o conflito geral e o conflito interno, o mais cruel por sinal.
Se falta algo no mundo, estamos ocos por dentro e é questão de tempo bater um vento mais forte e ruírem as estruturas”. (Jaider Esbell)

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Sara Matos
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Coletânea de uma vendedora de dúvidas. Esboça aqui compilações de resíduos das imagens digitais e de filmes gambiarras.