O hype errado?

Sara Matos
plastic i arte
Published in
4 min readJan 20, 2023

Este pensamento não é contra o modelo de sociedade cibercultural que estamos nos tornando, este pensamento é um lembrete para não nos esquecermos de sermos corpos e cabeças autônomas conscientes dentro de toda esta e quaisquer outras parafernálias.

Até a semana passada não sabia o que era hype. Ao que me parece, que deva ser mais um sinônimo relacionado em combinar a vida física com a vida virtual, ou até mesmo, a investir tempo e grana em se dedicar a criar do zero uma persona para passar uma imagem contrária do que se é por de trás das telas. Uma imagem descolada e flutuante da realidade, brilhosa e em alto contraste a fim de enlaçar alguém e deixa-lo interessado em um ideal de imagem por 15s, dar de comer ao algoritmo e atingir o topo das buscas, assim, estar entre os noves primeiros no resultado das pesquisas, obter status social, recompensas materiais diárias com a ajuda de patrocinadores e, consequentemente, alcançar o maior número. Resumindo, trata-se de fisgar a atenção e convertê-la em números, às vezes, até em dinheiro, e a base deste jogo é justamente a atenção passageira. Quanto tempo a sua imagem consegue fisgar a atenção de algo ou alguém?

Este mês conheci um site que tem a exclusiva função de disponibilizar gratuitamente imagens de humanos geradas por AI de pessoas que não existem. Crianças, idosos e jovens. Como estas pessoas não existem, logo, não há problemas com os direitos autorais. Já pensou na quantidade de coisas que podem ser esboçadas a partir daí? Poderia fazer uma lista de coisas que poderiam ser feitas com este recurso. Isto é fascinante. Criar perfis de pessoas que não existem é fascinante. Caso tenha problemas com as políticas de privacidade ou seja tímido, é possível criar uma AI social media influencer e participar do jogo ao invés de apenas assistir como uma voyeur.

É curioso pensar, que, esta quem sabe seria a caricatura fiel e tombada de nossa sociedade e cultura. Pode tentar fugir, assim como eu, como entre tantas outras pessoas tentaram escapar das garras do ser-sistema humano, a começar limpando os seus rastros cibernéticos, ocultando o seu IP, deletando os seus arquivos pessoais das contas do Google, desativando as redes sociais, enquanto, o seu banco e a sua academia estão lhe empurrando o atendimento com uma assistente virtual no chat do WhatsApp e a sua tia está te ligando para uma videochamada. Fugir da vida virtual?! Esqueça. Não há escapatória.

A vida física já se fundiu com a vida virtual e não há nada que eu ou você possamos fazer para mudar isto. Estes dias estava praticando espanhol e alguém deixou uma mensagem do tipo “agora você já me conhece pois tem o meu Instagram” e esta frase, ainda que, humorística, me incomodou. Quando foi que o Instagram se tornou um parâmetro para conhecer a vida de alguém? E ainda, por que as pessoas de diversas faixas etárias estão normalizando este absurdo? Poderíamos pensar que esta questão estivesse ligada a geração, pois, seria mais coerente uma adolescente de 14 anos dar este feedback e se basear no feed de alguém para julgar as características gerais, hábitos, costumes, personalidades e hobbies, embora que, hajam muitas adolescentes com senso crítico sendo estimulado, assim como, há muitos adultos bitolados.

É preciso manter uma certa distância para ver o quão distante, superficial e ilusório é este jogo. Mas no fim, não se trata de sorte ou azar, pois tudo faz parte do jogo da cultura visual. Um exemplo simples e ridículo: Poderia muito bem abrir a minha galeria de fotos, selecionar uma paisagem aleatória do grupo do Telegram que foi enviada por uma conta também aleatória há dois meses atrás e postar nos stories como se fosse de autoria própria e em tempo real. Bingo! Viu só?! E o mais interessante é que não teriam como se certificarem.

[Milhares de casais com 30 anos de relacionamento e que moram debaixo do mesmo teto não se conhecem, então, por que diabos acham que conhecem a gente de acordo com o que vêem ou ouvem?] Conhecer alguém é relativo pois cada pessoa tem uma ideia distinta do que possamos vir a ser. Não conhecemos alguém se baseando em imagens, temos somente a ideia do que pode ser este alguém e a ideia está no campo do ideal e da projeção. O espaço-tempo cibernético é distinto da vida física: 1 min de stories do seu café da manhã não equivale ao seu período matutino. Está vendo só?! Mais uma vez, o óbvio também precisa ser dito. [A questão dos casais de 30 anos é interessante e posso querer retornar a ela a qualquer momento, mas irei retornar quando estiver casada e com propriedade no assunto.]

Em meios sensacionalistas e reacionários, de manhã, de tarde e pela noite somos bombardeados de imagens que circulam por nossas bolhas, a missão de dar credibilidade para o que quer que seja que estivermos vendo, não é de quem postou, e sim nossa. Podcast, rádio, televisão, jornal, revista e internet. Podemos, muitas das vezes, nos sentirmos bonecos de marionetes manipulados sendo comandados dentro de nossas próprias casas? Podemos. Mas ainda temos o poder de decidir o que captura ou não a nossa atenção, aflora os nossos desejos e percepções digitais, celestes, aéreas e terrestres. Ainda temos o poder de escolha por quais imagens iremos circular, transitar, contracenar, nos lambuzar e gozar.

Arquivo pessoal

--

--

Sara Matos
plastic i arte

Coletânea de uma vendedora de dúvidas. Esboça aqui compilações de resíduos das imagens digitais e de filmes gambiarras.