Los parásitos del cuerpo están latentes

Sara Matos
plastic i arte
Published in
4 min readJan 23, 2023

Desde aquele novembro de 2021, não há um dia sequer em que eu não pense em Jaider Esbell, posso lê-lo em meu estado de bio-virtualidade, ainda que, com as pálpebras fechadas. Amputar uma perna ou um braço é como se estivesse se despedindo de um ente, longe do ritual geográfico, é um enterro mental. Milhões de cadáveres no asfalto por homicídio fazem parte de um projeto com a rubrica do estado do Rio. Cadáver estirado no chão pelas próprias mãos é o tumor da época, são mais de 700 mil mortes. Enquanto patrões e diretores distribuem laços amarelos para pendurar nas camisas de funcionários e entregam cartilhas, mais pouco se sabe sobre a depressão. É inexplicável a morte de jovens de vinte e poucos anos. Pais e mães enterram os seus filhos, não há explicação. Clínicas e hospitais da mente superlotados, sim, há muita explicação.

Desenforme a peça do tabuleiro e coloque-a no forno para o resfriamento da anormalidade social. Desuniforme o idioma que catei fora do solo idoso em que habitei na primeira infância, e que, agora fora da fronteira se aflora na correnteza, me dou conta que aquela terra familiar ainda habita em mim com os seus ancestrais do amanhã. Ainda que, a fronteira seja invisível, há um rompimento acontecendo a todo o momento. O rompimento é o fio condutor em que se é percorrido ou pausado para dar sequência as pegadas no globo, dentro do fio central, há outros fios menores que funcionam como a extensão do pensamento e/ou do trabalho manual.

Me recordo de uma matéria de Juan Villoro que li ontem sobre o físico e o mental, em que há uma citação de Aristóle em que dizia que a habilidade manual existe para por em prática o pensamento, e não que as ideias sejam consequências da atividade manual. O processo artístico é, de fato, atribulado, obscuro e incompreensível por muitos anos até mesmo para aqueles que estão imersivos em suas gestações. Às vezes, como uma maldição, alguns morrem residindo em suas crises como seres incompreendidos para a sua época. O processo de existência humana se faz o mesmo que o processo artístico, pois um se alimenta do outro.

Estou esgotada do pensamento branco.

Desenforme a peça e coloque-a no forno para a queima de toda a matéria que se desfaz perceptível aos olhos. Desenforme, mais ainda, me informe com os verbos que não são traduzidos e nem mesmo compartilhados com o dicionário universal americanizado. Mantenha viva a língua dos nativos, viva a diversidade e as peças que são modeladas sem moldes, desta vez, não me refiro às peças de cerâmica, estas, deixem que se deformem com o passar das estações em cima do balcão de barro. O barro esfriou, o sangue empacou, os cabides do corpo estão dormentes, após a morte vem à luz o nascimento em algum lugar.

Estas palavras são tão cruéis que não pude escrever com as mãos de imediato, se tivesse o poder de escolha, optaria por não escrevê-las, mas pelas circunstâncias, há em mim uma força maior. Quando ainda a sua presença não se encenava e era nítida, límpida, quase que um grão-clarão, aprendemos que fomos bons dentro daquilo do que fazíamos e, neste sentido, não me refiro à técnica ou a estética.

Hoje as lágrimas secaram, aquilo que fazíamos foi aquilo o que nos faziam. Não pude ir me despedir fisicamente de seu corpo jovem, meu amigo, e atenta me certifico de ouvir os sinais de seu espírito através dos sonhos. De uma coisa não tenha dúvida, de que irei realizar na Terra os sonhos que sonhamos um dia enquanto acordados, e se eu conseguir, como sei que irei, por tantas outras mais vidas que estão por de trás da minha, será também graças ao seu nome. E então, quando este dia chegar, estarei disposta a rir canções macias com os risos frescos da alma, os olhos úmidos, com o peito caloroso e florescido de que foi concebível chegar no impossível possível.

As investigações corpóreas e intelectuais são as ações instintivas de tatear na sombra, quando as lentes estiverem embaçadas e não mais enxergar um palmo em minha frente, serei como um carrapato, irei captar a aproximação do outro corpo pelo o seu suor. Aquele filósofo estava certo, a atividade manual é o antecipamento de uma invenção. Em meus corredores particulares, não dou brechas ou me distraio com o que não me impulsiona a alma, mantenho o faro aguçado e a visão noturna para atear fogo na alcateia. Silenciosamente, fortaleço a carcaça, a mente e o espírito. O pensamento branco está derretendo os meus miolos, o pensamento branco está em mim, preciso me distanciar de alguns lugares que nós dois sabemos bem quais.

O tempo que fomos apresentados é mesmo relativo
ainda assim, Pedro
você se foi tão jovem.

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