A imprensa somos nozes?

Rodrigo Borges
Plenarium Digital
4 min readJun 23, 2020

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As mídias sociais deram voz a todos nós. Basta um celular na mão e zero ideias na cabeça. Afinal, nós não necessariamente geramos conteúdo: compartilhamos notícias, e, acima de tudo, repercutimos. Somos campeões de compartilhamento e comentários. Quanto mais engraçada, absurda ou revoltante é a informação, mais difícil é nos contermos. O que um presidente impopular fala é amplificado exponencialmente por quem discorda dele. E, assim, a mensagem chega a mais pessoas que concordam. A lógica é malvada, praticamente, o inverso da intenção se realizada.

Tornou-se mais raro acessar diretamente sites de notícias. Os portais Globo.com e UOL são hoje apenas os 5º e 6º colocados na lista, que tem Google, Facebook e YouTube no topo. O filtro para acesso a informação “oficial” passa por nossas timelines, seja porque seguimos perfis de jornais, seja porque nossos contatos compartilham links. Juntos nós somos divulgadores de notícias mais poderosos do que qualquer veículo de imprensa. Isso faz de nós responsáveis pela informação que centenas de milhares de pessoas acessam diariamente. Você já tinha pensado nisso?

E somos responsáveis em um cenário no qual os próprios jornalistas têm dificuldade de atuar. Eles que, demasiado humanos, também compõem torcidas por esse ou contra aquele político. E ajudam a confundir quem os segue em busca de notícias, e não opinião.

Considerando que somos agora parte integrante da imprensa nacional, faria sentido nos cobrarmos uma posição mais profissional no trato com a informação? O jornalista, idealmente, possui uma série de parâmetros em quais baseia a sua atividade. Por exemplo, o Manual de redação do Estadão faz alguns destaques valiosos:

21 — Lembre-se de que o jornal expõe diariamente suas opiniões nos editoriais, dispensando comentários no material noticioso. As únicas exceções possíveis: textos especiais assinados, em que se permitirá ao autor manifestar seus pontos de vista, e matérias interpretativas, em que o jornalista deverá registrar versões diferentes de um mesmo fato ou conduzir a notícia segundo linhas de raciocínio definidas com base em dados fornecidos por fontes de informação não necessariamente expressas no texto.
36 — Nas versões conflitantes, divergentes ou não confirmadas, mencione quais as fontes responsáveis pelas informações ou pelo menos os setores dos quais elas partem (no caso de os informantes não poderem ter os nomes revelados). Toda cautela é pouca e o máximo cuidado nesse sentido evitará que o jornal tenha de fazer desmentidos desagradáveis.

Ok, talvez o artigo 21 seja pedir demais. As mídias sociais compõem uma grande parte de nossas imagens hoje em dia. Quem e o quê nós compartilhamos diz quem somos. Então, a opinião tem que ir junto. Mas o 36 vale para todos nós: preocupar-se com a verdade é uma função que deveríamos todos abraçar. É tentador receber aquela notícia contra um adversário político e passar pra frente. Mas checar fatos em outros canais é sempre saudável. Os princípios editoriais da Folha de S. Paulo também são uma fonte boa para nos ajudar nessa missão:

1 — Confirmar a veracidade de toda notícia antes de publicá-la.
6 — Cultivar a pluralidade, seja ao divulgar um amplo espectro de opiniões, seja ao focalizar mais de um ângulo da notícia, sobretudo quando houver antagonismo entre as partes nela envolvidas; registrar com visibilidade compatível pontos de vista diversos implicados em toda questão controvertida ou inconclusa.
8 — Manter atitude apartidária, desatrelada de governos, oposições, doutrinas, conglomerados econômicos e grupos de pressão.
12 — Identificar e corrigir com destaque erros de informação cometidos; publicar manifestações de crítica ao próprio jornal; manter mecanismos transparentes de autocontrole e correção.

Mais uma vez, alguns princípios parecem ser pedir demais para os meros replicadores que somos. Entretanto, priorizar a verdade acima de seu partido ou ideologia política deveria ser o objetivo, não? Ou tanto faz a verdade contanto que o seu lado vença a batalha ideológica? A resposta a essa pergunta pode ser meio constrangedora pra muita gente. É difícil admitir que a gente não se importa com a verdade. É mais fácil acusar os outros de não se importar. Mas se você está acostumado a replicar sem conferir, se você terceiriza a checagem de fatos para uma fonte de informação, seu problema com a verdade talvez seja semelhante à da tia do Zap, que tanto se critica.

A verdade conta conosco. Sempre contou. E quanto mais longe nossas vozes chegam maior é a dívida que temos com ela. Existem formas de lidar com informação. E está tudo na internet. Somos nossos próprios editores nessa jornada maluca. Sejamos justos, responsáveis e criteriosos ao compartilhar informações online. A imprensa mundial conta conosco.

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