Jornalismo é a verdade ou a busca por ela?

Rodrigo Borges
Plenarium Digital
3 min readJun 29, 2020

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Enquanto a internet cava a sepultura da mídia tradicional, esta busca formas de se manter viva. Teóricos da comunicação e ativistas tentam jogar a terra para fora do buraco na expectativa de devolver o sentido à prática do jornalismo. Mas estão com dificuldade de acertar. Um exemplo é o podcast The View from Somewhere, do jornalista Lewis Raven Wallace, que nasceu com a meta de questionar a objetividade no jornalismo, o que chama de “jornalismo branco”, propondo em seu lugar um jornalismo com propósito para alterar o status quo. Essa ideia surgiu após sua demissão do programa de rádio Marketplace, em razão de sua insistência em manter um post em seu blog pessoal advogando pelo fim da objetividade no jornalismo.

Segundo Wallace, o jornalismo deve ser uma ferramenta de mudança social, desbancando os poderosos. Ele cita, nos episódios iniciais, o seu processo de percepção sobre essa falha do jornalismo contemporâneo. A falta de posicionamento, segundo ele, é uma forma de manter o poder onde ele está. Entretanto, muito se confunde o jornalismo como a divulgação da verdade. É como se os fatos fossem a verdade irrefutável. Entretanto, o jornalismo não é a verdade, e sim a busca por ela. É um processo e não uma entrega. A notícia é um produto imperfeito, pois faz parte dela deixar algo de fora: sempre se poderia ter ouvido mais alguém ou se abordado o assunto por uma perspectiva distinta. Mas a notícia tem que se sair. E vai ao mundo cheia dos defeitos que a tornam única. Wallace cita no primeiro episódio o gatilho que o fez perceber que existia algo de errado no jornalismo: ele não se interessou pelo assassinato de um homem negro pela polícia em 2014. Tinha um cotidiano muito agitado como editor e deixou passar. Mas isso não é necessariamente um problema de objetividade. Talvez seja de falta de tino jornalístico ou mesmo um problema da demanda mais veloz por notícias, que deixa o jornalista perdidinho, correndo pra todos os lados na esperança de manter sua publicação relevante e viva.

O mundo evolui entre a manutenção e mudança de estruturas. Quem tem uma personalidade mais liberal, lidera o processo de mudança. Os mais conservadores, agarram-se às estruturas. Entretanto, é importante para ambos entender a essência daquilo que desejam manter ou mudar sob o preço de perderem o que mais valorizam. Se o jornalismo passar a ser um autointitulado e assumido mecanismo de mudança social, ele poderá ser usado não apenas a favor das causas de Wallace. E a briga vai ser feia. Ao centralizar sua luta contra a objetividade, Wallace deixa a busca pela verdade fora do debate. Mas essa é a mais nobre missão do jornalista: investigar incessantemente nossas ações e suas consequências e alimentar o mundo com informações úteis a sua evolução.

É assim que se colabora com a mudança social. Na verdade, tudo que fazemos colabora para a mudança, inclusive, escrever notícias. Mas abrir mão da busca pela verdade irá nos entregar apenas verdades construídas. E talvez fake news seja apenas o primeiro nome para o tipo de coisa que vem por aí.

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