Por que debater de forma equilibrada?

Rodrigo Borges
Plenarium Digital
3 min readJun 14, 2020

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Depois de resultados não previstos pelas pesquisas de opinião e pela imprensa em uma série de eleições pelo mundo nos últimos anos, a mensagem de que a democracia está em risco começou a circular com intensidade (exemplo 1 e exemplo 2). Entretanto, o que os escritores envolvidos parecem não perceber é que os regimes de governo estão sempre lutando para sobreviver, morrendo e nascendo. Com a democracia é assim também. Os autores só parecem perceber o fato quando seus partidos ou posições políticas não são validados pelas urnas. A democracia talvez seja o regime de governo mais frágil, porque ela demanda o constante entendimento de seus participantes. Ela demanda diálogo e é difícil ouvir o outro.

Agir de forma democrática é saber dialogar e chegar a consensos. Mas parece que estamos cada vez mais inflexíveis e incapazes de ouvir o outro. As mídias sociais incentivam o fenômeno das câmaras de eco, metáfora para situações em que crenças são amplificadas ou reforçadas pela comunicação e repetição dentro de um sistema fechado. Se o algoritmo só te entrega informações e conteúdos sobre o que você gosta, fica mais difícil acessar argumentos e ideias contraditórios. Acrescenta-se a isso também a incapacidade da imprensa em resistir às mídias sociais, o que aumenta a potência de mensagens caça-clique e a distância de polos opostos.

As mídias sociais são um meio que dá voz aos cidadãos e políticos, mas também é escorregadio e pode atrapalhar o debate. Para quem acha que discordar é ser inimigo, a chance de diálogo com um opositor cai a quase zero. Curiosamente, os próprios jornalistas — também são seres humanos — costumam cair em armadilhas como essa. No início de junho de 2020, o New York Times publicou uma coluna de opinião do Senador do estado do Arkansas, Tom Cotton. Na coluna, Cotton defende a intervenção militar como forma de restaurar a ordem em meio à violência de alguns protestos pelos Estados Unidos em razão do falecimento de George Floyd após ser violentamente imobilizado por um policial em Powderhorn, Minneapolis, Minnesota. A reação negativa à coluna foi tão intensa, incluindo os próprios jornalistas da instituição, que o jornal acabou se retratando e publicando um texto anterior ao texto do Senador para indicar defeitos editoriais no artigo e assumir, inclusive, que o título (criado por jornalistas do NYT) foi desnecessariamente incendiário.

Essa decisão é, no mínimo, polêmica. Normalmente, uma peça de opinião, quando chama atenção, ganha peças opostas, de forma a viabilizar um debate. Mas, ao ler a caixa de comentários (algo nunca recomendado), fica mais fácil entender a decisão do jornal: revolta e agressividade, de ambas as partes. Os pedidos para supressão do artigo são diversos. Será que desaprendemos a discordar? Uma informação divergente, mesmo registrada como uma opinião, deve ser apagada por desagradar determinado grupo?

Talvez fosse mais saudável, ao invés de teorizar sobre o fim da democracia, abrir espaço para o diálogo em ambientes diversos: universidades, mídias sociais (com parcimônia), mídias de massa. Os teóricos do fim da democracia, além de indicar a intolerância da direita, também não deixam de considerar a importância do debate para a manutenção da democracia. Mas talvez se esqueçam eles mesmos de que, se taparem os próprios ouvidos, serão eles também responsáveis por realizar suas profecias.

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