A mãe brasileira de senegaleses e haitianos

Vitória Nascimento
poadobem
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4 min readJun 17, 2019

Em Neusa, os imigrantes encontraram a representação de sua família.

130 famílias. Quase 500 pessoas. Essa é a quantidade de imigrantes que a técnica de enfermagem, Neusa Batezini Scherer, auxilia por meio de ações sociais do Voluntários Grupo Família Imigrantes. O projeto foi fundado por ela em 2015 e desde então conquistou duas salas para depositar mantimentos no Vida Centro Humanístico, no bairro Sarandi, Zona Norte de Porto Alegre. Os encontros mensais, que recebiam menos de 50 pessoas, hoje reúnem centenas de imigrantes que tentam construir suas vidas na capital gaúcha. Nestas ocasiões, os “filhos” de Neusa a encontram e, mesmo que por um minuto, conversam com quem eles chamam de mãe.

Neusa conta de que forma iniciou o projeto com os imigrantes. Foto: Pietro Meinhart

Foi neste mesmo local que, há quase quatro anos, a técnica de enfermagem conheceu os primeiros grupos de senegaleses e haitianos que chegavam à capital gaúcha. Depois de tomar conhecimento sobre os imigrantes que estavam abrigados no espaço do Centro Vida, Neusa comprou algumas cestas básicas e foi ao local para conferir a situação em que eles se encontravam. Ao chegar lá, foi encaminhada ao andar superior, onde ficavam o grupo de senegaleses. Em um primeiro momento, não avistou ninguém. Quando falou sobre a comida que trazia, a primeira pessoa apareceu, seguida de outras famílias. O cenário de abandono a deixou chocada. Eles pegaram os mantimentos que Neusa levou e a agradeceram muito.

“A palavra ‘comida’ foi quase como mágica pra eles aparecerem […] Eu senti a emoção nos olhos deles. Naquele dia, voltei pra casa chorando”.

Depois disso, Neusa nunca mais deixou de ajudá-los. Passou a arrecadar alimentos e roupas para distribuí-los aos imigrantes que estavam abrigados no local. Inicialmente, contou com a ajuda de dezenas de voluntários para distribuir as arrecadações e contribuições. Aos poucos, o grupo foi ficando menor e o número de imigrantes aumentando. Hoje em dia, são cerca de seis pessoas que a ajudam com mais frequência.

Algumas arrecadações que estavam no Centro Vida no dia da visita. Foto: Pietro Meinhart

Um sábado por mês acontece os encontros entre os imigrantes e os voluntários. Neste dia, as famílias vão ao Vida para a distribuição de cestas básicas, além de outros itens que são arrecadados pelo Grupo Família Imigrantes, como móveis, roupas e itens de higiene pessoal. Mas, mesmo assim, todos os dias são atendidos os pedidos de auxílio dos senegaleses e haitianos. Apesar de ser aposentada, Neusa trabalha em uma unidade de saúde de segunda à sexta-feira, mas visita o espaço destinado ao Grupo quase todos os dias.

Como retribuição por toda a dedicação e carinho, ela passou a ser chamada de “mãe” pelos homens e mulheres que chegam a Porto Alegre à procura de um lar. No início, pensou ser um engano, mas outros começaram a chamá-la pelo apelido carinhoso, incluindo os adultos mais velhos. Depois de certo tempo, percebeu que a denominação significava muito mais do que ela imaginava, quando uma haitiana chamou a própria filha de “mãe”. Perguntada sobre o porquê desta nominação, a imigrante respondeu:

“Eu a amo, por isso a chamo de mãe”.

Ali, Neusa notou que não era chamada de mãe “mãe” apenas por ajudá-los, mas por eles a amarem. Ela, que era mãe de duas meninas e dois meninos, não esperava ganhar mais centenas de filhos.

“Eu já criei meus filhos e agora estou ajudando quem precisa mais do que eles […] e eu só consegui chegar até aqui pelo apoio que eu recebi da minha família”

Neusa guarda com carinho momentos da vida desses imigrantes. Foto: Pietro Meinhart

A situação dos imigrantes

Desde o início da década de 2010, os movimentos migratórios vêm sendo destaque por conta dos milhares de refugiados e imigrantes que chegam ao Brasil e a outros países de todos os cantos do mundo. Segundo relatório divulgado em 2018 pela Organização Internacional de Migrações (OIM), 258 milhões de pessoas residem em um país diferente do país de origem. Isso representa 3,4% da população total do mundo. Entre estes, também encontram-se os refugiados e os imigrantes.

As imigrações geralmente estão ligadas à situação socioeconômica do país de origem. No caso do Haiti, por exemplo, a imigração em massa começou no início de 2010, quando um terremoto deixou 300 mil mortos e destruiu grande parte do país. Segundo as Nações Unidas, a população de migrantes vivendo no Brasil cresceu 20% entre 2010 e 2015,, chegando a 713 mil.

O Rio Grande do Sul possui, atualmente, cerca de 69 mil imigrantes ativos, segundo dados da Polícia Federal. Em 2017, o número de haitianos em Porto Alegre era de 2,5 mil, enquanto senegaleses somavam 1,2 mil. Muitos destes partiram para outros cidades ou países e muitos outros também chegaram à capital gaúcha a procura de uma nova vida, direitos e de cidadania. O projeto de ação social de Neusa auxilia 130 famílias nesta busca por novas oportunidades.

Grupo: Bárbara, Gian, Leonardo Fidelix, Pietro e Vitória.

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Vitória Nascimento
poadobem

Futura jornalista com uma vontade imensa de desvendar esse mundo louco.