A múltiplas faces de um camaleão:

do diagnóstico à reinserção social de pacientes com câncer

Frederico Engel
poadobem
5 min readJun 27, 2019

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Aluta contra o câncer sempre foi presente na família de Sílvia Rios. Perdeu seu avô, sua avó, sua tia e sua prima para a doença. Quando foi diagnosticada com câncer de mama, em 2010, a médica, então com 54 anos, relata que tinha poucas esperanças em contornar seu quadro. “Pegando a estimativa da minha família, as chances de eu reverter a minha situação eram muito pequenas”.

Sílvia, que precisou retirar parte do seio esquerdo devido a um nódulo, comenta que o tratamento de quimio e radioterapia eram extremamente severos: “O tratamento mata as células cancerígenas, mas mata também as boas. Em alguns momentos senti que estava levando minha vontade de viver embora”. Entre náuseas e dores provocadas pelas reações à medicação, Sílvia comenta que a parte mais dolorosa foi a sua perda de cabelo.

“Eu me olhava no espelho e não me via mais ali. Na verdade, em alguns momentos sentia que não enxergava nada, apenas um vazio”

Para superar as dificuldades do tratamento, Sílvia contou com o apoio da família e amigos. “Eles foram muito importantes para mim. Me mostraram que ainda existia vida mesmo naquela situação. Que eu precisava lutar para ficar boa e voltar a fazer tudo o que eu gostava. E eu consegui”.

A notícia da descoberta de um câncer abala as estruturas familiares. É importante a família entender pelo que o ente está passando, bem como a melhor maneira de ajudar. Já o paciente precisa aceitar a doença e passar a se aceitar com as difíceis mudanças que virão ao longo do tratamento. Com essa finalidade, existe a Casa Camaleão.

Casa Camaleão (Foto: Luis Henrique Cunha)

O Projeto Camaleão, localizado na Giordano Bruno, 82, em Porto Alegre, auxilia pessoas diagnosticadas com câncer, além de seus familiares e amigos. “Não são somente os diretamente afetados pela doença que sofrem”, explica Leon Golendziner, psicólogo que atua pelo Projeto, que destaca que é importante lembrar de todos que estejam envolvidos com o indivíduo. “Amigos e familiares devem saber a forma correta de abordar com o tema. Em alguns casos, palavras de incentivo podem ser positivas, em outros pioram a situação”. Além do trabalho com a psicologia, ele fica responsável pelos Recursos Humanos, direção, desenvolvimento e avaliação de pessoas, terapeuta, entre outras funções das quais agrega.

Leon Golendziner (Foto: Luis Henrique Cunha)

O psicólogo é um dos sócio-fundadores do projeto, iniciado em 2014, ano que ele recém havia saído da universidade. Com ideias do que gostaria de realizar no progresso de sua carreira, se deparou com o Blog Além do Cabelo, de Flávia Maoli, no qual ela oferecia dicas de como lidar com o câncer, desde a forma de colocar um lenço na cabeça até a escolha de perucas. “Ela já produzia conteúdo e tinha conhecimento de causa sobre o assunto e eu entrei em contato expressando a vontade de trabalhar com atendimento às pessoas, um sentimento que ela também compartilhava”, comenta.

Assim, a Casa Camaleão foi constituída, contando com um corpo entre 10 e 20 funcionários fixos, além de cerca de 80 voluntários. De acordo com Golendziner, o nome escolhido faz alusão ao animal pelo fato de ele conseguir se transformar constantemente, mudando a estética. E o fator estético, ainda que não seja o único, é um importante ponto ao qual o projeto busca auxiliar. Conforme o psicólogo, o objetivo é que quem seja diagnosticado com a doença possa seguir com a sua vida na plenitude, sem sofrer com o isolamento social, sendo o fator estético um dos pontos, em especial para as mulheres. “Quando uma mulher saia na rua com um lenço, ela já acaba sofrendo olhares das pessoas como se ela estivesse na iminência da morte. E não é esse o caso. Isso parte da ignorância de pensar desta forma, e tais olhares também impactam a pessoa, que sente que os outros a estão olhando de modo diferente”, afirma.

E o trabalho de reinserção social, como é descrito, é efetuado em diversas frentes. Dentre grupos de terapia, yoga, reiki, mindfullness, o Projeto atua para que o paciente se sinta incluído e que saiba lidar com a doença. “Ao menos da minha parte, eu procuro oferecer um novo significado de vida para eles. Muitos dos que chegam até nós expressam o medo que sentem pela morte, mas saber trabalhar com isso é uma forma de ressignificar a própria vida, encontrar novas formas de viver e aproveitar ao máximo dela”, explica o psicólogo. Com isso, o Camaleão trabalha não somente a estética, mas oferecendo um auxílio para a mente, corpo, alimentação e outros aspectos da vida.

E o impacto gerado na vida destes que participam do Projeto é o melhor possível, segundo Golendziner. Ainda buscando tornar tais dados tangíveis, com um desenvolvimento de um software, ele percebe que o envolvimento que é estabelecido entre os participantes é algo que possibilita uma nova dinâmica para eles, sendo um espaço em que também podem “esquecer” da vida e se divertir.

Mesmo que não disponha de números, Golendziner percebe que cerca de 100 pacientes são tratados pelo Camaleão. “É difícil precisar sem os dados, até porque algumas pessoas vem aqui regularmente e participam de todas as atividades, outras apenas dos grupos que ministro e outras ainda que apenas à procura de uma peruca”, destaca. Ao longo dos cinco anos de atuação, o psicólogo acredita que o impacto do Projeto já impactou milhares de pessoas.

Mas e para a continuidade, o que ainda pode evoluir? Golendziner deseja que o espaço disponibiliza tudo o que uma pessoa com câncer necessite. “Desde locais para repouso, até ambientes para tratamento. Quero poder melhorar ainda mais”, completa.

O câncer em números no Brasil:

Dados referentes à Região Sul (Fonte: Instituto do Câncer, INCA)
Dados referentes ao Rio Grande do Sul e Porto Alegre (Fonte: Instituto do Câncer, INCA)

Grupo: Alex Torrealba, Frederico Engel João Pedro Argemi, Leonardo Kaller e Luis Henrique Cunha

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